Entrevistas
Enfermeiro Pedro Melo é candidato à DGS
Pedro Melo, especialista em Enfermagem Comunitária, é candidato ao cargo de diretor-geral de Saúde. O primeiro Enfermeiro a tentar chegar a um lugar de enorme responsabilidade em Portugal. "As pessoas, em geral, sabem que é preciso inovar e mudar e a minha candidatura quer representar essa mudança", refere o candidato em entrevista exclusiva à Agência de Informação Norte.
Agência de Informação Norte – Anunciou que considera que a sua candidatura possibilita ter uma DGS “menos reativa e mais preparada”. Quer explicar-nos essa afirmação?
Pedro Melo – Quero dizer que a Direção-Geral da Saúde precisa focar-se em criar condições nos cidadãos e comunidades para que sejam fortalecidos nas decisões e condições ambientais e socioeconómicas e assim não seja preciso responder às consequências de um contexto de decisões enfraquecido, onde a baixa literacia, por exemplo, leva à ineficácia de abordagens reativas aos problemas, quando eles já estão instalados. A ideia central é as pessoas serem saudáveis porque querem ser saudáveis e não porque não querem ficar doentes. Parece a mesma coisa, mas são conceitos e paradigmas de ação muito diferentes. A DGS, com as suas atribuições, representa os pulmões da saúde em Portugal e deve por isso ser oxigenadora em estado puro e não prescritora de máscaras de oxigénio.
A Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (Cresap) está agora em fase de avaliação das candidaturas apresentadas para suceder a Graça Freitas, os nomes que estão em cima da mesa são: Rui Portugal, André Peralta Santos e Carla Araújo. O que dizer dos nomes já apresentados. E o que pode o Pedro, doutorado em Enfermagem trazer de mais valia?
São três nomes conhecidos na história e estórias da DGS. Não considero que seja a melhor abordagem falar do percurso dos outros, mas sim, respondendo à questão, o que eu posso trazer de diferente. Pois bem, desde logo trazer as lentes da Enfermagem que nunca foram colocadas na direção da DGS. Essas lentes permitem-me orientar as atribuições do Diretor-Geral da Saúde para as Pessoas e, considerando que é a Ciência de Enfermagem que me permite ter estas lentes, assegurar que os processos intencionais das pessoas (conhecimentos, crenças, habilidades, adesão) são fortalecidos, que os processos não intencionais (como os fisiológicos) são mantidos saudáveis e que os processos de interação com o ambiente (físico, económico, social, cultural, político) seja potenciador de uma saúde em todas as dimensões. Essa visão é tão característica de um Enfermeiro que tornaria Portugal diferente no que se refere à gestão da sua Saúde.
Como analisa o trabalho de Graça Freitas durante a pandemia?
A pandemia foi um evento inesperado, mas não imprevisto. A História da Humanidade tem episódios pandémicos que se vão repetindo. A rapidez com que a pandemia trouxe desafios a Portugal, num contexto de desafio mundial, foi uma missão de grande complexidade e julgo que a Drª Graça Freitas, no tempo, circunstâncias e recursos que tinha, fez um trabalho excelente. A sua visão médica, permitiu-lhe ter um comportamento responsivo adequado às suas competências e o certo é que do ponto de vista das respostas, elas foram eficazes. Os enfermeiros tiveram um contributo fundamental na resposta à imunização da população, que foi exímia. O que posso dizer, como perspectiva diferente ao que a Dra. Graça desenvolveu, é que nalgumas situações era preciso incluir abordagens mais bottom-up, envolvendo os cidadãos e potenciando-lhes capacidade de organização perante a pandemia. E isto seria otimizado se se otimizassem, por exemplo, cuidados de proximidade, com a ativação das Unidades de Cuidados na Comunidade para desenvolverem ações de promoção de literacia na resposta à pandemia, nos contextos residenciais, nas escolas (aqui foi já tardia alguma intervenção no apoio aos planos de contingência) ou nas outras estruturas comunitárias. Talvez adotasse também algumas estratégias diferentes de comunicação com a população, menos alarmante e mais assertiva nalguns momentos, mas analisar à posteriori torna mais fácil estas observações. Esta perspectiva que acrescentei poderia trazer resultados diferentes. Mas volto a realçar que face às circunstâncias, recursos e conhecimentos da Drª Graça Freitas, merece o abraço e a gratidão de todos por tudo o que fez por nós.
Portugal precisa de mudanças. Todos os especialistas atiram neste ponto. Poderia o Pedro fazer parte de uma delas no que diz respeito à Direcção geral de Saúde?
Não tenho dúvidas algumas. Portugal precisa de desconstruir o modelo biomédico e a contratualização orientada para os processos e para um país orientado para a doença (mesmo que às vezes para a prevenção dela), num investimento focado essencialmente no tratamento e reabilitação e num universo hospitalar. E mesmo nos cuidados de saúde primários, há pouco investimento na promoção da saúde. O facto de nos critérios do concurso dizer “preferencialmente médico” demonstra a imaturidade conceptual que ainda temos e a noção de que ser médico é sinónimo de ser mais competente para ser Diretor-Geral da Saúde, quando a Saúde não é de todo sinónimo de medicina. É mais um indicador de que é preciso mudança. É tudo isto que é preciso mudar. E que ter um Enfermeiro Diretor-Geral da Saúde permitiria.
O anúncio de abertura do concurso para diretor-geral da Saúde foi publicado em Diário da República a 2 de junho e segundo a CRESAP, o concurso esteve aberto durante dez dias úteis. Agora encontra-se na fase da análise.
Que feedback lhe têm dado os profissionais de saúde com quem tem conversado sobre esta candidatura?
Tenho recebido feedback muito positivo de todos os enfermeiros, médicos e outros profissionais de saúde que têm partilhado comigo o seu apoio. Claramente a minha candidatura a este concurso tem como partido central os cidadãos e a sua saúde e por isso tenho recebido apoio transversal de todas as esferas políticas e organizacionais dentro da comunidade de Enfermagem, mas, diria, dentro da globalidade das comunidades do país. As pessoas, em geral, sabem que é preciso inovar e mudar e a minha candidatura quer representar essa mudança. Veremos se o País está preparado para isso e se a decisão será nesse sentido. Aproveito para enviar um abraço de gratidão a todas as Pessoas, sejam colegas das várias áreas profissionais da saúde, ensino e investigação, seja todos os que me têm alimentado de apoio e suporte.
Pedro Melo é doutorado em enfermagem, especialista em enfermagem comunitária e professor investigador no Instituto de Ciências da Saúde do Porto – Escola de Enfermagem da Universidade Católica Portuguesa. Para além de escritor. Quais são os sonhos de um jovem que tem dignificado o papel da enfermagem no nosso país?
Os sonhos são apenas munidos de sentido quando os alimentamos de ações. Tenho um valor central em mim, que me alimenta a Felicidade: servir os outros. Seja como Enfermeiro, como Professor, como Investigador como Escritor ou nas outras atividades que desenvolvo, o centro de ativação é sempre este sentido de servir. Apenas faço o que me permite ser útil aos outros e oferecer o melhor que sei e posso aos outros. Esta candidatura é mais uma ação para o concretizar.
Andreia Carneiro