Opinião

Inteligência Artificial: revolucionar a Medicina tal como a conhecemos hoje

A Inteligência Artificial (IA) e a Medicina são duas áreas com grande potencial de complementaridade, e desde as décadas de 60 e 70, têm sido sucessivamente introduzidas novas soluções de IA à prática da Medicina, desde os algoritmos de resolução de problemas mais rudimentares aos modelos mais recentes de deep-learning.

De todas as áreas da Medicina, a Radiologia distingue-se particularmente pela sua componente tecnológica e digital e por uma capacidade de evolução computacional rápida, características que a tornam numa área da Medicina particularmente suscetível à introdução de soluções de IA. E, de facto, atualmente a IA é já uma realidade integrada na rotina clínica da Radiologia, o que permite uma atividade mais diferenciada e com benefícios em vários níveis de atuação nos cuidados de saúde prestados.

Dentro da Radiologia, uma das áreas onde a IA tem vindo a ganhar protagonismo é a Radiologia Torácica. Este aspeto relaciona-se, por um lado, com as características inerentes dos pulmões, que são órgãos que estão habitualmente preenchidos por ar, o que lhes confere caracteristicamente baixa densidade, e por outro lado, com o facto de o princípio físico da Tomografia Computorizada (TC) ser a interpretação de imagens com base na análise da densidade das estruturas orgânicas visualizadas.

As alterações pulmonares de maior suspeição, como por exemplo determinados nódulos pulmonares, têm habitualmente componentes com densidade sólida, o que representa uma diferença de densidade. É este diferencial de densidade que otimiza a capacidade de a IA detetar os nódulos pulmonares.

Como ferramenta de apoio ao diagnóstico, salienta-se, para além da possibilidade da deteção dos nódulos pulmonares, a medição dos mesmos, através da indicação de diâmetros e do volume para cada nódulo detetado, bem como o seu tempo de duplicação de volume- que são parâmetros determinantes para a decisão clínica.

O tempo de duplicação de volume de um nódulo é um marcador extremamente sensível para detetar o crescimento rápido de um nódulo em exames consecutivos, fator que acresce suspeição para uma natureza maligna do nódulo, sendo uma mais-valia para a interpretação destes exames. Porém, na rotina clínica, a medição do volume de um nódulo pulmonar é uma tarefa laboriosa e consumidora de tempo, sendo que a obtenção do tempo de duplicação de volume de um nódulo implica a medição de três eixos de cada nódulo em estudo, em pelo menos dois exames. É aqui que a IA presta um grande contributo no fluxo de trabalho do radiologista, ao fornecer prontamente medidas de volume dos nódulos. As soluções de IA mais avançadas estão programadas para identificarem o mesmo nódulo em dois exames de datas diferentes, calcular o volume do mesmo nódulo em cada exame, calcular o tempo de duplicação do volume do nódulo (em dias) e disponibilizar automaticamente este resultado. Particularmente no contexto de um programa de rastreio de cancro de pulmão, o ganho de tempo que se consegue na interpretação deste tipo de exame é potencialmente indispensável, tendo em conta a escassez de radiologistas e a premência da necessidade de implementar este rastreio na população.

Atualmente, e como já ilustrado, a IA é um contributo importante para a melhoria da decisão clínica e viabilidade de um programa de implementação de rastreio de cancro do pulmão, sendo consensualmente recomendada para este efeito.

Alguns aspetos devem ser, contudo, ressalvados.

A IA não é perfeita e ocorrem falsos positivos e falsos negativos na análise dos exames, incluindo erros de medição dos nódulos, não estando a IA aprovada como sistema independente de leitura de exames. Os exames devem ser obrigatoriamente validados pelo radiologista, que realiza a leitura integral do exame, validando ou não os achados e as medições obtidas pela IA, cujo papel deve ser o de uma ferramenta de leitura concorrente ou secundária, de apoio à rotina clínica.

Outros cuidados a ter na utilização da IA são a seleção criteriosa das soluções, não só da perspetiva clínica, mas também da perspetiva legal, garantindo que todas as exigências legais e de regulamentação, incluindo a proteção de dados, são cumpridas.

Para além de a IA ser atualmente uma mais-valia na prática clínica diária, espera-se, num futuro próximo, que contribua para desenvolvimentos promissores na área da Medicina de Precisão, o próximo grande passo que se antevê revolucionar a Medicina tal como a conhecemos hoje.

Artigo de opinião de Rosana Santos, Subdiretora Clínica Nacional Affidea Portugal

Foto: DR

Tags
Show More

Related Articles

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Close