10@norte
10@norte com Eládio Clímaco
O norte corre-lhe nas veias desde miúdo. Em cada canto um poema, um poeta, um olhar sobre uma paisagem, que levam Eládio Clímaco, uma das figuras históricas da RTP, cara e voz de inúmeras edições dos Jogos sem Fronteiras e do Festival das Canção,a viajar pelo passado e com a certeza do presente. Amante de um bom petisco, de uma boa conversa com os muitos amigos que tem numa região a que gosta de chamar: “O Norte dos meus sentidos”.
O melhor refúgio do norte?
Respondo a essa pergunta sem hesitar. S. Leonardo de Galafura, em Peso da Régua. Este era também o refúgio do meu poeta Miguel Torga. É sempre um deslumbramento sentar-me na rocha, qual proa de um navio sobre o serpentear desse rio que é património da humanidade, ficar de respiração suspensa e ler em silêncio um seu poema que começa assim: «O Doiro sublimado /O prodígio de uma paisagem que o deixa de ser à força de se desmedir/Não é um panorama que os olhos contemplam: é um excesso de natureza….».Mas,desde a minha infância que a magia do norte corre nas minhas veias. Foram sempre viagens de sonho quando, na companhia dos meus pais atravessávamos o Minho até à Galiza, terra de minha mãe, onde passava longos meses e que, até lá chegarmos, disfrutava das águas bravas do seu mar da vegetação linda, que enfeitava os rios,das mulheres minhotas carregadas com milho à cabeça e descalças, mas com um andar ladino e um movimento muito especial de anca nas suas saias coloridas.Que saudades sinto das incursões pela faixa portuguesa e pelas várias cidades e pequenos lugares que sempre me deslumbraram.
Com o passar dos anos, e um pouco mais atento e conhecedor,os poetas vieram ao meu encontro. O deslumbramento pelas suas obras fizeram-me amar ainda mais o meu Norte.
A melhor frase que ouviu?
No norte,os regionalismos fazem-me sorrir ou mesmo rir. Vou dizer esta: “Estás muito crescida ganapa”, ou ainda:“ Não devia ter dito isto carago”,Claro que são mais castiças ditas com sotaque!
A melhor figura desta região do país?
Para falar da melhor figura desta região é difícil escolher entre tantas e de tão variadas origens.No entanto, vou começar com um sorriso,e digo,por exemplo, os “Gigantes e Cabeçudos”, heróis da minha infância, mas que ainda hoje vejo com agrado. Mas vamos até à bela cidade de Amarante,onde pela sua história e beleza, tenho sempre a sensação de um regresso ao paraíso, e, claro, vem-me à memória o encontro com o poeta Teixeira de Pascoais. Também aqui não vou esquecer uma das maiores referências da nossa pintura, Amadeu de Sousa Cardoso. Que bom contemplar os seus quadros!Por outro lado, e fazendo parte da memória coletiva, a bela figura da “Noiva de Viana”,no seu lindo traje coberto de ouro!
A música que representa o norte?
Vou recordar o poeta bem popular,Pedro Homem de Melo.Falar deste poeta reporta-nos para a música que mais poderá representar o Norte. Claro que escolho o eterno “VIRA”. No entanto,tenho de referir também os ”Pauliteiros de Miranda”.
O melhor espetáculo que viu no norte?
Agora, vou subir até Ermelo (Mondim de Basto) e lembrar-vos como são infinitamente belos os grandes espetáculos da Natureza. Deliciem-se com as “Fisgas”,candidatas a Património da Humanidade. Depois de ter subido e descido quase até “profundezas” da terra,comecei a minha viagem de regresso a Viana, para, no dia seguinte, participar num grande espetáculo: a procissão no mar da Senhora da Agonia, em Viana do Castelo. A imagem, “majestosa”,na proa dum barco engalanado, seguido por outros, qual deles o mais caprichado na beleza das flores, que por ali são fruto duma bela terra. É um dos mais belos espetáculos do norte.
Com que figura nortenha gostava de jantar?
Vou jantar à cidade do Porto para me encontrar com alguns bons amigos. Gosto de partilhar a mesa com as pessoas que sei terem empatia comigo, apenas pela pessoa que sou e não por se mostrarem a meu lado. Não escolho para a minha mesa ninguém em especial. A amizade e a simplicidade, regadas com um bom vinho tinto é o meu lema.
O melhor prato?
Vamos até Entre-Os-Rios, Castelo de Paiva, para ali desfrutarmos de um excelente petisco: Sável com açorda de ovas. Que delícia! Quando estou só, não deixo de comer as ótimas tripas “à moda do Porto” ou, lá pelo mês de Fevereiro, entrar num dos meus restaurantes preferidos e sozinho, numa mesa bem escondidinha, deliciar-me com um belo prato de lampreia à bordalesa! Mais para cima, quando passo por Bragança, é forçoso uma pausa no caminho para saborear a bela posta mirandesa. É sempre interessante e confortável estar ao lado da lareira e ver como a preparam. O prazer da mesa tem como complemento umas belas conversas.
Um episódio caricato que viveu nessa região?
Estava no Porto em trabalho e, antes de regressar a Lisboa, fui, como habitualmente, à Praça do Bolhão comprar tripas enfarinhadas para continuar na capital a saborear os prazeres nortenhos. Era véspera de Finados, e dentro da praça, caminhava-se com muita dificuldade. Uma multidão, confusão, pregões gritados, molhos de flores à cabeça das floristas, um frenesim, empurrões! Eu deixei-me levar, sem resistir, quase sentado nos peitos de uma avantajada nortenha, ao lado de outras duas bem castiças. Íamos na onda humana ao sabor dos apertões. Eis, quando por entre as pernas, sentimos um enorme vulto que furiosamente nos empurrava para abrir caminho. As palavras por elas pronunciadas em uníssono explicam a cena « Ah ,F….., Carago!!! “ Estapor” do Anão , parece uma mesinha de cabeceira! (risos).
O monumento mais interessante?
Vou destacar dois que gosto em particular e da qual tenho muitas memórias. Nas minhas viagens para a Galiza era paragem obrigatória na Basílica de Santa Luzia, situada no alto do monte de Santa Luzia, em Viana do Castelo, monumento lindíssimo com projeto do arquiteto, Miguel Ventura Terra. De Viana vou até Guimarães. Marcado pelos episódios que deram origem a Nação Portuguesa, o Castelo de Guimarães terá assistido também ao nascimento do primeiro Rei de Portugal, D. Afonso Henriques. Este é um monumento que está na memória coletiva de todos os portugueses
Se escrevesse um livro sobre o norte que título teria?
Esta é para mim a tarefa mais difícil. Não sei se me atrevo. Pois bem, com as minhas despedidas, aqui vai: O Norte dos meus sentidos.
Foto: DR