Entrevistas
António Ferreira: “Nas minhas pinturas uso bastantes formas gráficas e orgânicas”
A pandemia mudou as nossas vidas, mas houve quem tenha arriscado ir ainda mais longe na mudança. António Ferreira deixou de lado uma carreira de longos anos como designer e dedicou-se à pintura, uma paixão antiga. Com o pseudónimo “Néco”, pinta todos os dias, e desde a venda das primeiras obras que os seus colecionadores continuam a crescer. Os seus quadros estão distribuídas em várias coleções particulares, em Portugal, Alemanha, Espanha, Reino Unido e Estados Unidos da América. Descontraído e bem-disposto, não corre atrás de “correntes artísticas, escolas ou regras”. Quer apenas continuar a ser “genuíno”, e não troca o Porto, “pela melhor metrópole do mundo”.
Agência de Informação Norte – Numa altura em que o seu nome começa a ser conhecido pelo mundo, na área das artes plásticas, o que lhe apetece dizer?
António Ferreira – Descobri que, realmente, podemos ser o que queremos, realizando os nossos sonhos. De tanto ouvir esta frase, achava que não passava de cliché. Por sorte ou por academicamente estar ligado às artes, escolhi esta nova via profissional. A mecanização diária da disciplina de design gráfico de comunicação não nos dá tempo para usar as nossas mãos, sujar o papel, usar tintas ou o que for para criar. Isso igualmente ajudou-me a virar a página. Foi um recomeçar, mas com uma perspetiva mais forte, e seguro do que quero ser hoje, e mostrar quem sou para o futuro.
Mas que António Ferreira é aquele que está na minha frente?
O António, de pseudónimo Néco, assino desta forma, desde a pandemia. É uma pessoa serena, muito bem humorada e que está numa fase de bem com a vida, embora tenha alguma dificuldade falar de mim. Gosto de estar com a família, mas detesto confusão! A música é outra paixão e, quando posso, componho. Sou apaixonado pelas artes em geral, por peças de Design, cerâmica, carpintaria, etc.. Sou muito bem desorganizado quando pinto. Tento sempre mudar, mas não é o mesmo. Aprendi a relativizar mais os problemas que vamos enfrentando, e a ver a vida de outra forma.
É formado em design e apaixonado pela pintura. As duas paixões completam-se?
Acho que se beliscam, no meu caso. Nas minhas pinturas uso bastantes formas gráficas e orgânicas. As transparências cromáticas, os elementos tipográficos e a geometria estão muito presentes no meu trabalho. No entanto, o design é profundamente articulado como questão da incorporação da arte quotidiana. Ele tem de ser objetivo e de fácil perceção, chegando a qualquer tipo de público. Já a expressão plástica emparelha com o subjetivismo, ideologias ou até religião. Na pintura sinto-me completamente liberto de regras e estereótipos, o que me torna mais criativo.
A pandemia permitiu-lhe perceber que, nesta altura, ser artista plástico fazia mais sentido?
A pandemia deu-me tempo para refletir e de passar mais tempo a pintar. Era o que já há algum tempo fazia mais sentido para mim.
Desde que vendi as primeiras pinturas, os meus colecionadores continuam a crescer. Apercebi-me, então, que o que pinto tinha um lugar no mercado global para a arte. As minhas obras estão distribuídas em várias coleções particulares, em Portugal, Alemanha, Espanha, Reino Unido, EUA
É possível viver dos quadros que vende?
É, ao contrário das minha expetativas, facto que demonstra satisfação pessoal, mas, principalmente, por parte dos colecionadores. Dá-me alento para continuar, com certeza.
O belo é para muitos uma figura estética e também ética. De que forma descreve a sua pintura?
O meu universo alternativo, como, aliás já referi, usa formas geométricas jogando com a abstração. A representação gráfica está permanente na maior parte dos meus quadros, por defeito de formação. As formas surgem durante o processo de pintura, e, no final, esculpem a própria história da beleza do jogo de cores que, por vezes, podem ser vibrantes, refletindo o meu estado de espírito. Abstrato e colorido. Na verdade, sou atraído por questões sobre o que as cores e a luz podem fazer pelo nosso humor. Uma história sem palavras, contada por uma linguagem oculta da minha alma.
Há cores obrigatórias?
As minhas cores favoritas são as mais intensas e vibrantes como os fluorescentes. Pequenos apontamentos, ou grandes formas com estas cores, fazem-me vibrar. Realçam a arte final, sendo o meu cunho. É o meu objetivo pessoal, transmitir alegria.
“Não trocaria o meu Porto, pela melhor metrópole do mundo”
Que materiais usa?
Uso os mais tradicionais como acrílicos, óleos, resina e até o uso de cimentos e massas de reboco falando da técnica mista. Gosto de trabalhar com tela recortada sobrepondo-a em camadas.
O que tem sido mais difícil, desde que assumiu que a pintura seria agora o seu caminho profissional?
Estar ao nível dos artistas que já estão na área há muitos anos. Há muitos bons artistas nacionais e estrangeiros! Mas a minha grande preocupação é o ser genuíno. Não quero correr atrás de correntes artísticas, escolas ou regras. Já procedia assim, enquanto designer: ser apenas eu.
Sabemos que grande parte dos seus clientes são estrangeiros. Entende que o estrangeiro tem uma cultura de base muito mais ligada à arte do que os portugueses?
Sem dúvida. A sua base cultural é muito maior que a nossa. O nível de vida estrangeiro dá para investir na formação desde cedo, apoiar artistas, quer seja na música, na dança ou em outras atividades culturais. Daí que os jovens se tornem pessoas mais sensíveis à cultura e a valorizem.
Mas, não vou falar mal de nós portugueses. Já não somos tão incultos visualmente. Vejo pais com os filhos nos museus, espetáculos e em workshops. Na realidade, isto é para uma minoria social. Pena é que, para a grande maioria dos portugueses, é quase impossível ter acesso a cultura, para não falar na aquisição de arte.
Começa mais cedo a visitar museus e a própria cultura é muito diferente, é isso?
Sim, no próprio sistema de ensino está enraizada a cultura em todas as vertentes.
Nota muita diferença no feedback dos portugueses e dos estrangeiros perante o seu trabalho?O feedback é mais ou menos igual. Mas consigo dizer que a maioria é efetivamente dos estrangeiros. A única diferença, como já referi, é que os estrangeiros têm capacidade de aquisição. Infelizmente, apesar de alguns manifestarem vontade em adquirir o meu trabalho, o seu orçamento não lhes permite. Outros, mesmo tendo capacidade financeira, ter um quadro de um artista original, pouco ou nada lhes diz. É a tal cultura de que já falamos!
Mas algum dia pensou de como seria a sua carreira fora de Portugal?
Sim. Atualmente, para mim, não se justifica sair de Portugal. Pelo contrário. Aqui precisamos de mais agentes culturais. Muitos artistas e designers de renome vivem cá. Com o digital, passamos a ter contacto com galerias, artistas, seguidores de arte de todo o mundo. Fiz a minha formação em Inglaterra e vivi lá alguns anos e, por isso, considero Portugal um lugar fantástico. Por vezes, é bom viver fora, para valorizar mais o nosso país, mesmo com todos os defeitos que ele tem. Além disso, não trocaria o meu Porto, pela melhor metrópole do mundo.
Já expôs os seus quadros?
Ainda não, e não estou preocupado. Hoje em dia, temos a maior montra para os artistas, que são as redes sociais. Conseguimos mais visualizações e chegar mais perto dos amantes de arte e, até mesmo, dos que são mais indiferentes.
De que forma se transmitem emoções num quadro?
Com um simples traço, transmite-se muito num quadro. Basta observá-lo e ver a força ou leveza que o bico do lápis, pincel ou outro meio, para percebermos a raiva ou serenidade do trabalho.
Quer com isso dizer que o segredo está na alma e numa forte intensidade de viver?
Sem as duas não faz sentido algum pintar. Quando abandonei o design, senti isso. Já não gostava do que fazia. É claro que, em qualquer área, mesmo que não seja arte, quando trabalhamos sem alma e sem intensidade, tudo se torna muito entediante e frustrante.
Qual é a sua maior inspiração para pintar?
Nunca pensei nisso muito honestamente. Mas os elementos naturais, como o mar, inspiram-me bastante. Trazer um pedaço de madeira ou uma rocha da praia, que eu sei que a vou transformar em algo, cria-me uma boa energia.
“Nunca é demais apoiar a nossa cultura e as artes”
Pinta todos os dias?
Acordo por volta das seis horas, e todos os dias pinto, sempre que posso e, por vezes, esqueço-me de parar. Algumas vezes, paro, porque as tintas ou secam lentamente ou muito rápido, ou porque estou com vários quadros em simultâneo. Mas tento evitar o «after hours».
Que semelhanças existem entre o artista e o homem?
O artista, antes de ser artista, tem de ser homem. Ou primeiro artista? Os primeiros Homo Sapiens eram artistas que reproduziam a natureza tal qual a captava. O homem, ou artista, tem a necessidade de se expressar, quer seja pela escrita, pintura, culinária ou na carpintaria. Mas talvez tenha de recuar à minha infância, porque antes de sermos homens adultos, todos nós, mal ou bem, pintámos e sarrabiscámos. Os sarrabiscos, desde sempre, me fascinaram.
Tem ideia de quantos quadros já pintou?
Sei todos os que vendi, ofereci, que tenho em acervo, mais os que estão em processo criativo. Mas, na verdade, nunca os contei. Mais de 100 são com toda a certeza, sem contar com trabalhos sobre papel.
Existe quem diga que a arte no nosso país já conheceu melhores dias. Partilha dessa opinião?
Este conceito é muito velho! Nunca é demais apoiar a nossa cultura e as artes. São poucas as pessoas que realmente percebem. como é importante termos eventos culturais nas nossas cidades. Com eles obtemos uma sociedade mais instruída e culta, que vai fazer evoluir o nosso país. Pena que grande parte dos portugueses, não dá a devida atenção aos artistas e ao seu trabalho. Quando um país percebe que a cultura é um bem necessário, liberta-se o povo da ignorância!
O que é que os seus admiradores podem esperar nos próximos tempos da arte do António?
Espero, dentro em breve, fazer uma exposição. Não que a anseie muito, mas porque sou constantemente questionado pelos meus seguidores. Um quadro ao vivo a emoção é diferente, e temos mais consciência de todo o processo criativo: texturas, cheiro, brilho, dimensões e o seu enquadramento.
Mas avisarei, assim que estiver agendado e possível.