Entrevistas

Salomé Pinto a jornalista poeta

As rádios e os jornais locais foram a sua grande escola. Estudou jornalismo e nunca mais parou. Abraçou vários desafios, cresceu profissionalmente e hoje é a única correspondente do Porto Canal em Lisboa. Nesta entrevista exclusiva, fala da paixão pela profissão, pela rádio e pela arte de escrever poesia.

AIR Informação – És a correspondente do Porto Canal em Lisboa. Foi difícil a adaptação à capital?
Salomé Pinto – Não. Foi bastante fácil. O sol de Lisboa e o rio Tejo rapidamente me conquistaram.

AIR-Foste sempre uma defensora do jornalismo de proximidade. O Porto Canal tem este olhar próprio de proximidade com a população?
SP – Sim. Apesar de ser um canal generalista, o Porto Canal destaca-se pelo relevo que dá às notícias de toda a região Norte, incluindo o distrito de Aveiro, que já pertence ao Centro. Na cobertura jornalística dos acontecimentos da região, o Porto Canal tenta sempre buscar histórias locais, das pessoas e dos lugares que fazem parte do Norte.

AIR -Que tipo de traquejo profissional é que a imprensa local te deu?
SP – Foi o primeiro trampolim. Quando ainda nem sequer tinha entrado para a faculdade para me licenciar em Ciências da Comunicação, a imprensa local foi a minha primeira escola de jornalismo. As primeiras entrevistas, as primeiras reportagens foram realizadas nos jornais, primeiro “O Regional” depois “Labor”, e nas rádios, Rádio Regional Sanjoanense e Informédia, de S. João da Madeira.

AIR-Qual é a grande força do Jornalismo Regional?
SP – Sobretudo a proximidade com a população local, algo que raramente a imprensa nacional consegue alcançar. E essa relação é um grande trunfo para se chegar a histórias diferentes, únicas. Permite também uma investigação mais detalhada e profunda dos acontecimentos da região. E muitas vezes a imprensa nacional vai aí beber histórias para depois desenvolver.

AIR-A magia da Rádio continua a ser muito diferente da televisão?
SP – São magias diferentes. A rádio tem a magia do som e a televisão a da imagem. Embora a rádio hoje em dia também tenha uma presença online com fotografias e vídeo.

AIR -Mas consideras que ainda se desvaloriza muitas vezes a imprensa local?
SP – Sim, ainda não se lhe dá o verdadeiro valor. Por um lado, não há o financiamento ou o investimento devido para que se possa fazer mais e melhor jornalismo local. Os jornalistas acabam por não ter os recursos necessários para exercer eficazmente o seu trabalho nem salários dignos. Por outro lado, a imprensa nacional sobrepõe-se muitas vezes aos jornais e às rádios locais. Embora isso aconteça muito mais em Lisboa e no Sul de Portugal. Penso que o Norte ainda tem um bairrismo que valoriza a imprensa local.

AIR-Queres com isso dizer que a população sai enriquecida com a imprensa regional?
SP – Sim, muito. Se não fosse a imprensa regional, como é que os munícipes saberiam o que se passava na câmara da sua cidade, como é que teriam conhecimento das injustiças que por vezes existem no seu concelho, como poderiam conhecer os eventos culturais e como é que as associações locais teriam o reconhecimento do trabalho, muitas vezes árduo, que vão desenvolvendo?

AIR-O que seria de um concelho sem a imprensa local?
SP – Seria um concelho muito mais pobre, sem visibilidade não só dentro de portas como fora delas, já que, como tinha referido, muitos jornais nacionais captam histórias através da imprensa local.

AIR-Mas a rádio é ou não uma alternativa á televisão?
SP – Não são substitutos. Cada meio ocupa o seu lugar. Não podemos ver televisão enquanto conduzimos ou executamos uma determinada tarefa mas podemos ouvir rádio. Mas se nos quisermos sentar no sofá e ver o telejornal, como foi a tomada de posse do Presidente da República, os efeitos devastadores de um atentado terrorista por exemplo, aí a televisão dá mais informação. Apesar disso, ambos os meios também existem online e aí são muito semelhantes, já que os dois dão imagem e som.

AIR-Há reportagens que marcam a diferença em Portugal. Algumas até salvam vidas. AIR-Faz falta mais jornalismo de investigação?
SP – Faz muita falta e é pena que se faça cada vez menos jornalismo de investigação. Esse é o verdadeiro jornalismo, aquele que denuncia as injustiças e que ajuda a corrigi-las. Mas para isso é preciso mais investimento, mais financiamento nessa área, menos precariedade laboral e mais dignidade salarial para os jornalistas.

“Ainda há bom jornalismo e jornalistas, felizmente”

AIR-O jornalista é visto por vezes como a luz ao fundo do túnel para determinadas situações?
SP – Sim, diria mesmo que às vezes temos o poder de ser autênticos justiceiros. Quando uma família está desesperada, não tem como sobreviver, porque perdeu o emprego, não tem qualquer tipo de apoio ou subsídio, muitas vezes a denúncia jornalística dessa situação pode agitar as instituições e resolver o problema.

AIR- Como vê o jornalismo que é feito neste momento em Portugal?
SP – Ainda há bom jornalismo e jornalistas, felizmente. Mas tem-se vindo a degradar progressivamente por causa da lei das audiências, pela fusão dos grupos económicos que detêm os média e pelo parco investimento no jornalismo. Se não revertermos esta situação, poderemos estar a caminhar para um jornalismo cada vez menos independente, menos autónomo, comprometendo assim a liberdade de escolha, a liberdade de pensamento e a democracia.

AIR-Partilha da ideia que o jornalismo só faz sentido com liberdade?
SP – Sem dúvida. Nem de outro modo poderia ser. Sem liberdade não há jornalismo verdadeiro.

AIR-Existe ainda quem escolha jornalismo com a ideia de serem famosos e de viajarem muito?
SP – Sim, sobretudo a geração mais nova. Os mais jovens entram na faculdade com a ideia romântica de que vão ser famosos e viajar muito, quando na realidade só uma ínfima percentagem de jornalistas acaba por chegar a esse patamar.

AIR-Como é que lida com o improviso?
SP – Penso que lido bem, porque faço o trabalho de casa primeiro. O improviso requer sempre preparação e estudo. Sem isso, o improviso não funciona.

AIR-Qual foi o momento mais caricato vivido em directo na rádio?
SP – Na rádio não me recordo de nenhum, mas em televisão foi quando ao mesmo tempo que estava a cobrir o Limpar Portugal em S. João da Madeira também exercia a função de coordenadora local do mesmo movimento. Foi muito giro e gratificante não só para mim mas também para todos os elementos que participaram nesse fantástico 20 de Março de 2010.

AIR-Jornalismo foi sempre uma paixão?
SP – Desde os 11 anos de idade sim. Na realidade, nessa altura queria ser detetive depois refleti melhor e com a ajuda da minha mãe cheguei à conclusão que queria seguir jornalismo.

AIR-Quais são as vantagens e as desvantagens de seres a única jornalista em Lisboa do Porto canal?
SP – A vantagem é que tenho a possibilidade de cobrir assuntos muito diversos: política, economia, sociedade, saúde, cultura e até desporto. Mas como não há bela sem senão… a carga de trabalho também é um pouco maior. Mas não me importo porque gosto muito do que faço.

AIR- Criam-se muitos vícios no jornalismo?
SP – Às vezes sim, como as muletas de discurso ou algum facilitismo na hora de confirmar as informações junto de fontes oficiais.

AIR- És uma mulher insegura?
SP – Depende dos dias, mas sou sobretudo insatisfeita porque quero sempre mais, porque tenho a plena noção que ainda tenho muito a aprender. O jornalista é um permanente estudante do mundo.

AIR-E a rádio…que lugar ocupa neste momento na tua vida?
SP – Acompanha-me no carro ou em casa mas infelizmente só como ouvinte. Tenho saudades de fazer rádio, espero um dia regressar.

AIR- És uma forte consumidora de televisão?
SP – Não. Vejo sobretudo noticiários, documentários e filmes que me interessam.

AIR-E a poesia que lugar ocupa na tua vida?
SP – A poesia está sempre comigo, acompanha-se permanentemente se não for a ler é a escrever ou em pensamentos.

AIR-O seu livro “Rio de Pétalas” é a prova disso?
SP – Sem dúvida. Foi um sonho tornado realidade. Depois de ter participado em duas coletâneas de poesia, finalmente consegui editar um livro meu a solo, em edição de autor, com a ajuda da Alexandra Gonçalves, que fez as ilustrações, e do meu irmão Pedro Pinto, responsável pelo design e paginação da obra.

AIR-A passagem pela Farol de Ideias foi importante para ti?
SP – Muito. Foi o trampolim da imprensa local para a nacional e do jornal e da rádio para a televisão. Foi uma grande escola para mim trabalhar para os dois principais programas informativos da Farol, o “Radar de Negócios” e o “Biosfera”, ambos produzido para a RTP.

Texto:António Gomes Costa

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3 Comments

  1. Viva a inquietação e o espírito de missão. Ainda há bons jornalistas sim! Temos aqui um exemplo. Óptima poetisa também. Alguma editora interessada em promover talento? Não te deixaremos morrer jornalista!!

  2. Se tivermos a falar de liberdade de pensamentos, sim essencial. Se a liberdade for uma restrição da sociadade o jornalismo o jornalismo é peça fundamental no despertar de conciência. Pegando no caso português temos alguns exemplos no perido do de luta contra ao facismo declarado, na imprensa as publicações Avante e Seara Nova e na radio as Rádios Moscovo e Argel.
    Parabéns a esta boa jornalista.

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