Entrevistas
Rita Calçada Bastos: “Penso que a monstruosidade que se encontra na sua escrita encontra-se em mim e em qualquer ser humano”
“Eu sou Clarice” é o segundo espetáculo de uma trilogia de Rita Calçada Bastos. Apresentada há pouco tempo, no Teatro Municipal S. Luiz, em Lisboa, que nos mostra a forma como vê a escritora Clarice Linspector. A encenadora e atriz quer, agora, trazer e conquistar o Norte com esta peça.
Por: Andreia Gonçalves
Foto: DR
“Eu sou Clarice” é um espetáculo encenado por si, partindo de alguém, que depois de a descobrir, num livro, a inquietou. Como é para si, a “monstruosa” Clarice Lispector?
A Clarice tem uma dimensão tal que se torna muito difícil definir a sua dimensão, mas a questão que me coloca não deixa de ser inquietante e pertinente, pois a definição da coisa em si, ir à essência do que é, era o que ela perseguia, era esse o material da sua escrita. Penso que a monstruosidade que se encontra na sua escrita encontra-se em mim e em qualquer ser humano.
E na peça que encena, Rita. Até onde pode ser Clarice? Porque ela transcendia a vida física… é de outra dimensão…
Nesta peça, eu sou toda Clarice. Foi essa a premissa: onde é que eu me espelho na sua obra.
Carla Maciel, veste a personagem e “Voa”. As asas que lhe deu com o texto e encenação permite que tipo de voo? Qual o limite para a Clarice, enquanto personagem encenada por si e trabalhada pela talentosa Carla Maciel?
A Carla Maciel é uma atriz fora do comum. Para além do seu talento e criatividade, que é inegável a cada projeto, ela é muito livre e confia. Este texto foi construído a partir da minha noção da vida e da obra Da Clarice Lispector, e na relação que isso tem comigo, na minha história, mas descoberto e adaptado pelas duas no processo criativo. Este objeto é também criado como sendo o segundo espetáculo de uma trilogia, o primeiro espetáculo – “Se eu Fosse Nina” e isso para nós era importante. Por isso ele não parte de um sítio qualquer. Pegando nas suas palavras, e penso que vôo é uma expressão feliz, o vôo é total mas direcionado.
Como foi “assistir” à peça, após este período conturbado de pandemia. Foi também uma libertação, para si, para o teatro, para a vida?
Eu também entro no espetáculo, por isso não pude, e tantas vezes me apetecia, ficar a vê-lo de fora… Mas foi uma felicidade poder partilhá-lo com o público. Não tínhamos noção que seria um espetáculo tão catártico… “O se eu fosse Nina”, apenas viu a luz do dia num suporte digital, na sala virtual do São Luiz -irá estrear finalmente em 2022 no Festival de Almada, e estávamos sedentas de poder partilhar esta trilogia com o público. O Teatro São Luiz, teve um papel muito importante no desenvolvimento destes projetos e na forma como acolheu a minha equipa durante este ano pandémico que foi uma desgraça para o panorama cultural português e para a vida dos artistas em Portugal.
Onde bebeu para a criação desta peça? Da Clarice, enquanto escritora? Da mulher inspiradora? Ou de todos os espelhos onde ela se olhava?
Bebi tudo o que pude beber dela enquanto escritora e da sua história de vida. Li duas biografias extraordinárias, uma escrita pela Nadia Gotlib e outra pelo Benjamim Moser e toda a sua obra, e como isso se espelhou em mim… O resto vem da vida.
Um monólogo, com deixas de uma voz off, inquieta, perturba, tal como a própria Clarice. Foi intencional? Ou, apenas, uma boa ideia que se colocou em prática?
A ideia da voz-off vem de um livro que ela escreveu chamado Um Sopro de Vida, em que a personagem do escritor está a criar uma personagem, que ele pensa ser à sua imagem, e que depois ganha vida própria. Não pensei que poderia ser inquietante, nunca tinha pensado nisso, mas talvez o seja, por ser um discurso interno, que nos remete ao nosso próprio pensamento e fragilidades.
Depois do Teatro Municipal S. Luiz, em Lisboa. Vem o Norte?
Queremos muito levar este e o Se Eu Fosse Nina a todo o lado que os queira receber e estamos a trabalhar nisso com toda a nossa determinação. Coimbra, Braga e Porto são já possibilidades. Esperamos que se tornem reias e em breve possamos anunciar as datas.
“Eu sou Clarice” é o segundo espetáculo da trilogia iniciada pela Rita Calçada Bastos, com o “Se eu fosse Nina” que traz um monólogo que cruza a personagem Nina, de “A gaivota de Tchekhov, com a sua própria biografia. Com todas as diferenças que se podem adivinhar, o que há de semelhante entre este primeiro espetáculo e o “Eu Clarice”?
Penso que o que os une vem de uma busca pelo conhecimento da nossa identidade, saber quem somos e o que podemos fazer com isso.
E a seguir vamos “À procura de Chaplin”?
(risos) Sim. À Procura de Chaplin, é o terceiro e último espetáculo desta trilogia. Estamos neste momento a reunir todos os esforços para que através de co-produções consigamos levá-lo à cena no último trimestre de 2023. Até lá a intenção é circular com O Se Eu Fosse Nina e Eu Sou Clarice, dentro e fora de Portugal.