Entrevistas

Escritor Pedro Mello: “Sou poeta, sem dúvida”

Começou a conhecer-se melhor através da escrita. Pedro Mello poderá ser uma das mais iminentes promessas da literatura poética portuguesa. Ao candidatar-se para o curso de enfermagem, o destino quis que viesse para o Porto, cidade onde vive há 19 anos. O fascínio desde criança pelos livros permitiu-lhe desde muito cedo escrever poesia, guiões para peças de teatro na escola, romances e muitos pensamentos nunca duvidando daquilo que escrevia. Em 2013, apresentou o seu primeiro livro «Margens», revelando um estilo literário muito próprio. Confessa que a poesia está no seu ADN sentindo-se “poeta”, estilo que evidenciou na obra lançada em 2015, «Poesia Transdérmica – O ópio das palavras». Tem atualmente em desenvolvimento três obras: um livro de ensaios «Ensaios sobre o Tudo e o Nada», outro de poesia infantil «O Mundo de Mim» e um romance «Pedaços de Céu». A juntar ao gosto da escrita, é Professor na Universidade Católica dedicando-se ao Ensino da Enfermagem. É ainda investigador no Centro Interdisciplinar em Saúde, onde aprofunda a investigação sobre o Modelo de Avaliação, Intervenção e Empoderamento Comunitário que desenvolveu no seu Doutoramento. Pedro Mello prevê ainda o desenvolvimento de uma peça de teatro que conjugue uma adaptação do livro «Poesia Transdérmica» com a representação, para promover a compreensão da poesia como algo identitário do “Ser Humano” na vida quotidiana.
Conheça melhor nesta entrevista Pedro Mello

Agência de Informação NorteEstá há cerca de 19 anos a viver no grande Porto. Foi uma fuga da capital sem retorno?
Pedro Mello – Na verdade não. Foi o acaso do universo que me trouxe até ao Norte. Ao candidatar-me para o curso de Enfermagem, o destino quis que viesse para o Porto e digamos que foi paixão à primeira vista e foi-se desenvolvendo um Amor por esta cidade que, diria, dificilmente terá retorno. Mas Lisboa continua a ser a minha génese. Diria que estou no momento exato em que metade da minha vida foi em Lisboa e a outra metade no Porto. Adoro Lisboa, mas é no Porto que me sinto em casa!

Recebeu vários prémios literários atribuídos pelas escolas por onde foi passando. Em que altura se apercebe que a escrita fazia parte da sua vida?
Penso que desde que comecei a aprender a conjugar palavras… Sempre fui fascinado por livros desde muito pequeno e sempre escrevi. Fazer composições na escola primária era para mim um dos pedidos mais emocionantes que a professora poderia fazer. Entrava logo em “sofrimento” criativo aquando da proposta [risos] e normalmente enquanto não lesse a toda a turma o meu texto não conseguia sossegar. Ao longo do meu percurso escolar fui escrevendo sempre, muito. Poesia, guiões para peças de teatro na escola, romances, pensamentos, enfim, a vida no papel em constância!

Quando começou a ler percebeu logo que queria pegar no papel e na caneta?
Sim. Lia e queria completar a história à minha maneira, recriando os personagens, os destinos…

Publicou o seu primeiro trabalho num livro de histórias infantis. «A história da minha viagem no comboio da saúde». Quem era o Pedro Mello nesta altura?
Era uma pessoa apaixonada pela profissão de Enfermagem e por promover a saúde. Na altura era Enfermeiro de Saúde Escolar e quando me foi lançado o desafio de participar num concurso para selecionar textos para um livro infantil promotor da saúde, não hesitei. Sabia mesmo antes de escrever que o “João pele de algodão” seria uma das estórias do livro e ainda hoje é um veículo de promoção da saúde no ensino pré-escolar e primeiro ciclo para promover a proteção da pele contra a exposição solar. Foi uma forma de aliar o meu conhecimento científico, com o conhecimento criativo e a própria criatividade como veículo de promoção da saúde.

Até essa altura muitos trabalhos ficavam certamente guardados na gaveta. Sempre acreditou no que escrevia?
Tenho várias gavetas com vários trabalhos, mas não por duvidar deles… Estão a aguardar o momento certo para o Mundo os conhecer. Quando se vive em verdade, escreve-se em verdade. Falo obviamente da minha verdade, que junta com as verdades de todos os que me leem constroem a realidade, por isso só posso acreditar sempre no que escrevo. Desde criança que escrevo sempre e apenas no que acredito.

Quer com isso dizer que quando somos crianças existe uma capacidade no olhar de ver a vida e o mundo de forma diferente?
Não diria diferente, diria contextualizada num momento em que não temos tantos filtros quando olhamos o mundo e a vida. Somos genuinamente verdadeiros na forma de olhar…

Em 2013 apresenta o seu primeiro livro “Margens”, revelando um estilo literário muito próprio. Foi aqui que começou a conhecer quem eram na verdade os seus leitores?
Diria que o “Margens” é um dos textos que de forma mais genuína traduzem a alma do Pedro Mello. Escrevi o livro em 3 dias, em que praticamente não dormi na tempestade quase catártica que a criação do texto me induziu. Não é um livro fácil de ler. É quase bíblico e como ensaio quase “filosófico” escrito sob a forma de prosa poética exige atenção e um degustar calmo de cada palavra. Quando o publiquei quis que ficasse tal como o escrevi… Cru, livre de filtros, fluído. Por isso pode dizer-se que quem o lê e aprecia é um dos meus leitores “gourmet” sim! [risos]

Podemos dizer que este livro foi essencialmente um desafio para si?
Sem dúvida. Todas as minhas obras são desafios para mim. Se não o fossem não acreditaria nelas, pois a minha verdade é o constante desafio de me superar. O “Margens” como catártico que foi, foi sem dúvida um grande e delicioso desafio.

Refere que a poesia está no seu ADN evidenciando esse estilo poético na obra lançada em 2015 – «Poesia Transdérmica – O ópio das palavras», que conta com o prefácio do cineasta Vicente Alves do Ó e da Atriz Silvie Wacknbath. Mais do que poemas são mensagens ou mais mensagens em forma de poemas?
É puro sangue em forma de poesia. Poesia Transdérmica significa que o livro contém poemas que trespassam a pele do leitor e se tornam terapêuticos. É quase perigoso ler o livro sem ler os “efeitos secundários” dos poemas que nele estão escritos. Ter os prefácios de um dos cineastas portugueses que mais admiro e autor de um filme sobre uma das minhas poetisas musas, Florbela Espanca, e de uma das atrizes e pessoas que considero Luz em forma de pessoa foi um privilégio do universo.

Da escrita para crianças aos contos e à poesia. Quando começa a escrever já sabe que formato vai tomar o texto?
É quase inevitável… Quando o texto está em fase criativa já se definiu ele próprio em relação ao seu formato… Eu sou um mero veículo dos textos que me comandam.

Define-se como poeta ou alguém que gosta de brincar com as palavras?
Sou poeta, sem dúvida. Na verdade em relação às palavras, levo-as muito a sério. Para mim as palavras têm um poder tal que só as podemos levar a sério, tal como numa relação com outra pessoa. Devemos rir com as palavras, chorar com as palavras, estar em silêncio com as nossas palavras… Mas sempre enquadradas num enorme respeito por elas.

Mas começou a conhecer-se melhor através da escrita?
Conheço-me em continuidade através do que reflito sobre o que escrevi, o que penso escrever e o que efetivamente escrevo. Mas o conhecimento de mim está além da escrita… Diria que a escrita é a ponte entre, como diria Mário de Sá Carneiro, eu e o outro dos quais eu não sou nenhum e sou todos.

Tem dedicado muito do seu tempo a promover a poesia junto da população em geral e das crianças em particular, desenvolvendo workshops e palestras sobre poesia em escolas e em contextos sociais onde a poesia nem sempre vê um caminho de acessibilidade. O gosto pela poesia nasce ou conquista-se?
O gosto pela poesia está alicerçado no conteúdo genético da nossa alma… Mas precisa por vezes ser ativado. Com as crianças é extraordinário perceber que, com as palavras certas, desenvolvem-se emoções que se tornam “gatilhos” de criatividade poética. Cada criança é um poema encriptado em sorrisos crepitantes, mas precisa por vezes ser estimulado… Como eu costumo dizer às crianças – “As palmas são as palavras da alma crepitando como pipocas quando as aquecemos em emoções”. Os aplausos à poesia fazem-me mesmo sentir envolto por pipocas de palavras. É uma missão como escritor que vou sempre manter. Com as populações que por preconceito a sociedade considera que a poesia não chega, é o mesmo. A poesia vive em nós. Existem dos mais belos poemas nascidos de contextos desfavorecidos e marginalizados, pois são genuínos, sem intencionalidade meramente comercial. Considero-me nesta missão jardineiro dos poemas no jardim da existência mútua. Porque não?

Tem atualmente em desenvolvimento três obras. Um livro de ensaios «Ensaios sobre o Tudo e o Nada», um livro de poesia infantil «O Mundo de Mim» e um Romance «Pedaços de Céu». Prevê ainda o desenvolvimento de uma peça de teatro que conjugue uma adaptação do livro «Poesia Transdérmica» com a representação, para promover a compreensão da poesia como algo identitário do “Ser Humano” na vida quotidiana. Como leva adiante o processo de criação literária?

Sim, são obras tão diferentes que convivem comigo atualmente. A criação literária não é esforço para mim… Eu respiro-a com a alma, enquanto os pulmões respiram o ar em simultâneo. Quando acordo, começo a ser estimulado pelo mundo que me rodeia e venho já inspirado do mundo dos sonhos que o antecedeu… E entre o sonho e a vida está o meu processo de criação literária.

Escreveu ainda letras para fados de alguns fadistas contemporâneos. Qual considera que é, ou deveria ser, a relação entre a literatura e outras artes como por exemplo a música?
Na verdade quando escrevo alguns poemas quase que já oiço a melodia por trás deles. O Fado é um estilo musical que devolve à poesia o mundo e devolve o mundo à poesia… Pensar os meus poemas em vozes que quase extravasam o limite do real, como é o caso por exemplo da Cláudia Madur, é arrepiante mesmo quando em pensamento. Mas a música em geral corporifica o poema e torna-o estimulante para além da alma, pois conseguimos senti-lo no vibrar dos acordes, mesmo que não o estejamos a escutar com atenção. Um bom poema aliado a uma boa música é pura seda na pele de quem os vive conjugados.

Paralelamente a tudo isto é Professor na Universidade Católica dedicando-se ao Ensino da Enfermagem. É também investigador no Centro Interdisciplinar em Saúde desenvolvendo investigação sobre o Modelo de Avaliação, Intervenção e Empoderamento Comunitário que desenvolveu no seu Doutoramento. Uma vez que não exerce a profissão sente-se enfermeiro?
Na verdade o ensino e a investigação são formas de exercer a profissão. Ser Enfermeiro é a minha identidade paralela à de escritor. Nunca se está Enfermeiro. É-se Enfermeiro naquilo que significa viver em constante sedução com a Disciplina e a Profissão. Todos os dias contribuir para a formação de Enfermeiros, acompanhar os estudantes em Ensino Clínico nos contextos, produzir conhecimento em Enfermagem, só me podem, com orgulho, manter-me no sentido e sentindo-me sendo Enfermeiro. A Enfermagem é um dos pilares da minha ponte na escrita. É esta disciplina que me faz olhar com olhos distintos dos não-enfermeiros para a existência e que torna a minha escrita mais espiritual e ao mesmo tempo visceral.

Que projectos tem e quais os que gostaria de chegar a desenvolver?
Neste momento o projeto “Ser Feliz e Promover Felicidade”, através da escrita, através da Enfermagem, através por isso da minha condição de Verdade e com estes dois pilares percorrer a ponte, como todas as outras pessoas, enquanto me conheço e enquanto persigo o bem maior – o Amor. Tenho muitos projetos. Eles já existem mesmo ainda estando dentro de mim, mas um dia terei gosto de falar deles quando se materializarem. Estão quase… ali à frente no momento da conquista que fica na esquina entre o trabalho e a fé.

Existe quem afirme que faltam bons escritores em Portugal. Será falta deles ou uma abordagem digna aos livros?
Quem o afirma não pode ser conhecedor da realidade. São pessoas que pensam que a sua verdade é a realidade e vivem nessa mentira asfixiante. Portugal só pode ter bons escritores, porque a língua portuguesa é das mais ricas e por isso uma ponte única para a translação da alma para as palavras. Quanto à abordagem digna dos livros, é como na vida, que aliás os livros também são: há quem os respeite e quem não os mereça mas que tem direito de vir a merecer… É o tal caminho do despertar do gene do gosto pela literatura que está por vezes escondido num vazio que por ser vazio pode sempre ser preenchido.

Com a partida de David Mourão-Ferreira, Sophia de Mello Breyner, Eugénio de Andrade, Fiama Hasse Pais Brandão, Herberto Hélder ou mesmo de Baptista Bastos como vê a literatura portuguesa neste momento?
Vejo um enorme legado que responsabiliza os presentes no mundo perante os eternizados pelas obras para que a literatura portuguesa não morra. Não vai morrer. É como o ciclo da água, chove a inspiração das palavras evaporadas pela morte que jamais as destrói. Transforma-as para que o ciclo criativo e de respeito pela literatura portuguesa se renove a cada segundo. Os escritores de que falou não partiram na verdade, são nuvens de inspiração que podem “trespassar a pele” e transformar aqueles que se deixem molhar pelas suas palavras. Um privilégio poder encharcar-se em qualquer um dos escritores que referiu e em todos os outros que não referiu.

O jornalista, cronista e escritor Armando Baptista-Bastos dizia que “escrever é um ato de coragem. Sente o mesmo?
Devo dizer que concordo, pois viver é um constante ato da maior coragem e escrever é viver entre a alma e o corpo da tinta no papel (ou na tela digital). Escrever é assumir que se está vivo em comunhão plena com os outros, abrindo a gaveta para que outros possam ler-nos com os seus olhos. É preciso sem dúvida coragem.

A nossa entrevista decorre num dos Hotéis mais bonitos de Gaia (The Yeatman) com vista para o Douro. As margens do rio servem de inspiração?
Por isso tenho um livro que se chama “Margens” [risos]. As margens deste rio são diamantes. Estão plenas de emoções escondidas nas tintas velhas do casario refletido no rio e nas folhagens que se renovam nas árvores que as salpicam aqui e ali. E emanam uma neblina única no mundo. São a verdadeira metáfora da evaporação do ciclo das palavras que falei há pouco. Não existem margens iguais a estas em nenhum outro lugar. Por isso é que considero que é aqui o meu lar, perto deste Douro que me faz respeitar muito mais o Tejo sempre que o vou visitar.

Simão Barbosa –Fotos
Agradecimento ao Hotel The Yeatman-Vila Nova de Gaia

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6 Comments

  1. Gostei muito da entrevista. Não o conhecia mas senti ser alguém com uma sensibilidade especial. os verdadeiros poetas são assim.Os meus parabéns!

  2. Entrevista de grande nível. Estas plataformas digitais têm esta riqueza. Mostram aquilo que os diários e os canais de televisão não mostram. Não o conhecia mas fiquei rendido ao que li. Parabéns senhor poeta.
    Jorge Silva – Aveiro

  3. Já conhecia alguns poemas do livro pois acompanho a sua página de Facebook. A entrevista revela claramente um poeta sensível, humano, cheio de vida e com muito para dar aos seus leitores. Entrevista bem conduzida, respostas claras de um homem com H grande que faz das palavras a sua filosofia de vida. Parabéns e venham muitos mais livros.
    Anabela Brandão -Chaves

  4. Não o conhecia. depois de ler a entrevista fiquei curioso. VOu passar pela biblioteca para ver uma das suas obras. GOstei muito das respostas às perguntas colocadas.Uma entrevista com olhar sobre o douro só podia servir de inspiração. parabéns e venham muitas mais obras literárias.
    JOaquim Resende-Santo Tirso

  5. Queria agradecer a cada um/a pelos comentários energizantes e incentivadores. Comprometo-me a continuar a trabalhar para que a minha missão como escritor jamais se esgote. Bem haja cada um dos leitores de Pedro Mello.

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