Opinião
A música como motor de transformação social
A sociedade como um todo e o indivíduo como ser indiviso, são, cada vez mais, a génese dos grandes eventos musicais, a sua matriz e a sua marca diferenciadora. Posicionar-se como uma referência e uma alternativa no universo da multiplicação da oferta e no cosmos das mudanças sociais globais é, necessariamente, um imperativo de sobrevivência e de receitas. O Primavera Sound Porto mostra-se paradigmático nessa dialética.
6 de junho 2023
Em busca da liberdade, da diversidade e da pluralidade, dentro e fora dos palcos, o Festival Primavera Sound, que começa esta quarta-feira, 7 de junho, no Parque da Cidade, no Porto, aposta na promoção do bem-estar e da segurança física e psicológica do público, através da organização Kosmicare, especializada na implementação de serviços de redução de risco. Para o efeito, está disponível no recinto do festival um espaço de apoio para quem passar por algum tipo de crise do foro psicológico, violência, discriminação ou consumo de substâncias psicoativas.
Este é, apenas, um exemplo, do dar atenção às pessoas, do dar-lhes mais que um cartaz musical e do colocá-las num patamar em que possam sentir-se dignas e respeitadas. Sendo esta, cada vez mais, uma preocupação de bandas e de artistas de todo o mundo, que expressam em palco este tipo de inquietações e que desenvolvem, apoiam e promovem projetos de inclusão social, de ajuda a minorias, a classes sociais negligenciadas, a povos carenciados e a cidadãos no limiar da pobreza, este é também um dos aspetos que elevam a música ao cada vez melhor oleado motor da transformação social.
Outro exemplo é o Primavera Sound São Paulo que, no ano passado, disponibilizou bilhetes com 45% de desconto, tendo parte do valor dos ingressos sido doada a Organizações Não Governamentais, numa parceria inédita com o pacto Global da ONU no Brasil, a maior iniciativa de sustentabilidade corporativa do mundo.
Reafirmar os eventos culturais como agentes de mutação social e dos tempos que vivemos é, não apenas, um sinal de inteligência empresarial, como também de preocupação com o futuro, cada vez mais incerto, da humanidade. Vejam-se as iniciativas em torno da sustentabilidade, que continua subjacente à filosofia do Primavera Sound, um evento cada vez mais sustentável. Este ano, o palco Plenitude é abastecido por fontes de energia renováveis e há também uma inovação nas casas de banho, que consomem muito menos água, de forma a contribuir para a redução da pegada ecológica. Veja-se, ainda, uma outra novidade, enquadrada nestes tempos de século XXI mergulhado na tecnologia e no digital: este ano, os pagamentos no recinto do Primavera Sound são exclusivamente eletrónicos, não se podendo usar dinheiro.
Das plataformas digitais de ressonância social, como o YouTube, e o TikTok, saltam para os palcos do Primavera Sound Porto de 2023 artistas como Rema, o intérprete da muito viralizada música “Calm Down”, mas também Halsey e Central Cee.
O Primavera Sound Porto assume-se, assim, não só como um evento adaptado aos ventos de mudança social, como também uma festa intergeracional, que reflete esses câmbios na forma de produzir, difundir e promover música, e um evento que quer, este ano, ser a maior edição de sempre. Foi, por isso, aumentada a lotação diária para 45 mil pessoas, tendo o recinto sido alargado, com mais cinco hectares, para receber infraestruturas e público.
Fãs da música de mais de cem nacionalidades já compraram bilhetes para este que é o primeiro grande festival do ano em Portugal. Até sábado, há 76 concertos nos vários palcos, com destaque para o regresso de Kendrik Lamar ao nosso país, para a cantora catalã Rosalía, para os britânicos Pet Shop Boys, que fizeram furor nos anos 80 com o pop eletrónico, e para os também britânicos de rock alternativo Blur, que são os cabeças de cartaz de um certame a que se juntam onze nomes nacionais.
Acredito na música como instrumento capaz de ajudar a revolucionar as pessoas e o mundo. Porque a felicidade é uma partilha coletiva que até um concerto ou um festival é capaz de proporcionar!
Fátima Araújo
Jornalista RTP
Foto: DR