Entrevistas

Aurélio Prado: “O ato de bordar me faz entrar em contato com as minhas dores, com as minhas fraquezas”

Cheio de flores. Cheio de amores. Cheio de Marias. Assim é Aurélio Prado o jornalista que bateu as asas para Portugal, atravessando o Atlântico, para ser, apenas, o verdadeiro artista. Ele pinta o mundo de cores e flores. Ele respira arte no trabalho. Segura a agulha e amolece-a de amor. Ele é alma num sorriso de encantos. É luz no olhar e na forma sensível de sentir. É bordadeiro.

Agência de Informação Norte – Quem é o Aurélio e quem são as Marias Bordadeiras?
Aurélio Prado – O Aurélio é um brasileiro que gosta de ser reconhecido por sua capacidade de realização de sonhos. Tenho 43 anos, sou pai de um casal adorável, marido, jornalista especializado em marketing e bordadeiro autodidata. Também sou o criador da marca Marias Bordadeiras, uma pequena empresa de bordados manuais com sedes em Brasília (Brasil) e em Almada (Portugal). As Marias, às quais a marca faz alusão, são as ancestrais de todas as famílias brasileiras e portuguesas que bordavam, muitas delas chamadas Marias. Aliás, é bem possível afirmar que tanto em Portugal quanto no Brasil, em 99% das famílias há, sem dúvidas, uma Maria ou alguém que já bordou, borda ou bordará.

O que lhe o jornalismo? E o que lhe oferece o bordado hoje que o abraçou com tanto amor…
O jornalismo é parte de quem o Aurélio é, sobretudo, como bordadeiro. O espírito questionador, investigativo, me leva a ler muito, buscar informações, conhecer novidades e valorizar o compartilhamento dessas informações. O jornalismo me deu grandes amigos, me deu uma vida material confortável com todas as condições de ter um filho estudando para ser contabilista e uma filha se graduando em psicologia. Também foi o jornalismo que me ajudou a abrir e a manter a minha empresa de bordados manuais. Entretanto, sempre acreditei que vivemos muito. E a expectativa de vida está sempre a aumentar, por isso, para mim, era importante encontrar uma novidade na vida. Depois de 20 anos de jornalismo, recebi, num sonho, a resposta para uma prece que havia feito na noite anterior, na qual eu pedia a Deus que apontasse algo diferente para ocupar o meu cérebro. Foi aí que sonhei com as Marias. Desde aquela noite de 19 de março de 2019, o bordado entrou na minha vida.
O ato de bordar me faz entrar em contato com as minhas dores, com as minhas fraquezas… enquanto bordo sou transportado para um lugar etéreo só meu e é nesse lugar onde a mágica acontece. Bordado e homem se tornam uma coisa só e, assim, é possível olhar bem perto os sentimentos e as situações para que eu possa, quase como num processo cirúrgico, retirar o que não pode ficar e reforçar o que precisa ser reforçado.
Depois disso o bordado vai para o cliente, mas eu, como um paciente, sigo grato por ter tido a oportunidade de me curar de mais uma dor e de me fortalecer ainda mais. O bordado me devolveu pra mim. Ah, e vale destacar que vir para Portugal, legalmente, foi graças ao bordado. Abri a empresa aqui e consegui o visto de empreendedor. Estar neste país de forma regular é merecer todos os dias em paz.

O que fez vir do Brasil para Portugal há cerca de oito meses? Mostrar por cá sua arte?
Portugal é uma das raízes do Brasil. Aqui, além dos aspetos culturais com alguma semelhança, bem como o idioma, há muito gosto pela cultura do bordado, há muitas Marias e há, também, árvores incríveis que fazem parte do meu catálogo de bordado, como o jacarandá e a oliveira. Para além disso, fica mais fácil atender os clientes da Europa e dos Estados Unidos a partir de Portugal. A missão das Marias é disseminar a prática do bordado enquanto arte e Portugal nos inspira num nível que não podemos descrever. É bom demais poder estar aqui, recolher impostos, gerar emprego e viver com a tranquilidade que sempre desejei. São só oito meses, mas já tenho motivos de sobra para agradecer para sempre.

As cores, a linha, a agulha, o tecido. São os seus companheiros de vida! O amor e amizade como se manifestam através da sua página de instagram que já tem mais de 100 mil seguidores?
Amor e amizade são valores da marca Marias Bordadeiras. É por isso que fazemos questão de saudar as “pessoas lindas da comunidade das Marias” (é assim que nos referimos aos seguidores), com flores que eu fotografo por onde caminho.  Além disso, o perfil no Instagram (@bordadeirasmarias) é um canal não apenas para a venda dos bordados que eu faço, mas também para a troca de informação sobre tudo que envolve o universo infinito do bordado. Compartilhar as minhas descobertas é delicioso. Aumenta o vínculo com as pessoas, as faz interagir com o conteúdo e, claro, divulgar o nosso nome. O bom de tudo isso é que, dessa forma, seguimos a nossa missão que é estimular o bordado como expressão artística.

O menino Aurélio talvez nunca tenha sonhado com este momento. Como se vê daqui a 10 anos?
Sonhar, pra mim, é muito especial. Sobretudo depois que as Marias surgiram na minha vida. Eu sou dessas pessoas que prestam atenção aos sinais que Deus (ou Universo, ou seja, lá qual for a força maior que as pessoas acreditam) nos envia por meio dos sonhos e das conversas que tenho com pessoas desconhecidas. Sim. Isso também é bem precioso. Sobre como me vejo daqui a 10 anos… bom, me vejo a bordar para clientes de todo o mundo, na minha casa, cercado pela minha família e amigos (quero construir uma rede de amigos e familiares aqui); a fazer pequenas pausas para cozinhar para toda essa malta; a caminhar numa beira mar num fim de tarde dourado; e a tomar vinho, enquanto assisto à passagem das estações do ano, aqui, em Portugal. Eu não quero muito, só quero o essencial.

Bordar dá-lhe paz ou paz interior?
As duas coisas. Bordar me conecta comigo. Me transporta para um mundo exclusivamente meu. Ninguém entra, pois é como se fosse o planetinha B612, descrito em O Principezinho (Antoine de Saint-Exupéry). É nesse lugar, que existe entre os mundos real e imaginário, que promovo os maiores debates existenciais sobre a minha existência. É lá onde acontece o encontro do Aurélio com o Aurélio. É a fonte de toda energia que emano diariamente à comunidade de pessoas lindas das Marias Bordadeiras.

Para quem trabalha, todos os dias…
Eu trabalho para muitos. Para mim, pela minha subsistência e equilíbrio mental. Pela minha família, para que, um dia, possamos nos reunir e celebrar a vida e as conquistas de cada um deles. Pelos meus seguidores, para que se apaixonem pelo bordado assim como eu. E, por fim, trabalho para honrar o bordado e seus entusiastas, pois muito mais que uma fonte de renda ou uma estratégia terapêutica para o bem-estar emocional, é um estilo de vida que nos conscientiza sobre nosso papel no mundo enquanto indivíduos e coletividade.

Andreia Gonçalves
Fotos: DR

 

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