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Atriz há cinco décadas, Marina Mota confessa: “A minha carreira quase começou na cidade do Porto”

Iniciou a sua carreira a 27 de março, precisamente no Dia Mundial do Teatro, há 50 anos. A comemoração vai ser assinalada a trabalhar no Teatro Sá da Bandeira, com a peça “E Tudo o Morto Levou”, junto de um público que considera “diferente”. Aos 59 anos, Marina Mota continua a destacar-se como uma das atrizes mais reconhecidas do país e assegura que todos estes anos de carreira lhe ensinaram que a vida “é muito mais do que a profissão”. 

AIN- Completa este més cinco décadas de profissão. Imaginou-se chegar a esta altura?
Marina Mota
-Não. Eu não escolhi nada disto. Foram as profissões que me escolheram e não eu que as escolhi. Abraço com muito carinho todos estes anos que vou caminhando e orgulho-me muito de sentir que muita gente continua comigo.
É muito bom as pessoas dizerem-me que cresceram a ver o meu trabalho, lembram-se dos meus programas de televisão. Fico muito feliz quando olho para uma plateia e não consigo dizer que faixa etária é que me segue, porque tanto vejo crianças com 10 anos, que aprenderam a gostar de mim no youtube, o que acho muito curioso, como encontro pessoas com mais de 60, 70 anos, e isso enche-me de orgulho.

 O que foi melhor e pior nestes 50 anos?
O melhor tem sido consolidar o meu trabalho nesta área, de forma a ser uma atriz que está sempre no ativo e, por vezes, tenho que me esforçar para recusar algumas propostas de trabalho, e não o contrário, numa profissão que é sempre tão insegura. O melhor da minha vida tem sido não ter nunca esse tipo de preocupação.
Também tenho a vantagem de me autoproduzir e sem eventualmente decidir não aceitar nenhum projeto televisivo ou de teatro, faço aquilo que estou a fazer neste momento: ando em digressão pelo país, já que tanto se fala da descentralização da cultura e tão pouco do que se faz. Por isso, às vezes, este é um mercado que gosto muito de fazer. E isto tem sido o melhor. Fazer uma retrospetiva do meu trabalho e não me lembrar de estar três ou quatro meses sem convites para trabalhar, o que não é muito vulgar.
O pior não há. Não me lembro de grandes dramas na minha carreira. Claro que, por vezes, lembro-me daquele sabor amargo que tive quando deixei de produzir para televisão diariamente sem saber bem a razão, já que liderei audiências durante mais de uma década e nunca encontrei uma explicação válida para que isso acontecesse, mas não chega a ser o pior. Foi apenas uma passagem.

 Sente-se uma atriz privilegiada?
Tenho alguma noção e não a quero ter na totalidade, já que, por vezes, temos de dar um abanão ao nosso ego para ele amochar, porque não gosto de ter o ego grande. Mas é impossível não ver pelas mensagens de carinho que recebo, pela forma como as pessoas me abordam na rua. É impossível não reconhecer esse carinho, só se eu for muito tonta. E é, como diz, um privilégio.

 A Marina começou por cantar fado…
É por aí que tudo começa, na verdade, e foi por aí que eu cheguei ao teatro de revista, que depois se transformou numa carreira mais de atriz do que de fadista. Mas, serei sempre fadista, até calada (risos).

 Quem a conhece diz que dificilmente se sente realizada com aquilo que faz. É mesmo assim?
Se eu achar que não tenho mais nada de engraçado para fazer na minha profissão, encosto as botas e vou fazer qualquer outra coisa que me realize. Eu gosto muito de desafios.

 O que tem atualmente em mão?
Estou a gravar uma série para a RTP, que se chama Motel Valquírias, onde tive de aprender a falar e a representar galego, com uma equipa maioritariamente galega. É algo que estou a achar muito aliciante e divertido. A minha personagem chama-se Carolina, é dona do motel, e é uma personagem com muitos segredos, e que se cruza com mais duas mulheres que acabam por ficar muto amigas. É uma série que vai ser inquietante (risos).

 

“Não há nenhum ator que não tenha pensado em desistir da carreira”

 

Mas ainda tem o rótulo da atriz do Parque Mayer?
Ele está lá, sim. Mas tem sido muito interessante as mensagens que me chegam de espanto pela forma como eu dei vida, por exemplo, a uma personagem de vilã numa novela que está a passar na TVI. E tudo isso me entusiasma, ao mesmo tempo diverte-me, e acho, que na verdade, a minha profissão é isto mesmo: dar vida a pessoas que no papel entre literatura e teatro.


Pensou algum dia desistir da vida artística?
Acho que não há nenhum ator que não tenha pensado em desistir da carreira. Eu lembro-me que, por volta dos meus 43 anos, na altura em que deixei de produzir para televisão, que me questionei de toda esta entrega, porque me esforço tanto para que tudo tenha tanto rigor, tanto profissionalismo, tanta disciplina e, depois, parece que as pessoas que deveriam ver – não o público, porque esse nunca me abandonou – mas as pessoas de poder passavam um pouco ao lado.
Mas, depois, a resposta chegou rápido. Eu trabalho para o povo, para as pessoas como eu e esses continuam comigo. No dia em que eu não sinta que não sou útil num projeto, farei qualquer outra coisa.

 O que é que mais a incomodava: as críticas ou a exposição familiar?
Talvez, por ter crescido muito cedo e começado a ouvir nessa altura muitas parvoíces, nomeadamente com outros colegas antes de mim, não sei se nós ganhamos uma defesa ou se eu própria consegui pegar na peneira e focar-me no que realmente interessa.
É evidente que ao longo da minha carreira, é impossível dizer que nunca houve críticas mais negativas ou alguma abordagem à minha vida pessoal, mas sou uma pessoa muito discreta, não devasso a minha privacidade, por muito respeito que deva ao público, e devo, mas só o devo a nível profissional ou quando tenho uma mensagem pedagógica para passar de algo muito importante.
Eu seleciono muito bem, e dificilmente me conseguem incomodar com isso. Pelo contrário. Por vezes, cheira-me mesmo a ridículo.

A Antónia Novais, da novela da TVI “Para Sempre” ,foi uma prenda para si nesta altura?
Não sei se foi uma prenda. Acho que, na verdade, foi mais uma personagem das muitas que fiz. Eu defendi sempre que um ator, se é ator, fará qualquer género e estará confortável, ou mais confortável, na personalidade de determinada personagem do que noutras.

A personagem continua a surpreender em cada episódio. Como foi criar esta vilã?
Foi, na verdade, isso que me apaixonou. A Antónia ainda vai surpreender muito. Acho esta mulher muito interessante, porque na verdade tem umas camadas que ainda ninguém conhece e que se vão descobrindo aos poucos. Ela não é só má, fria, não sabemos se há algum segredo escondido que a levou a tomar alguma atitude quase por obrigação. Mas a vida dela é interessante.

Mas de que forma estudou esta personagem?
Fiz questão de saber o passado desta mulher e tento construir as personagens com diversas gavetinhas que vou guardando em arquivo de pessoas com quem me cruzei, de coisas que li, dos filmes que fui vendo. Há sempre algumas referências que nós, por qualquer razão as guardamos e quando nos são necessárias, vamos abrir as caixas e retirar aquilo que achamos que podemos aproveitar. E aquilo quase que se torna intuitivo.

Como por exemplo?
Da simples forma da Antónia se sentar, sempre de uma postura muito direita. Só tive pena de não ter um sotaque da zona desta mulher. Foi decidido que a Antónia não ia ter qualquer sotaque de Braga e eu, na verdade nunca fiz força para que isso acontecesse, porque a minha mãe (Carmem Santos) também não o tem. E se ela não tem, eu também não posso falar. E foi por isso que eu não bati o pé (risos).

Mas quando “veste” uma personagem acredita muito na sua existência?
Muito mesmo. Tenho que a defender com unhas e dentes. Mesmo quando os autores me querem esconder alguma coisa, eu faço questão de que pelo menos me desvendem qualquer coisa como, por exemplo, o seu passado, para conseguir contruir o presente e o futuro daquela pessoa com alguma credibilidade. Eu acho que a Antónia tem muitas coisas interessantes ainda por conhecer.

Acha que há muitas Antónias como esta em Portugal?
Algumas. Se não for em Portugal, no mundo há com toda a certeza. A humanidade é muito parecida em qualquer ponto do planeta, e não somos assim tão diferentes como julgamos ser.

Tem sido abordada na rua com comentários quando a esta personagem?
As pessoas comentam sempre de uma forma muito engraçada. Ao contrairo das vilãs, as pessoas abordam-me com muito carinho e fazem um distanciamento muito grande entre a Marina Mota e a Antónia Novais, o que eu acho muito curioso. Dizem-me que aquela Antónia e não você, o que acho muito interessante (risos).

 

“E Tudo o Morto Levou” até dia 27 de março no Sá da Bandeira

 

Está de regresso ao Teatro Sá da Bandeira com a comédia “E Tudo o Morto Levou”, que volta a percorrer o país em tournée.
Estreamos hoje, dia 18, e vamos estar até ao dia 27. Sextas e sábados, às 21h, e aos domingos, às 16h. Esta peça esteve cá há cerca de um ano e meio. Foram apenas quatro espetáculos e fomos obrigados a interromper por causa da pandemia e retomamos agora.
Tenho a consciência de que este é um período muito difícil para as artes, porque ainda estamos num período pandémico, que não está completamente sanado, e agora com a tragédia da guerra, que acaba por nos afetar economicamente a todos. Posso dar-me por feliz porque temos tido salas quase sempre esgotadas por onde temos passado, e isso enche-me de alegria.

Depois do Porto vai continuar a percorrer o país…
Vou fazer a minha estreia no Teatro Garrett, na Póvoa de Varzim, no dia 9 de abril, a 24 de abril, no Pavilhão das Aves, em Vila das Aves, vamos estar em Oliveira do Bairro no dia 14 de maio.

Este é um registo onde continua a sentir-se muito bem…
Sim. Mas acho que em qualquer altura é bom e importante rir, porque faz bem à saúde. E nesta altura mais cinzenta que todos estamos a passar eu acho que nestas duas horas é bom as pessoas libertarem a cabeça e não pensarem em mais nada, a não ser lançar umas boas gargalhadas… e isso é muito saudável e tudo melhora.

Que memórias tem destes 40 anos neste Teatro e da cidade do Porto?
Eu devo confessar que a minha carreira quase começou na cidade do Porto e nas tábuas do palco do Teatro Sá da Bandeira, o que muito me honra. Comecei a 27 de março, no Dia Mundial do Teatro, há precisamente 40 anos, e muito me honra assinalar esse dia a trabalhar.
Mas antes do teatro, com apenas oito anos, cantei no Palácio de Cristal, num festival da canção infantil. Devo confessar que, quando era miúda, achava a cidade do Porto muito cinzenta, mais triste que Lisboa, mas era falta de total conhecimento, porque não é nada disso. Anos mais tarde, trabalhei muito no Porto, numa altura em que cantava fado. Fiz aqui grandes amigos!

Mas há ou não públicos diferentes?
Tenho que reconhecer que o público do Norte é sempre diferente. Acolhe-nos de forma mais efusiva, não tem receio em nos abraçar, de dizer que gosta de nós, e no Porto sinto-me em casa. Sinto-me verdadeiramente bem.

As tábuas de um palco de teatro continuam a ter um cheiro diferente de um estúdio de televisão?
Para mim sempre teve. Eu adoro fazer televisão porque é um veículo de divulgação incrível de promoção, de fazer chegar a nossa arte a mais gente, mas nada que suplante o facto de estar, por exemplo, no Teatro Sá da Bandeira e ouvir uma gargalhada em direto.

Vamos até à sua infância no bairro de Alcântara, onde brincou muito uma maria rapaz cheia de energia. Teve uma infância feliz?
Fui uma criança muito feliz na minha infância. Só tenho memórias de grande felicidade. Era uma maria rapaz ao mais alto nível (risos). O meu pai só teve meninas, acho que ele gostaria de ter tido um rapaz, e eu acho que era esse rapaz que ele tanto desejava. Venho de uma família muito humilde, viver num bairro fez de mim a pessoa que sou hoje. Uma pessoa que não liga muito a marcas, à ostentação, que se sente tão bem num restaurante de luxo como numa tasca, gosto de sítios limpos, não quero luxo, a partilha das coisas fez-me encarar o mundo de forma diferente do que as pessoas que têm tudo de mão beijada desde que nascem.

O que herdou desse bairro?
Herdei tudo isto. Mais tarde fui para o Cais do Sodré e só me dei na minha vida com pessoas humildes, simples e em nada disso me perturbou, antes pelo contrário. Fez com que tudo aquilo que consegui na minha vida tenha um sabor diferente do mérito, do trabalho e que não guardei só para mim.

Queria ser hospedeira de bordo. Acha que se perdeu uma grande profissional nesta área?
Não sei (risos), se calhar até se perdeu, pois não deixa de ser uma profissão que lida com pessoas, que nos faz viajar, e eu gosto.

Os anos 90 foram de muito trabalho com vários programas de televisão. Considera que esse terá sido o momento alto da sua carreira?
Não tenho qualquer dúvida disso. A nível de visibilidade, foram os melhores. As personagens que criei na altura continuam atualizadas ao fim de todos estes anos, e duas delas estão atualmente nesta peça que anda agora em digressão.

Algum dia pensou em trabalhar no palco com a sua filha? É uma mãe muito crítica?
Eu sou crítica em qualquer trabalho. Mas em relação a ela sou mais, pois, obviamente, que aquilo que mais quero é que as coisas lhe corram bem, e que ela vá o melhor possível. Ela cresceu dentro dos teatros e nunca me pareceu ter essa apetência.
De repente, deu-lhe a maluca (risos) e decidiu enveredar por aqui. Primeiro, pelas dobragens e depois fez a sua estreia comigo nos “Três em Lua-de-Mel”. Foi muito agradável e reconheço que é uma jovem com talento e com aquela humildade que eu gosto de sentir nas pessoas.

“A vida é muito mais do que a profissão”

Lida bem com o avançar da idade?
Quando me fizeram essa pergunta estava eu ainda nos quarentas. Eu respondia a dizer que não me preocupava nada com isso. Agora tenho que reconhecer que o corpo se degrada, que a idade avança, e eu já não sou igual ao que era. E isso irrita-me preocupar-me com isso. Mas, na verdade, não posso fazer nada. Vou fazer 60 anos este ano e reconheço que estou mais jovem do que pessoas que trabalham comigo, que têm 25, que acordam já cansados (risos).

O que acha que esta profissão lhe ensinou?
Entre muitas coisas, ensinou-me que a vida é muito mais do que a profissão. Que, por vezes, o facto de estarmos rodeados de muita gente nem sempre são todos amigos, nem sempre são pessoas interessantes e nem sempre as conhecemos. Tirou-me um pouco de ingenuidade que eu achava que as pessoas todas tinham.

O que é que já lhe disseram de mais engraçado na cidade do Porto?
Ui! Tantas coisas e algumas não posso contar (risos). Posso partilhar uma das mais recentes. Vi na história do instagram alguém que filmou a tela que está no Teatro Sá da Bandeira, e com o sotaque maravilhoso do norte disse: “Oh filhinha bem que eu já tou à tua espera”. No Porto, as pessoas abordam-nos com uma simplicidade que eu gosto.

Como gostava de um dia ser recordada?
Gostava que me recordassem como uma boa pessoa, que alegrou muitas pessoas com o seu trabalho e que fez algo que gostou uma vida toda.

 

*A Agência de Informação Norte agradece ao Hotel Vila Galé Porto a forma como nos recebeu.

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