Entrevistas
José Raposo: “Todos sabemos que a cultura não é bem tratada pelos governantes portugueses, desde sempre”
Presidente da direção da Casa do Artista há cerca de dois anos, José Raposo defende que a instituição, enquanto polo cultural, procura manter a interação entre o público e os residentes e crítica a forma como os governantes portugueses tratam cultura. O ator diz também que a atual direção colocou a Casa do Artista na “agenda cultural e no próprio meio artístico, de uma forma muito mais visível”.
Agência de Informação Norte – Está à frente da direção da Casa do Artista há cerca de dois anos. Acha que já conseguiu que este espaço fosse muito mais de um simples lar para artistas de todas as artes?
José Raposo – Esta direção colocou a Casa do Artista na agenda cultural e no próprio meio artístico, de uma forma muito mais visível. Através das redes sociais e da informação que fazemos questão de dar à população, para que se inteirem do que de facto é a instituição. A Casa do Artista não é um lar, é exatamente a Casa do Artista. Os artistas não são diferentes às outras pessoas, mas têm uma especificidade devido às suas vivências, do seu trabalho muito inconstante e da sua sensibilidade. A Casa do Artista é diferente por ter esse espírito e simbolismo para a população. E, essa diferença é bom que se faça sentir, para que as pessoas reconheçam que aqueles que os fizeram sonhar toda a vida tenham uma dignidade e qualidade de vida naquele espaço. Uma das coisas que esta direção está a fazer é abrir esta Casa à sociedade. Faz todo o sentido que as pessoas vão ali e conversem. Apesar de ainda existirem regras que temos que cumprir, devido à pandemia.
Olhando para este tempo acha que já conseguiu melhorar as condições de vida dos residentes? As valências estavam mal aproveitadas também no que diz respeito à parte cultural?
Aquele espaço não é só um lar, é acima de tudo um polo cultural onde estão 70 residentes (a partir dos 60 anos) ligados às artes. Essas valências são o teatro, 10 salas disponíveis para aulas, workshops e ensaios. A Galeria Raul Solnado, o Teatro Armando Cortez e, também outros espaços ambivalentes. A Casa do Artista é um polo cultural. Essas valências têm que ser valorizadas e muito bem preenchidas, porque têm que servir o público e os próprios residentes. Tentamos manter uma interação entre o público e os próprios residentes da Casa do Artista.
Uma das vossas preocupações sempre foi por garantir a sustentabilidade financeira da instituição. O valor das reformas e a ajuda do estado não são suficientes para os encargos fixos da Casa do Artista? O que tem sido mais difícil nestes dois anos nesta IPSS?
O mais difícil é a gestão da instituição, porque é um barco difícil de navegar. São precisos apoios para que os 70 residentes tenham qualidade de vida e condições mínimas. Só a prestação da segurança social e dos próprios residentes não chega. O que os artistas recebem de reforma é uma miséria, ao contrário do que as pessoas pensam. O que se gasta, por mês, com um residente são cerca de 1600 euros.
Existe lista de espera para entrar na Casa do Artista?
Não. Temos sempre resposta para quem necessita de entrar. Infelizmente, na pandemia morreram cerca 11 pessoas e entretanto há pessoas que falecem com idades já mais avançadas. E vamos preenchendo os lugares vagos.
“O que os artistas recebem de reforma é uma miséria, ao contrário do que as pessoas pensam”
O Ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, visitou recentemente, a Instituição, e o Teatro Armando Cortez e esteve à conversa com elementos da direção. De que falaram? O governante fez alguma promessa?
O Ministro está sensível à situação. O Ministério da Cultura, através da anterior Ministra, fez um acordo com a Casa do Artista de 50 mil euros por ano, durante três anos. Além de parcerias, para que através do teatro possamos com acordos com o Ministério da Cultura levar para lá companhias de teatro de todo o país. Está em andamento essa parceria da Casa do Artista com o Mistério da Cultura. Além de que o Ministro fez questão de dizer que vai aumentar a verba anual. Temos conseguido apoios do mecenato, com grupos empresariais fazer várias coisas. Desde obras no teatro, nos camarins e renovamos o material tecnológico.
Há um enorme investimento ainda necessário na Casa do Artista. De alguma forma continuam a apelar ajuda, a estes mecenas?
Todos os apoios são bem-vindos. A manutenção da Casa, que tem 22 anos, é “monstruosa”. São precisas obras, constantemente. Foram feitas umas obras a fundo no teatro, mas é necessária uma intervenção na própria residência. E, isto, só é possível através de apoios. Apesar de tudo, esta direção tem conseguido uns “pequenos milagres”. Aumentamos a quantidade de auxiliares e o acompanhamento médico. Temos um médico permanente de segunda a sexta-feira, psicólogo, seguranças e a cozinha está cada vez melhor. Fazemos alguns eventos para a angariação de fundos, como é o caso da Feira de Natal, que reverte em exclusivo para a Instituição.
Quando falamos da Casa do Artista lembramo-nos obrigatoriamente do Armando Cortez e da Manuela Maria. Esta foi uma casa pensada, sonhada como um refúgio para os artistas mais velhos, uns certamente mais lembrados do que outros.
Sem dúvida. Está na Casa do Artista uma residente muito especial, que é a Manuela Maria. Ela foi uma das fundadoras e pertenceu a todas as direções, com exceção a que entrou agora em funções. Ela é uma das pessoas que muito admiro e foi quem mais me ensinou, no meu início de carreira. Ela é um símbolo da Casa do Artista. A primeira direção foi composta por Manuela Maria, Armando Cortez, Cármen Dolores, Octávio Clérigo e Pedro Solnado. Quem trouxe a ideia para esta Casa, foi o Raul Solnado do Brasil. É importante falar deles, porque foram os grandes impulsionadores e transformaram o sonho em realidade.
Fala-se muito na velhice dos atores e das dificuldades que eles passam. Tem conhecimento de artistas que estejam a viver com dificuldades em Portugal?
Muitos atores estão a passar dificuldades. Inclusive, atores que vivem sozinhos e acabam, normalmente, mal. Porque não há grandes apoios por parte da cultura, aos artistas, e depois são esquecidas por parte do governo. Todos sabemos que a cultura não é bem tratada pelos governantes portugueses, desde sempre. Somos um país que pertence a uma Europa evoluída e, depois no que diz respeito à cultura não existe essa preocupação de a elevar como os outros setores. A cultura é o parente mais pobre.
Essa cultura é a mesma que não dá trabalho, por exemplo, aos atores mais velhos? Encontra alguma explicação para esse fenómeno em Portugal num século como este?
Não faço a mínima ideia. Este país não é para velhos, e isso é muito visível. Não vemos atores mais velhos nas telenovelas, no teatro ou no cinema. No Brasil, os mais velhos até são elevados a uma categoria superior, em termos de prestígio. Têm participações especiais, porque são os mestres. Em Portugal, isso não acontece. Temos algumas exceções como o Rui de Carvalho e o Luís Alberto. Uma das funções da Casa do Artista é lembrar a importância destas pessoas à comunidade. Temos a Lurdes Norberto ou o António Évora que têm algumas participações, porque estão na Casa do Artista.
“Acho que falando com determinadas pessoas do Porto, um dia se vai conseguir fazer espécie de uma filial da Casa do Artista”
Sempre se falou de uma possível Casa do Artista no Porto. Faz sentido? Há artistas do norte nesta IPSS? É impensável esse projeto?
Por mim não é impensável, porque já tentamos contactar as pessoas que têm o projeto há muitos anos. Há um grupo no Porto que está há muitos anos a tentar essa Casa do Artista na Invicta e no qual não nos queremos intrometer. Acho que falando com determinadas pessoas do Porto, um dia se vai conseguir fazer espécie de uma filial da Casa do Artista. Temos residentes que são do norte. Acho que fazia todo o sentido haver uma ligação à Casa de Lisboa. Mas não tem sido fácil, porque as barreiras regionais aparecem sempre.
Falamos de questões políticas, também?
Não. É uma questão mais do meio artístico, porque as pessoas querem implementar as coisas à sua forma, até porque temos características diferentes. Mas acho que devia ser a própria Casa do Artista a tomar essa atitude.
Diz muitas vezes em entrevistas que este projeto é maravilhoso e que lhe dá uma nova vida. Que vida nova é esta?
É a realização de um sonho, que é de alguma forma, vir cá com alguma missão de ajudar os outros. Dá-me um prazer imenso ajudar aqueles que, para mim, são as minhas referências e que são quem me fez sonhar e me ensinou a arte que eu pratico. E isso renova a vida de qualquer pessoa.
Que ligação tinha antes de assumir a presidência deste espaço?
Era sócio e quando haviam eventos estava presente. Visitava, também, algum colega mais velho. Assumo que tanto eu e como os meus colegas devíamos visitar os residentes da Casa do Artista. Os utentes gostam desse contacto e, temos todas as condições para que as pessoas possam ir ali conviver com quem lá reside.
O José pensa na velhice? Acha que está preparado para envelhecer?
Não me preocupa, porque vivo o dia-a-dia e não penso nisso. Não me sinto a estar a envelhecer, mesmo estando ligado à realidade da velhice e lidar com isso na Casa do Artista.
Atualmente onde podemos encontrar o José Raposo no palco?
Neste momento, estou a fazer o espetáculo “Trair e coçar é só começar”. Uma comédia do brasileiro Marcos Caruso, e que está a ter um enorme sucesso, no Casino Lisboa. Vamos para o Porto em fevereiro, para o Teatro Sá da Bandeira. A peça conta com um elenco de luxo do qual fazem parte Rui Unas, Sara Barradas, Telmo Ramalho, Matilde Breyner, Rafael Medrado, Bruno Madeira, Carlos Areia e a Isabela Valadeiro. Divertimo-nos muito e temos um grupo com uma grande cumplicidade.Com este elenco e com a encenação do Miguel Thiré conseguiu-se um espetáculo maravilhoso.