Entrevistas

António Rocha: “O que fazemos com o nosso corpo pode ser mais decisivo que a genética”

A promoção do bem estar físico e mental começa na prevenção, na mudança de hábitos e de estilos de vida. Isso mesmo defende António Rocha, personal trainer, que não tem dúvidas de que a prática de atividade física é uma ferramenta eficaz na promoção da saúde mental e de que a tecnologia e os gadgets, em que os jovens são cada vez mais viciados, podem e devem ser usados ao serviço da sua própria saúde. Desde que haja vontade. Para este profissional, o que fazemos durante a vida é mais decisivo para o nosso estado do que o que trazemos ao nascer.

Agência de Informação Norte – A Federação Mundial de Obesidade estima que 51% a população mundial, ou seja, quatro milhões de pessoas, terão excesso de peso ou obesidade, em 2035, se não se tornar prioritária a prevenção e o tratamento. O que lhe parece que tem de ser feito parra haver uma maior consciencialização e ação para a atividade física?
António Rocha
– A cultura do “mínimo esforço possível” está muito enraizada. Tem de ser desmontada.
Acho que a chave está na prevenção. Deixar o tratamento para os casos onde a prevenção não é suficiente. Entendo que a prevenção começa com uma mudança no estilo de vida. Utilizar mais as pernas e menos o carro e outros veículos, para deslocações, onde o seja possível fazer, enraizar no estilo de vida o deslocamento através das pernas, quer seja a caminhar, quer seja de bicicleta. Utilizar as escadas frequentemente, ir as compras ou tomar café a pé ou de bicicleta. Educar e tornar muito presente nas ações do dia a dia, a atividade física.

O mesmo relatório da Federação Mundial de Obesidade antecipa que, em 2035,a obesidade pode atingir o dobro da população infantil, em relação a 2020. Porque é que as crianças e jovens-adolescentes estão cada vez mais fora do peso que deviam ter para as suas idades?
Pela exigência do estilo de vida que os pais procuram, condiciona os pais a terem respostas rápidas para a questão da alimentação dos filhos. A solução mais rápida e prática. Essa solução está, praticamente, sempre carregada com açúcares e outros ingredientes que inflamam e sobrecarregam o corpo, ao mesmo tempo que viciam o seu metabolismo a querer mais. Entrar nesta espiral negativa é fácil, e os resultados são as nossas crianças estarem já com corpos e crescimentos corporais desajustados.
Pela substituição das atividades físicas no exterior por atividades, com gadgets no interior. Ao mesmo tempo que se alimentam as crianças desta maneira, elas são pouco estimuladas a atividades físicas no exterior, fundamentalmente as espontâneas, onde, a qualquer momento, estão a brincar no exterior. Passam a estar dentro de casa e aqui utilizam os gadgets tecnológicos para se entreterem.

“Não precisamos de demasiados recursos humanos e financeiros”

A massificação das tecnologias, dos gadgets, dos videojogos e redes sociais representam um fator de risco para os mais jovens, que deixam as atividades ao ar livre para estarem em casa sentados a operar esses recursos tecnológicos? E como é que se pode inverter essa tendência?
As tecnologias vieram para ficar. Saber viver com elas parece ser o mais difícil. Existem inúmeras aplicações e gadgets para desporto e atividade física, indoor ou outdoor! Mesmo assim, os números da obesidade nos mais jovens cresce. Porque é fácil, rápido e estimulamos sem esforço.
Dar prioridade parece ser a solução. Em que medida aquilo que fazemos é mais importante para a nossa saúde? Esta deve ser uma pergunta que devemos frequentemente fazer. O primeiro passo, penso que será utilizar as aplicações e gadgets tecnológicos nas atividades físicas. Com eles criar objetivos e metas simples, sem gastar muito tempo na execução, de forma progressiva e de médio e longo prazo. Os pais desempenham um papel fundamental nisso.
Esta estratégia pode ser feita individualmente ou em rede, com o grupo de amigos. Deve ser partilhada com os pais, e os pais devem envolver-se com isto.
“Naturalmente”, o corpo para crescer saudável é imperioso que se mexa, que se movimente, exercite, todos os sistemas do seu corpo. A atividade física é primordial nesta necessidade!

Que papel ainda mais motivador, inclusivo e desafiador podem representar as escolas para promover ainda mais a prática do exercício físico ou de atividades físicas? O que é preciso introduzir ou aperfeiçoar?
É preciso ter coragem e inovar. Encontrar atividade e formas de apresentação da atividade física que seja estimulante e valiosa. Não precisamos de demasiados recursos humanos e financeiros.
Uma medida seria desenvolver atividades físicas onde, toda a escola,  e principalmente todos os professores de todas as disciplinas estivessem envolvidos.
Outra medida, seria desenvolver atividades em parceria com outras disciplinas, onde não apenas a atividade física fosse desenvolvida, mas contribuísse para a aprendizagem das outras disciplinas.

Dê-me exemplos?
Um “peddy paper” mundial, onde aos alunos teriam de correr, ao mesmo tempo que percorriam pelas cidades do mundo, conhecendo assim, os países e os oceanos.
Além disso precisamos de uma política nova e de rede para a atividade física na escola e no país, que funcione em rede, com os clubes e com as Associações Regionais, e mesmo com as federações nacionais, onde os clubes visitem a escola, estimulem a pratica física e até que lhes permita recrutar atletas, nas atividades escolares. Que as associações regionais desportivas promovam encontros desportivos nas escolas.  Relação: Escola-Clubes-Associações Regionais-Federações Nacionais.

As pessoas com menos recursos económicos, que não podem pagar uma prestação mensal no ginásio para praticarem atividade física com regularidade, o que podem e devem fazer, fora dos ginásios, para contribuírem para o seu bem estar?
Por exemplo, podem convidar um amigo e ir ao espaço verde mais próximo caminhar ou andar de bicicleta. Aqui, é onde a tecnologia e as aplicações podem, desempenhar uma função muito positiva. Existem bastantes programas de atividades físicas, com versões gratuitas.
Devem começar com exercícios simples, que sintam que conseguem fazer, e de pouca duração. Com o tempo, aumentar essa mesma duração e, só depois, a complexidade. Os sintomas que têm durante a execução do exercício são decisivos. A dor durante a execução do exercício é de evitar e, se surgir, não o fazer.

“Tenho tido o prazer de treinar pessoas em que o principal objetivo era combater a depressão”

A prática de atividades físicas contribui não apensas para a melhoria da condição física das pessoas, mas também para a sua condição psicológica e mental. Que resultados tem observado a estes níveis, ao longo da sua carreira como professor e Personal Trainer?
A atividade física, quando bem planeada, promove a produção de endorfinas, que são um neurotrasmissor, associado a sensações de prazer e bem-estar. Em casos de depressão, este neurotransmissor está em falta. Nestes quase 20 anos de atividade como Personal Trainer, tenho tido o prazer de treinar com muitas pessoas em que o principal objetivo era “combater a depressão”.
Através da atividade física, conseguimos não apenas combater, mas sair dela. As pessoas deixaram a sua medicação, após indicação médica.

Mas o que disseram depois estas pessoas?
Coisas muito interessantes como “consegui uma segunda vida”! E na verdade acho que conseguiram mesmo e, agora, desfrutam dela, onde a pratica física é… inegociável no seu estilo de vida.

Quais são os maiores cuidados que as pessoas devem ter em conta, ao optarem pela prática de determinada atividade física, atendendo à sua idade, à sua condição física e aos problemas de saúde de que possam padecer?
Se possível, aconselhamento. Procurem um profissional que ajude, pois, o início é feito de dúvidas e de receios. Existem muitos profissionais bons e que estão dispostos a ajudar, muitas vezes de forma gratuita, para que esse início seja seguro, ajustado a si e motivador.
Saber qual o ponto de partida em que estamos, quando iniciamos uma atividade física, é decisivo para construir um plano onde se consigam os objetivos que se pretendem, de forma segura!

Em relação às pessoas sem qualquer problema de saúde, a genética é um fator que, à partida, pode determinar e condicionar um melhor ou pior estado físico da pessoa, ou qualquer pessoa, sem problemas de saúde, pode obter um bom estado físico, sem condicionantes, desde que faça algum exercício ou atividade orientada, regular e permanente?
Tenho a convicção de que o que fazemos durante a vida, epigenética, é mais decisivo para o nosso estado do que o que trazemos quando nascemos, genética. Nascemos com um património, com predisposições e potencialidades. Elas desenvolvem-se, revelam-se ou potenciam-se mediante o que fazemos durante a nossa vida. Uma predisposição para o cancro revela-se mais facilmente, caso tenhamos um estilo de vida negativo. Um potencial muscular, só se expressa, caso treinemos para tal.
A genética determina 25% do que somos durante a vida… A epigenética determina 75% do que somos durante a vida! O exercício físico não é a única, mas é, sem dúvida, a maior ferramenta ao nosso dispor, para potenciar e expressar o nosso bem estar físico!

Os portugueses são hoje um povo mais consciente em relação aos benefícios de alguma prática física e são hoje mais praticantes de exercício e atividades físicas? Ou ainda há muita desinformação, desleixo e indiferença?
Há informação e consciência dos benefícios da prática da atividade desportiva. Mas os benefícios são conseguidos com a prática e, parece-me que ainda fazemos muito pouco. Existe, no meu entender, a “consciência negligente”: sabemos, mas não fazemos.

 

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