Opinião

Primavera Sound Porto: O sonho sinfónico

Se revivalismo é sinónimo de saudosismo e nostalgia, os Pet Shop Boys mostraram no Primavera Sound que o revivalismo também pode ser um contrato de sofisticação, de luz, de paixão e de sonho. Porque na sinfonia dos sentidos ganha quem vê para além do seu tempo.

O vocalista Neil Tennant prometeu uma noite no “mundo de sonho”, com “música a tocar para sempre”, onde “as ruas não têm nome” e cumpriu. Com estas palavras, o cantor cumprimentava o público, à entrada da quarta música, com um “boa noite, Porto, nós somos os Pet Shop Boys” e engatando um medley do tema “Where the streets have no name”, dos U2, misturado com “Can´t take my eyes of you”, de Frankie Valli.

Nesta altura, já o público cantarolava “I love you baby”, o refrão dessa canção, numa espécie de declaração de amor que se anunciara três músicas antes, com o concerto a abrir ao som da marcha nupcial, mesclada com um pot-pourri de sons a que se seguiu “Suburbia”. Vestidos de branco, um com uma gabardine, o outro com um fato tipo espacial, Neil Tennant e Chris Lowe entraram em palco com os rostos tapados com viseiras e com óculos futuristas, porque os sonhos também são os nossos olhos de hoje postos no amanhã.

Por cima desta dupla, dois candelabros iluminavam os dois vultos, num jogo de luzes constante ao longo de todo o espetáculo, não fosse alguém ter dificuldade em ver que um casamento de 42 anos (a idade da banda), também se faz com um olhar retrospetivo das histórias narradas em cada canção. Histórias como as dos namoricos de adolescência, dos bailes de garagem dos anos 80, das gravações feitas em VHS dos videoclips que passavam nos programas de música “Europa Countdown” e “Music Box” ou de desgostos de amor que o público terá, certamente, recordado ao ouvir os Pet Shop Boys cantarem “Always on my mind”, o clássico que Elvis Presley gravou poucas semanas depois de se ter separado da mulher, Priscilla, e que já teve mais de trezentas versões.

Saudosismos e nostalgia à parte, esta foi uma noite de celebração. Celebração do contrato social e da luz que é a vida. Celebração de quatro décadas de carreira do duo considerado os reis do pop eletrónico britânico. Celebração de todos os hits (e eles tocaram mesmo todos, todinhos, incluindo “Go West”, “It´s a sin” e “West End Girls”) que fizeram os Pet Shop Boys ser uma banda que cruza gerações. Celebração de como uma hora e meia de concerto pode ser um alegre e revigorante exercício de revivalismo sofisticado. Celebração da sinfonia dos sentidos ganha por quem vê para além do seu tempo. Celebração de mais uma noite de casa cheia no recinto do Primavera Sound. E, já agora, por que não também, celebração do primeiro dia da edição deste ano do festival sem chuva diluviana!

Nesta terceira atuação dos Pet Shop Boys em Portugal (as anteriores fora em 2004 e em 2010), o público assistiu a uma performance límpida, com a voz de Neil Tennant praticamente igual à que estávamos habituados a ouvir nos discos de vinil e a uma sinfonia pop para memória futura.

E porque sem paz não há futuro e porque a paz é dos sonhos mais caros pelos quais a humanidade paga, a imagem da bandeira da Ucrânia preencheu o palco, segundos antes do arranque do concerto, para nos lembrar que a arte da guerra é a negação de todo e qualquer sonho. As imagens dos esqueletos animados que caminhavam na tela gigante do palco enquanto se ouvia “So hard” corroboram que a dificuldade de concretizar os sonhos serve para nos consciencializarmos que somos cadáveres adiados, se não tivermos a capacidade e a ousadia de sonhar!

Fátima Araújo
Jornalista da RTP

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