Entrevistas
Sandra Correia: “Eu sempre tive a certeza daquilo que quero cantar”
É uma das vozes da nova geração do fado. Sandra Correia assume-se como a continuidade da tradição e gere uma casa de fados, em Vila Nova de Gaia. A fadista tem um novo álbum, chamado "Aqui Existo", e viu o disco ser nomeado um dos quatro melhores álbuns do mundo, nos Independent Music Awards. Numa conversa com a Agência de Informação Norte, Sandra Correia reflete sobre as diferenças entre o fado do passado e do presente, sobre o contributo que os fadistas mais jovens e a fusão do fado com outros géneros musicais dão para atrair novos públicos e sobre como o fado é o poema que dele fazemos. A fadista garante, ainda, que há tantos portugueses como estrangeiros a frequentar casas de fado e que Amália Rodrigues continua a ser a referência nos pedidos do público.
Agência de Informação Norte – Tenho na minha frente alguém que assinalou, em janeiro passado, 30 anos de carreira. Mais de 10 como fadista profissional, e os restantes em que cantou como amadora. A data foi assinalada com um espetáculo no Tivoli, em Lisboa. Tratou-se de uma autobiografia cantada, desde que pisou os primeiros palcos, numa viagem musical até aos dias de hoje. Posso concluir que foi o espetáculo da sua vida?
Sandra Correia – Celebrei em 2019, 30 anos de carreira. Como profissional. Na verdade nunca cantei como amadora. Essa data foi celebrada no concerto do Tivoli, e o concerto foi exibido na RTP 1 há uns meses. Todos os espetáculos são os espetáculos da minha vida Não há nenhum igual.
Em que altura é que se descobre, enquanto fadista profissional?
Desde o primeiro espetáculo. Canto desde pequenina, mas, assim que pisei o primeiro palco, já cantei como profissional.
Nunca escondeu que o fado sempre foi a sua paixão e que, aos três anos de idade, ouvia os discos de Amália Rodrigues. O que mudou em si desde o seu primeiro álbum?
O meu primeiro álbum é o “Sandra Correia ao Vivo”, de 2012. Mudamos constantemente, em virtude das nossas experiências de vida. Dessa altura até agora, muito mudou, claro. Mudei-me para Lisboa, primeiro sozinha, depois com a família, vivi intensamente Alfama e fiz parte do elenco duma casa de fado que é referência no Mundo. Conheci, cantei e privei com os maiores talentos do fado, novos e antigos. Enfim, aprendi muita coisa com todos, evoluí, cresci.
Seguiu-se “Perspectiva”, um disco com 16 temas, e com apenas 3 recriações….
Sete temas originais, sete tradicionais, com poema original, dois covers.
“Aqui Existo” é o terceiro e o seu mais recente álbum. Um disco de originais, composto por fados inéditos, de estrutura tradicional, e composto por temas acompanhados por um trio de fado. Temos neste disco uma Sandra Correia com a certeza daquilo que quer cantar?
O “Aqui Existo” conta com a participação também de alguns membros da Orquestra Metropolitana (MixEnsemble), com o acordeão do João Frade e a percussão do Vicky Marques, para além dos brilhantes Ângelo Freire e Mário Pacheco na guitarra portuguesa em dois temas incluindo o próprio Aqui Existo. Pedro Soares na viola e em dois temas o Carlos Leitão. No no baixo o Marino de Freitas. O disco tem produção de Valter Rolo e direcção e arranjo de cordas de Lino Guerreiro.
Este álbum foi nomeado um dos quatro melhores álbuns de todo o mundo, nos Independent Music Awards, em Nova Iorque, avaliado (por interpretação, arranjos musicais e poemas), por gente como Gloria Gaynor, Tom Waits, Robert Smith, Nora Jones,… Eu sempre tive a certeza daquilo que quero cantar!
Mas, aqui, temos uma forte aposta nos fados originais…
Já no “Perspectiva” havia… Entendo que não faz grande sentido gravar álbuns de covers, a não ser que seja um álbum propositadamente de covers, de grandes temas do Mundo. E hei de fazer um, de grandes músicas da minha vida… mas será assumidamente um álbum de covers.
“O fado não é triste nem alegre”
Há diferenças no fado que se fazia, por exemplo, há 30 anos, para o fado de hoje?
Sim. Os poemas há 30 anos eram essencialmente de poetas populares, com versos simples, à exceção da Amália, que já cantava os poetas mais eruditos.
Hoje, os poemas são mais criteriosos, com palavras mais elaboradas, e escrevem para o fado grandes poetas populares, e não só do nosso país.
Há quem continue a afirmar que o fado é triste. Mas aquilo que verificamos é que há fado corrido, dançado…
O fado não é triste. Nem triste nem alegre. É o que os poemas ditarem, para cada fado. Fala essencialmente da vida. E, na vida, há momentos tristes, alegres…
Com a morte de Amália, verificou-se o aparecimento de uma nova geração de fadistas. Considera que as novas sonoridades podem contribuir para que o fado perca as suas verdadeiras raízes?
Não são novas sonoridades no fado. São outros géneros de música, eventualmente de fusão. Mas o fado tem as suas raízes. E já muitos fadistas, com fantásticas carreiras, reconhecidos, gravaram discos com orquestras, com percussão, com fusões, não deixando de gravar e cantar fado tradicional também. Essas sonoridades, falando, por exemplo, de Ana Moura nos mais recentes trabalhos, são importantes, porque abrangem novos públicos.
O facto de haver essa nova geração de fadistas, o facto de haver cada vez mais gente jovem a cantar fado, no seu entendimento, a que se deve?
Há, e sempre houve, fadistas jovens a cantar fado. Recentemente, fui madrinha de um festival de fado jovem (em Nariz, Aveiro), e aquilo era talento por todo o lado, dos 12 aos 19 anos! É a canção nacional! Todos os miúdos reparam no fado, uns apaixonam-se, e a outros passa-lhes ao lado.
O que é que esta nova geração de fadistas acrescenta ao fado?
Tudo. É o seguimento duma tradição, envolvendo a nossa língua, os nossos instrumentos, as nossas técnicas, especialmente da guitarra portuguesa.
Ao contrário do que se possa pensar, há vários lugares para se ouvir fado no Porto. É dona de um desses espaços. “O Fado Português”, em Gaia. Como é gerir a direção artística deste espaço?
É muito interessante. Temos um elenco diário fantástico, e sempre um ou outro convidado que vai fazendo aumentar o rol de artistas que colaboram connosco, e, dessa forma, vão alargando o nosso elenco. Uma coisa é certa: são sempre noites extraordinárias e inesquecíveis.
Encara este espaço como um desafio ou como algo que enriquece a sua carreira?
Encaro como a continuação da minha carreira, sempre presente e em construção, sendo também um desafio. Aparecem sempre miúdos que se apaixonaram por isto e querem participar e trazem instrumentos, querem tocar, querem cantar, apaixonam-se pela poesia, querem compor, querem escrever… Isso é tudo muito positivo e é o que mais prazer nos dá.
São mais os portugueses ou os estrangeiros que estão interessados nas casas de fado?
Penso que ela por ela, em termos de presença de público. Está muito equilibrado.
Na sua casa de fados, além dos clientes, os silêncios e a emoção do fado são obrigatórios?
Claro. O silêncio é fundamental, seja onde for que haja fado. E o sentimento é o que se pretende transmitir e, quando se consegue, acontece Fado!
“As casas de fado são todas diferentes porque se trata de alma”
Os fados são apresentados entre os jantares, é isso?
Ao longo da noite há vários momentos, entre os diferentes pratos e depois mais à noite, já de forma mais relaxada e informal, após o jantar, tudo pode acontecer, é sempre uma surpresa…
Mas a casa está aberta também para quem quer só ouvir cantar o fado?
Podem apenas vir tomar um copo, após as 22h30, sendo que a entrada é de 10 euros por pessoa. E, após as 23 horas, qualquer um pode trazer o seu instrumento, seja ele qual for, e tocar, ou cantar. Esse é o espírito da casa.
Há diferença entre uma casa de fados no Porto e, por exemplo, uma em Alfama?
As casas de fado são todas diferentes porque se trata de alma, de música de alma, e cada um tem a sua, e as próprias casas. Cada uma tem a sua e a sua identidade própria, e todas iguais (porque é de fado que se trata, e a linguagem é a mesma).
Na sua opinião, as pessoas sabem aquilo que querem ouvir ou ficam divididas entre o fado tradicional ou coisas novas?
“Quem vai ao fado, meu amor, quem vai ao fado, leva no peito algo de estranho a latejar…” As pessoas, no seu geral, sabem bem o que querem ouvir. E especialmente sentir! A Amália continua a bater o recorde nos pedidos…
Voltamos à sua infância. Natural de Santa Maria da Feira, uma cidade do distrito de Aveiro. Como é que surge a oportunidade de cantar com guitarras pela primeira vez?
Já tinha uns 18 anos, foi em Milheirós de Poiares, uma freguesia desse concelho, numa noite de fado que lá aconteceu. Tenho muito presente esse dia ainda.
Amália Rodrigues e Beatriz da Conceição duas vozes inspiradoras?
Claro que sim. Das mais inspiradoras, sendo que sem Amália, provavelmente, não estaríamos aqui a falar sequer, porque foi ao ouvir Amália, em criança, que percebi o que o fado provocava em mim, tamanha emoção. A Beatriz da Conceição foi, e é, muito marcante na minha vida, completamente inspiradora.
Canta pela primeira vez numa casa de fados no Porto, em 2007. Em 2009, decide que quer ser fadista profissional. Faz temporadas em casas de fado em Londres e em Barcelona. Questionou-se se seria possível viver do fado?
Já tinha cantado em casas de fados antes disso, e sempre como profissional. Não me questionei. Fiz, sem qualquer dúvida.
O que é ser fadista nos dias de hoje?
É uma grande responsabilidade. Para se fazerem as coisas bem, envolve muito trabalho e dedicação, porque é como representar um povo inteiro, os poetas e compositores.
Considera que os fadistas são herdeiros de uma tradição cantada e que isso poderá ser uma herança pesada?
Não é uma herança pesada, é uma herança bonita e de responsabilidade.
O que é que a carreira de fadista lhe ensinou ao longo destes anos?
Que temos de ser dedicados, de ter uma postura, com respeito a tudo o que envolve o fado.
Para quando um novo disco? Será de originais?
Muito breve, e de originais, sim.
Sem dúvida alguma uma das vozes mais bonitas que o FADO tem.Grande Fadista Grande Intérprete Grande Mulher!
Muita Coragem para lever a Bom Porto seu lindo SONHO!
Alice Mota
Não a conhecia. Soube do seu nome nesta entrevista.
Fui ouvir e estou rendido. Maravilhosa, envolvente e apaixonante. Se não for num palco…vou à sua casa de fados. Encantado.
Pedro Lopes, Leiria
A Sandra é maravilhosa. Ao ler a entrevista confirmo a ideia que tinha dela. Felizmente que a posso ver também na Praça da Alegria. Que bom…
Uma das vozes mais imponentes do fado. Já a conheço das casas de fado de Lisboa. Muito sucesso. Aguardo por si em Cafede, Castelo Branco.
Grande Amiga, Grande Colega, Grande voz tive o gosto de com ela fazermos parte de uma Grande Casa que foi ” Janelas do Fado ” em Matosinhos partilhando Grandes Noites.
Continuando a partilhar Grandes Noites na sua Casa ” Fado Português ”
Obrigado pela amizade contínua.
Parabéns Sandra!
Jorge César.
Uma voz grande do Fado. Conheci a Sandra a cantar numa casa de fado onde estava também o Hélder Moutinho. Um vozeirão. Arrepia. Aquilo que mais gostei foi da sua simplicidade. Um encanto de menina. Um beijo diretamente de Setúbal.
A Sandra Correia é uma enorme fadista senhora de uma voz e estilo únicos, merecia ser muito mais reconhecida pelos média, pois é desde há muito uma enorme mais valia da nossa mais tradicional musica popular. Tive o prazer de a conhecer quando a levei a cantar no meu restaurante português em Barcelona, desde esse tempo que ficámos com uma forte relação de simpatia e respeito. Bravo Sandra venham muitos mais êxitos na sua carreira. Beijinhos do José e da Luísa