Cultura
Ópera sobre a Violência Contra a Mulher resulta da vontade da Misericórdia do Porto, Quarteto Contratempus e do Rivoli
Uma conjugação de vontades face a uma problemática tão crítica e atual como é a da Violência Contra a Mulher esteve na génese do projeto artístico de uma ópera, com a denominação de “Lugar Comum”, começar a ganhar forma. Nos dias 25 e 26 de novembro todos os caminhos vão dar a um “Lugar Comum”.
11 de novembro 2022

No decorrer do processo, a ideia matriz colheu o interesse tripartido da Misericórdia do Porto, do Quarteto Contratempus e do Rivoli – Teatro Municipal do Porto. O objetivo prosseguido foi o de uma criação que espelhasse no palco de um teatro a dureza da realidade social que o palco doméstico esconde. Por vezes, mesmo estando à vista de todos, a situação permanece oculta e sem ser alvo de denúncia, sobretudo se ocorrer com pessoas de franjas mais estigmatizadas ou vulneráveis da sociedade. A ideia ganhou corpo e foi mobilizadora das partes. O resultado será agora partilhado num espetáculo com duas récitas marcadas para os próximos dias 25 de 26 de novembro (sexta e sábado às 19h30), que terão lugar no Grande Auditório do Teatro Rivoli. O acesso ao espetáculo é gratuito para ambos os dias.
A escolha da data de estreia tem uma dimensão simbólica, a de assinalar a data de 25 de novembro, Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres. Tendo em vista tudo o que Lugar Comum está prestes a consagrar em cena, é importante realçar que para o efeito, e durante 36 meses, colaboradores da área social da Misericórdia do Porto, artistas e públicos vulneráveis uniram-se na desconstrução de conceitos e cenários de violência contra as mulheres, com a construção de 25 fragmentos de arte que convergiram para este espetáculo final. O conjunto destas ações foi assim fundamental para a estruturação da ópera.
Promovido pela Misericórdia do Porto e financiado pelo Portugal 2020, o projeto “Mudando o que tem de ser Mudado” visa a prevenção da violência contra as mulheres e envolveu vários grupos de utentes das suas respostas sociais, nomeadamente: crianças e jovens, pessoas com deficiência e/ou incapacidade, idosos, vítimas de violência doméstica e pessoas em situação de emergência social. Nada de nós sem nós, configura uma poderosa estratégia de empoderamento e inclusão. Para o Provedor da Misericórdia do Porto, António Tavares, “este é um projeto que queremos transformador, transformador para as vítimas, convertendo as suas experiências traumáticas em exemplo de voz e empoderamento, inspirando outras que agora vivem essa realidade, e transformador para a sociedade, transformando a indiferença e omissões em espelhos de rejeição à violência. Não é ao acaso que decidimos que as portas do espetáculo vão estar abertas, é um convite (que não pode ser recusado) à participação de todos, com o objetivo de sensibilizar, envolver e responsabilizar. Este é um projeto de todos e para todos, porque amanhã todos podemos ser a vítima. Temos de parar, temos de mudar este lugar comum.”
No seio da abordagem ficcional, sem a pretensão de um qualquer psicodrama pessoal, o que se propõe enquanto sinopse da peça traduz o espírito do que se vai ver em palco: “Um lugar comum, que é de todos, com vozes femininas que falam baixinho dos seus gritos mais íntimos, com instrumentos que nos são comuns e tornam os nossos dias menos comuns, com palavras que são dadas sem partir nem baralhar. A ópera tem sido uma longa conversa com os homens que parecem que nem os seus gritos conseguem ouvir. A ópera traz consigo distantes agudos femininos desde o tempo em que nem sabia que aqueles sons existiam. Ou então, habituamo-nos tanto a ouvi-los que se tornaram num lugar comum”.
Mário João Alves, responsável pela conceção do libreto, situa a ação um pouco mais: “O lugar Comum começa a doer pelo seu próprio nome; por se dizer Comum e pelo seu simples existir como Lugar. Porque o rigor do sítio e a nudez do espaço são imensas, amontoadas, mas à enormidade do espaço contrapõe-se um teto baixo de luz branca, claustrofóbico.” E aproveita para acrescentar: “E este ar frio, visível pelo bafo da respiração, é como um berro surdo, uma golfada de ar espesso, largada assim que acabada de engolir. Dizer o quê, escrever o quê num lugar assim?”, deixa a interrogação a si próprio, com resposta que se intui, mas que de igual modo fará eco nos espectadores.
Nos dias 25 e 26 de novembro, o “Lugar Comum” será, numa das aceções subjacentes, o Rivoli e o ‘denominador comum’ mobilizador será a questão da Violência Contra as Mulheres. Urge por isso ocupar o Lugar.
A ópera “Lugar Comum” tem como promotor a Santa Casa da Misericórdia do Porto, sendo uma produção do Quarteto Contratempus, com coprodução do Teatro Municipal do Porto.