Entrevistas
Mauro Ramos: “Mais uma vez é a vida a acontecer”

A pandemia chegou e com ela, Mauro Ramos, baterista dos “Amor Electro” sentiu vontade de sair da realidade. A bateria desde sempre é a sua confidente e com ela decide mostrar corpo e alma, a solo. “Leva-me para onde foste”, “Terra” e “Amanhã” são os três singles que nos trazem a voz, a composição e a magia deste músico. Refúgio escolhido: uma casa na árvore e o que lhe sai de dentro é obra de arte.
Por: Andrea Gonçalves
Quanto tempo demorou o clique a sentir-se em ti, para nos contares através de letras, músicas e interpretação o que te vai na alma?
Em primeiro, dar um olá a todos. É bom estar aqui a falar um pouco sobre a minha música, aliás, há um ano atrás andava a ganhar coragem para o fazer, logo até parece estranho.
A história é longa, e era eu uma criança e no conjunto de baile do meu pai só faltava o baterista ser da família, então fui de uma forma simpática empurrado para a bateria (risos) mas já nessa altura eu queria ser guitarrista. Entretanto até aos dezassete anos toquei apenas bateria e por volta dessa altura encontrei uma guitarra velha lá em casa e decidi enfiar-me no quarto sozinho e explorar.
O que aconteceu foi que fui levado pela guitarra para a criação e não para ser um guitarrista… senti logo que a guitarra é para me dar suporte e não para se evidenciar…então como deves imaginar, até aos trinta e nove que tenho, agora, foi muito tempo a acumular isto. Este foi o momento! Talvez porque sempre tive muito trabalho e agora pelo ano que tivemos, fiquei com muito tempo, e decidi tornar este ano em algo menos negativo, e avancei…temos sempre tendência nestas fases para ver o que perdemos em vez do que podemos ganhar. Sinto que a vida se encarregou de me levar, não precisei de insistir e é tão bom quando acontece de forma natural…
” Leva-me para onde foste” tem cerca de 8 meses de vida. Um vídeo cinematográfico que traça a história da perda de um amigo de sempre. Fala-me desta música e claro da pessoa que contigo pensou numa história para contar numa espécie de mini filme à moda antiga.
Não me é fácil falar desta canção! Posso-te dizer que foi inspirada numa pessoa que ainda faz parte da minha vida logo é o que lhe direi se um dia o perder, e noutra que já não está entre nós há alguns anos e numa que me impulsionou por também já não estar entre nós…o realizador (Bruno Soares) ouviu a minha história e o resto aconteceu naturalmente. A parte mais dura é sempre o representar, mas facilitou e defendeu-me sempre o facto de serem coisas que estão em mim e que eu sinto.
O feedback desta primeira música é tão positivo e tão intenso que a seguir nasce a trilogia. Da qual faz parte o primeiro single “terra”. Este foi um grito no lugar e no momento certo? A terra tem queixas de nós é nós do que nos rodeia. Como nasce esta música Mauro e a composição da mesma que tem a força maior na letra, na bateria inquieta e na guitarra que chora o comportamento humano?
Acho que foi, mais uma vez tudo natural. Quis falar da Terra, mas também do ser humano.
“Terra” fala da terra como planeta ou do teu corpo como sendo a tua terra, no sentido de estar enraizado com a terra e de um suposto castigo para quem não te cuidar, a ti ou à Terra. Que está tudo ligado, não há homem sem Terra e no final à terra voltas. E alcatraz é o castigo, mas também é metáfora para a nossa própria prisão, que è a maior prisão. Quando te deixas preso ao passado e não te permites à evolução. Quando não valorizas e massacras a tua consciência com informação do passado, no fundo é uma chamada de atenção pelo mal que fazemos e pelo bom que temos tanto em nós como na terra.
E sim o riff da guitarra neste caso suporta a canção e a bateria é mais livre e egocêntrica e eu também precisava de mostrar a quem me conhece e gosta que vou cantar e fazer canções, mas que a bateria vive em mim e que sempre que me der nas ganas, vou pôr bateria ou não…
Um cenário na Terrugem leva-te a uma espécie de plateau de filme Europeu, onde cada detalhe conta. És tu que também atentas a estes momentos que num zoom dão ainda mais sentido à história? Ou vem tudo da criatividade do teu realizador?
Acho que depende. Por exemplo no “Leva-me para onde foste” apresentei vários sítios para cenários que ficaram, no caso específico desse cenário na terrugem foi o Bruno que sugeriu. Acho que é um trabalho de equipa em que interessa sempre a melhor solução e que nos deixe felizes com o resultado final.
Para quem está quase sempre profissionalmente, a dar vida aos sucessos dos Amor Electro, na bateria, que também conhecem esta tua vertente de compositor. Foi fácil vestir o papel de personagem principal no videoclipe sozinho?
Admito que não foi fácil. De todo. Não me considero ator e até admiro, mais que nunca, o trabalho de quem representa depois desta experiência. Mas, a visão do Bruno, a capacidade que ele tem de me proteger e tirar o melhor de mim, juntamente, com o facto de eu sentir tudo isto, pois são histórias que surgem das minhas canções acaba por me facilitar a vida, não me vejo a tentar representar noutras situações pelo menos para já.
Esta semana surgiu ” Amanhã”. Uma sonoridade diferente, um amor em sobressalto, um cenário de vídeo partilhado na Ericeira. Quais são os pontos de união e de desencontro nesta música?
É uma canção de opostos, se por um lado “não guardes para amanhã o que podes fazer hoje”, quantas não foram as vezes em que esperaste e tiveste um resultado superior, porque maturaste, desenvolveste é evoluíste?
No vídeo fala-se numa relação e os momentos bons e maus que existem, mas podem ser para tudo na vida e o “Amanhã” muitas vezes traz uma melhor solução… Onde se une é na esperança e desencontra-se na incapacidade de dar valor ao que temos e acho que dá para ver isso espelhado no vídeo e musicalmente…
” Dorme comigo” dizes tu a cada refrão que “Amanhã” logo se verá. É assim que te encontras após o desencontro?
Tenho uma tendência grande, antes de dar a volta por cima, para massacrar a minha consciência. Acho sempre que é quando sentimos esse peso, pensamos e dormimos sobre ele, que a aprendizagem está mais perto que nunca e que só assim é possível reter essa aprendizagem. Se calhar não é, mas daqui a mais uns anos já te vou saber dizer se ainda penso da mesma maneira…
Qual destas músicas já estavam numa gaveta, lá na tua casa da árvore, e há quanto tempo? “Leva-me pra onde foste” talvez uns quatro ou cinco anos. “Terra” é de fevereiro/março deste ano. “Amanhã” tem uns dois ou três anos. Não são das mais antigas (risos).
Em 2021, no primeiro dia virá o tema pelo qual agora esperamos. Ou seja, o fecho da trilogia. O que se pode contar?
Não querendo abrir a cortina, é uma música muito especial para mim e que fala muito sobre o que sinto em relação a esta minha nova faceta.
Em relação ao enquadramento com os outros dois vídeos é a resolução desta curta metragem em formato de videoclipe, mesmo sabendo que os três vídeos funcionam de forma independente e, esse para mim, é o maior mérito do Bruno.
” Tudo tem um tempo” diz o teu irmão e teu produtor Menito Ramos. Mas nunca imaginárias que fosse desta forma que iria mostrar-nos a tua voz e o teu enorme talento para escrever e compor?
Mais uma vez é a vida a acontecer de forma natural. E a vida diz-me sempre de forma natural que em tudo o que eu início os primeiros passos, é sempre ao lado do mano Menito.
Já não acredito em coincidências, há muito tempo, e nunca precisei de forçar nada. A vida leva-me sempre para ele e assim vai continuar… e sim, tudo tem um tempo faz mais sentido que nunca (sorrisos).
Como me podes definir o que sentes ao olhar para estes singles que já estão disponíveis em todas as plataformas digitais?
Acima tudo revejo-me é tenho orgulho! Fiz o que senti sem saber se esperavam algo e o que esperavam. Estou grato por poder fazer o que sinto e ver que existem pessoas, mesmo sendo poucas, que conseguem entender e que de alguma forma a minha música as faz sentir bem. Para mim esse já é o lucro por acréscimo.
Define-te: O trabalho árduo ou inspiração ao máximo. Ou misto dos dois?
Segui sempre o que sinto, a minha intuição, mas nada se faz sem trabalho e dedicação. Absolutamente nada.
E trabalhar as tuas músicas com um dos seres humanos mais especiais e geniais a produzir em Portugal que por acaso é teu irmão é uma partilha única?
Foi sempre ele o melhor músico da nossa rua. Nem isso consegui conquistar (riso). É um músico inacreditável, dos mais incríveis e dotados com quem contactei e acima disso, é o meu melhor amigo. Acho que dá pra ter uma ideia da partilha…
Uma última pergunta, o que gostas no norte do País e onde gostarias de gravar um dos teus vídeos.
Gosto das pessoas, da forma como recebem, gosto da comida, gosto muito da música que se faz no norte, sei lá tanta coisa.
Gravava, talvez, na serra da estrela uma coisa meio à James Bond sobre a neve (risos).
Foto: DR