Entrevistas
João Baião: “Sou muito feliz no Norte”
O ator e apresentador esteve à conversa com a Agência de Informação Norte e garantiu que o espetáculo é tudo menos um monólogo.
O espetáculo “Monólogos da Vacina” está na estrada há cerca de um ano, e o Coliseu do Porto volta a receber João Baião e a sua equipa em abril. O ator e apresentador esteve à conversa com a Agência de Informação Norte e garantiu que o espetáculo é tudo menos um monólogo. Do público, espera o mesmo de sempre, até porque as pessoas do norte sempre o trataram de forma muito “especial” e é recebido sempre de “braços abertos”. “Há uma respiração diferente no Porto.”
Agência de Informação Norte – O espetáculo “Monólogos da Vacina” vai regressar dia 1 de abril ao Coliseu do Porto. As pessoas do Norte são um dos exemplos daquilo que tem acontecido um pouco por todo o país?
João Baião – Em março, irá fazer um ano, desde que estreamos os “Monólogos da Vacina”, e jamais imaginaria que uma sala como o Coliseu do Porto esgotasse por duas vezes, com duas sessões. Eu tinha muita vontade deste regresso aos palcos. Este espetáculo é um original, e excedeu todas as expetativas. Não estava à espera desta adesão tão grande por parte do público. O que prova que todos vivemos um período negro e desconhecido, que foi a pandemia. Não sabíamos o que isto ia dar, mas nota-se que as pessoas estavam com muitas saudades de voltar ao ativo e às grandes salas de teatro. E divertirem-se, que é o mais importante. O grande propósito deste espetáculo é uma “vacina” de boa disposição.
És um homem muito feliz no norte?
Sou muito feliz no norte, mas já era feliz antes destas salas esgotarem. Sempre que venho para esta região, mesmo que seja só por lazer, sou sempre muito feliz. As pessoas no Norte tratam-me de uma forma muito especial e recebem-me sempre de braços abertos. É como se fosse da família. Independentemente de ter as salas cheias, já me sinto muito bem e feliz no Norte. É um carinho especial e diferente de todo o resto do mundo.
Na verdade o espetáculo é tudo menos um monólogo e mais uma paródia dos tempos vividos durante a pandemia, é isto?
Tudo nasceu de uma grande paródia. Eu já estava a ensaiar uma comédia só com quatro atores. Entretanto, o mundo parou. Quando foi possível regressar, achei que a ideia inicial já não fazia sentido e quis fazer uma coisa diferente, mais dinâmica e divertida. A ideia surgiu, porque um dia estava na “Casa Feliz”, com a personagem da “Dona Odete”, e, de repente, ouvi falar do espetáculo, (que continua em cena), dos Monólogos da Vagina”, com a Teresa Guilherme, a Marta Andrino e a Melânia Gomes. Fiz uma publicação nas minhas redes sociais, com a figura da “Dona Odete” a dizer os “Monólogos da Vacina”, porque se falava muito do tema das vacinas. Não estava à espera que a publicação tivesse um grande impacto, mas as pessoas começaram logo a questionar se era verdade e que era uma boa ideia. E, a partir daí, nasceu a ideia do espetáculo.
Mas este foi, desde sempre, o conceito inicial ou sofreu alterações?
Inicialmente, eram quatro atores, não havia bailarinos e era uma comédia com música. De repente, mudei e optei para um conceito muito mais musical, entre o musical e a revista. Aumentámos o número de atores e introduzimos oito bailarinos, que fizeram audição.
Desafiou colegas, amigos e escritores para escreverem textos. O João também o fez. De que forma é que trabalhou tudo isto?
Os textos foram chegando, e eu fui alinhavando. A ideia começou a crescer com o título, e depois um monólogo que não é um monólogo. É a utilização destes “Monólogos da Vagina” para “Monólogos da Vacina”, uma vez que eu gosto muito de brincar com o nosso português e dar-lhe aqui um trocadilho. Posteriormente, foi fazer coisas soltas mas que estivessem relacionadas com esta atualidade que vivemos e brincar com pouco com a situação. Respeitando, obviamente, todas as pessoas que passaram pela situação da pandemia e da covid-19, de forma dramática.
Como é que se faz humor com uma pandemia, que nos deixou muitas vezes a falar sozinhos?
Agora, pode-se brincar um bocadinho. Lamentamos sempre a morte de muitas pessoas no mundo, mas, agora, já passou e não podemos parar. Há que olhar a vida de frente, com alguma esperança, e temos que nos divertir. A pandemia, psicologicamente, afetou-nos muito, e isso nota-se. A grande emoção deste espetáculo é no fim. Acabo sempre por ir ter com as pessoas, tirar fotografias, dar um abraço, e é incrível testemunhar pessoas de 70/80 anos e jovens que nunca tinham vindo ao teatro, e que saíram de casa, pela primeira vez, para verem um espetáculo de teatro. Isso deixa-me muito feliz.
A “Dona Odete”, personagem que criou na sitcom da SIC “Patrões Fora”, é uma das figuras marcantes deste espetáculo. O João Baião está orgulhoso com a prestação desta personagem?
Estou muito orgulhoso e divirto-me muito com esta personagem. A “Dona Odete” nasceu um bocadinho ao acaso. Foi um dia em que a Cristina Ferreira não estava no programa, e foi o João Paulo Sousa e a Joana Barrios que a foram substituir. Precisavam que eu entrasse a vasculhar a casa, e, de repente, tocavam à porta e eu tinha que me mascarar com umas roupas que lá estavam. E foi assim que surgiu a “Dona Odete”. E acabei por dar este nome de “Dona Odete”, porque era a mãe de um colega meu, que estava a fazer comigo o “Olha o Baião”. A personagem foi pegando e começando a ganhar espaço dentro da “casa” da Cristina e dentro do coração dos portugueses. Começou a ficar uma figura popular, divertida, e que brinca com as situações. Resolvi trazer a “Dona Odete” para o espetáculo, porque percebi, por causa dos “Patrões Fora”, que a personagem é muito querida, sobretudo pelas crianças.
É uma paródia, relativamente aquilo que todos vivemos. E a mensagem, qual é, afinal?
Este é um espetáculo de entretenimento puro, mas que fala de muitas realidades. É um espetáculo para divertir, para as pessoas dançarem na cadeira e se libertarem das tensões da semana inteira. E veem a “Dona Odete”, os enfermeiros e outras personagens. Pegando nesta premissa, que Portugal tem fibra, acabamos por falar um bocadinho das telecomunicações, da sua evolução e de como elas tiveram um papel importante, enquanto estivemos fechados em casa. Também passa a mensagem que Portugal é um povo de raça e de fibra. Libertamos um bocadinho da “vacina de otimismo”.
“Eu vivia fascinado pela televisão”
Desde muito jovem que a paixão pelo mundo do espetáculo faz parte da sua vida. Na verdade, de onde vem este gosto?
Eu vivia fascinado pela televisão e inventava brincadeiras teatrais com os meus colegas de escola e da rua. Eu vibrava com os festivais da canção na televisão, com o concurso das misses, e com tudo o que estivesse relacionado com o espetáculo. Mais crescido, via o programa “A visita da Cornélia”, fazia de jurado e tinha a minha pontuação. Tudo isso me fascinava. Mais tarde, para além da escola, do futebol e da ginástica, eu tinha grupos de teatro. Tinha sempre que inventar coisas, mas sem nunca perceber que existia um conservatório onde se podia estudar teatro. As coisas foram acontecendo naturalmente.
Diz que sempre foi muito disciplinado. Essa disciplina aprendeu-a também com o teatro?
Esta disciplina é um bocado orgânica. É uma coisa que vem de mim, sou muito metódico e muito organizado. Eu não gosto muito do caos, tenho que ter tudo muito certinho. Mentalmente, eu tenho que me organizar muito. Não sou muito de me deixar ir à deriva.
É do tempo onde não havia telemóveis e muito menos internet. Como é que chegou até ao Nicolau Breyner, para lhe dizer que gostava de fazer uma novela?
Na altura vivia fascinado com estas coisas em casa. Com a minha irmã gémea inventava muitas coisas para fazer, como festivais da canção. Eu absorvi a “Vila Faia” e tentava reproduzir as cenas das telenovelas. E, um dia, escrevi para o Nicolau Breyner e ele respondeu-me. Lembro-me que me inscrevi numas audições.
Quando pensa nesse tempo, o que lhe vem à cabeça?
Vem-me à cabeça uma infância e adolescência muito felizes. Eu sou de uma geração em que se vivia muito na rua. Brincar à carica, ao pião, ao berlinde, às escondidas, fazíamos campeonatos de futebol entre ruas, andar de bicicleta… Os meus tios formaram um grupo de escuteiros e tínhamos muitas atividades. Nesse grupo de escuteiros, criámos uma secção de teatro e inventávamos espetáculos. Aquilo era a minha vida.
A dada altura, concorreu a um anúncio de um jornal, onde o bar pedia novos talentos. Ganhou. Podemos dizer que a sua carreira de ator começa nesse momento?
Estava sempre a teatralizar momentos da vida. E as coisas foram acontecendo, até um dia ver um dia um anúncio, num jornal, à procura de novos talentos. Tinha uns textos escritos de uns espetáculos que fazia nos escuteiros. Concorri com esse espetáculo que tinha escrito, fui à final e fiquei em primeiro lugar, juntamente com um mágico. E o prémio era ficar a fazer esse espetáculo, uma vez por semana. Foi nos espetáculos dos escuteiros que conheci o Joaquim Monchique. Encontrei nele uma grande cumplicidade, porque partilhávamos a mesma paixão. E começamos a ir ao Parque Mayer para ver espetáculos e ao Teatro Aberto. Lembro-me de lhe dizer no Parque Mayer: “nós ainda vamos estar nestes cartazes”. As coisas foram acontecendo naturalmente e gradualmente.
A sua mãe queria ser atriz e o seu pai estudou música. O seu gosto por estas duas herdou deles?
O meu pai pertenceu ao coro da Gulbenkian e estudou música. A minha mãe fazia teatro, mas teatro amador. Eles conheceram-se neste meio. O meu irmão enveredou também pela música, pela poesia e fez teatro. A minha irmã também fez alguns espetáculos nos escuteiros, na adolescência. Um dia num café concerto, fui convidado para fazer uma audição, para o teatro nacional, para uma grande coprodução com o Teatro Aberto. Fiquei lá a fazer figuração.
Os seus pais sempre o apoiaram quando decidiu largar o emprego e ir para o teatro?
Na altura em que tive que optar entre o teatro e o trabalho, optei pelo teatro. Falei com os meus pais e eles disseram-me que se esse era o meu caminho, para ir em frente.
Começou a trabalhar numa gráfica que fazia capas para os discos de música. Já aí as artes estavam presentes…
O meu primeiro trabalho foi num café, que era perto dessa gráfica. Depois fui para essa gráfica. Acabava por sair penalizado nessa profissão, porque o trabalho era muito. Era preciso ficar a trabalhar depois das 18h00, e eu não podia porque tinha ensaios de teatro, à noite. Tinha sempre problemas com o meu chefe. Mas tudo se foi conjugando.
“Eu acabo sempre por arranjar momentos para descansar”
O que é que o teatro lhe ensinou ao longo destes anos?
Sinto que, quando subo a um palco, falta-me sempre mais qualquer coisa. É como se fosse do zero. Antes de começar um espetáculo, fico tão nervoso como se não tivesse já tantos anos de teatro. Nós, por vezes, só temos noção daquilo que aprendemos muito tempo depois. Aprendi dos meus pais que isto é tudo muito efémero. E que o importante é mesmo aquilo que fazemos, as pessoas com quem estamos, e a forma como nos relacionamos com os outros. E o teatro é um grande exercício de libertação, contacto, disponibilidade e tolerância com os outros. E, mesmo assim, falta sempre qualquer coisa. Todos dias se aprende, não há um limite.
E a televisão?
Antes de saber como o público vai reagir ao que vamos fazer, fico sempre muito ansioso e nervoso. Mas depois passa. É um sentido de responsabilidade muito grande.
Já assumiu publicamente que gosta de trabalhar e que também tem tempo para descansar. Não sente ainda o cansaço da idade?
Eu acabo sempre por arranjar momentos para descansar. Eu descanso mais e recarrego baterias, no meio da agitação do que sozinho. Antigamente, eu não era incapaz de estar sozinho, tanto que eu estudava sempre em frente à televisão. Agora, já procuro mais o silêncio e de estar sossegado. A palavra “cansado” não entra no meu vocabulário. Eu não me sinto cansado, nunca estou cansado. Eu procuro, dentro dos meus horários e dos meus dias, formas de descansar à minha maneira. Obviamente que sabe bem, sair do programa, ir para casa e estar com os meus bichinhos. Não sinto o peso da idade. Sinto-me com mais energia agora, do que há dez anos.
O que é necessário mudar no teatro ou na televisão?
O que eu tenho percebido, ao longo deste quase um ano que andamos pelos teatros, é que cada vez mais temos infraestruturas maravilhosas, fora dos grandes centros, e isso é muito importante. E que as pessoas querem ver espetáculos. Alguns programadores de teatro ainda são muito elitistas e acham que “na minha sala só pode vir este género de teatro”. O teatro é teatro. Somos muito provincianos no preconceito. A arte é feita para toda a gente.
Qual é a sua ligação ao norte e, em particular, à cidade do Porto? O que é que esta região tem de especial?
Tem uma verdade que não é falsa. Uma espontaneidade que é uma coisa natural e orgânica. Tem uma forma simples de nos abordar, mas, ao mesmo tempo grandiosa. Ficam genuinamente contentes de nos ver, abraçar e cumprimentar. É como se fossemos lá de casa. São muito autênticos. Existe um brilho no olhar e uma sinceridade. Eu sou bem tratado em todo o lado, mas há uma respiração diferente no Porto.
O que lhe disseram de mais engraçado nesta região?
Isso não posso dizer (risos), mas foi na Rua de Santa Catarina.
Teatro Sá da Bandeira…
Muitas memórias.
Numa frase como se define?
Uma pessoa feliz, muito feliz.