Entrevistas

Isabel Lage: A saúde mental tem impacto na qualidade de vida e no funcionamento da pessoa

As exigências das sociedades modernas, as dificuldades financeiras e os obstáculos das relações humanas estão a contribuir para um cada vez maior número de pessoas com problemas de saúde mental. Isabel Lage, Psicóloga Clínica e Educacional, Membro da Direção Nacional da Ordem dos Psicólogos Portugueses, explicou à Agência de Informação Norte a importância de todos ao nosso redor estarmos atentos a sinais de alerta como alteração de rotinas e de comportamentos das pessoas, mudanças bruscas de humor, depressão e ansiedade. E sublinha que, quando isto ocorre, causando perturbações e comprometendo as relações pessoais ou laborais, está na altura de procurar ajuda de um psicólogo.

Agência de Informação Norte – A saúde mental é cada vez mais um tema presente e parece que ainda há um longo caminho a percorrer, principalmente quando se verifica um certo estigma em recorrer a esta especialidade. Estima-se que quase um quinto da população portuguesa sofra de uma doença mental. A depressão e a ansiedade continuam a ser desprezadas?
Isabel Lage – Progressivamente, percebemos sinais que indicam uma maior atenção e cuidado a quadros de ansiedade e depressão em qualquer idade e ao impacto que pode ter na qualidade de vida e no funcionamento de cada pessoa. Para isso, muito tem contribuído, por um lado, uma maior divulgação do conhecimento científico que já existe (e sempre existiu) – aquilo a que chamamos literacia psicológica ou de saúde mental – e, por outro, uma maior recetividade das pessoas em olharem para a sua saúde como um todo e na valorização da qualidade de vida cada vez mais focada no bem-estar psicológico e não apenas nas dimensões mais materiais.

Assim sendo, quando é a altura certa para se consultar um psicólogo?
A altura certa (se há uma altura certa), será quando essa qualidade de vida ou bem-estar estão comprometidos há tempo suficiente, resultando em dificuldades nas tarefas da vida: no trabalho, nas relações, no prazer da rotina dos dias. Quando os recursos que temos disponíveis (quer dentro de nós, quer à nossa volta) não são suficientes para diminuir essas dificuldades. Não precisamos, por isso, de chegar ao ponto em que estamos mesmo doentes.

Ainda se verifica uma certa resistência por parte da população em frequentar o psicólogo. Que explicação encontra?
Creio que podem ser várias as explicações. Pode ainda haver algum desconhecimento, e por isso, algum receio ou ceticismo em relação ao trabalho que um/a psicólogo/a pode fazer. Eu já ouvi algumas pessoas chegarem ao consultório e, na primeira consulta, dizerem “Eu vim, mas nem sei como me pode ajudar”. Pode também ser percebida uma dificuldade de acesso. “Vou onde?” ou “que profissional escolho?”. Como muitas vezes associamos a ida a um/a psicólogo/a como uma relação longa, receamos iniciar essa relação com uma pessoa que nos é desconhecida. Por outro lado, a não existência (ou quase inexistência) de psicólogo/as nos cuidados de saúde, pode também ser um motivo. De certa forma, quando esta área da saúde não aparece como disponível, como acontece com muitas outras, estamos de certa forma a passar a ideia que não é assim tão importante. O que nos leva ao último motivo: o preço. Com a falta de psicólogo/as no SNS, as pessoas têm de recorrer a serviços privados que são, naturalmente, mais caros e não acessíveis a todas as pessoas ou famílias.

“Os médicos de família podem ser fundamentais em identificar os sinais de alteração na saúde”

O desemprego, a fome, a pandemia as dependências, a falta de comunicação… O que foi feito, a nível governamental, na área da Psicologia,  para acompanhar estas situações?
Nas últimas décadas, e à medida que o nosso país se reestruturava economicamente, as dimensões que refere foram sendo alvo de diferentes estratégias, umas mais focadas na remediação do que gostaríamos. Nos últimos anos, percebemos uma maior preocupação com medidas mais focadas na prevenção. A colocação de psicólogo/as nas escolas, é um exemplo. Ou até mesmo o reconhecimento da necessidade de uma Ordem dos Psicólogos que regulasse o exercício da profissão e que valorizasse o trabalho que esses profissionais podem realizar nessas áreas da vida dos portugueses. Estamos muito pouco desenvolvidos nestas áreas, e por isso qualquer avanço parece simultaneamente muito e muito pouco.

Os médicos de família têm um papel fundamental no reencaminhamento, mesmo antes de ser recomendada medicação?
Os médicos de família, como profissionais de proximidade e de continuidade na vida das pessoas, podem ser fundamentais em identificar os sinais de alteração na sua saúde, em qualquer das dimensões. Podem, por isso, referenciar de forma mais informada. A dificuldade nesse processo aparece logo quando percebem que não podem referenciar dentro do próprio SNS pois, ou não existem esses profissionais, ou a lista de espera é extensíssima.

Há quem espere meses por uma consulta de Psicologia nos hospitais. Defende que as mesmas deveriam ser gratuitas a quem não as pode pagar?
Está inscrito na Constituição o direito à saúde através de Serviço Nacional de Saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito.

O trabalho do psicólogo completa-se grande parte das vezes com o da psiquiatria?
Todas as dimensões da saúde se complementam e completam. Ainda que as diferentes especialidades funcionem muitas vezes de forma separada, nas pessoas, a saúde é uma só.

“Os primeiros sinais de alerta a considerar devem ser as alterações no comportamento e ou rotinas das pessoas”

Falar deste assunto é sempre delicado e até complexo. Os sinais de ansiedade podem ser um dos primeiros alertas?
Os primeiros sinais de alerta a considerar devem ser as alterações no comportamento e/ou rotinas das pessoas. Antes, era mais ativo/a e envolvido/a nas suas tarefas e agora parece estar mais isolado/a ou irritável. Antes, parecia calmo/a e capaz de reagir às adversidades e agora mostra mais tristeza, choro fácil e um discurso negativo. A ansiedade também pode ser um sinal, sobretudo, se é uma constante e se cria alterações nos padrões de sono ou de alimentação. De qualquer forma, estas observações devem ser tomadas sem entrar em alarme e procurar ouvir o que as pessoas nos têm a dizer.

Trata-se de um fenómeno difícil de antecipar que o suicídio vai acontecer ou há sinais que alertam para isso como afirmações “Um dia destes mato-me”?
Temos as duas situações. Pessoas que afirmam isso e que não o farão e pessoas que o fizeram e nunca ninguém as ouviu dizer isso. A proximidade e atenção ao comportamento e estado de humor das pessoas que nos rodeiam é sempre uma boa forma de identificar de forma mais adequada esses sinais de alerta.

A internet é um instrumento muito importante e diferenciador, no sentido de alertar para a importância destas consultas? Como é que a sua comunidade online olha para a promoção da terapia através das plataformas e das redes sociais?
Durante a período da pandemia, foram generalizados os contatos através de plataformas digitais, quer sejam as conversas pessoais, reuniões ou até consultas médicas ou de Psicologia. Houve uma necessidade que teve que ser satisfeita e que só foi possível utilizando essas plataformas. Com essa experiência, as pessoas e também os profissionais perceberam as suas vantagens – ultrapassar a distância ou a falta de tempo para deslocações – e foram contornando as suas desvantagens – a falta de proximidade, por exemplo. Neste momento, estamos todos muito mais confortáveis com a utilização destes recursos.

Quais são as principais estratégias utilizadas para promover no online os serviços de Psicologia?
Não tenho informação suficiente para responder a esta questão.

As consultas presenciais são sempre mais benéficas?
Como resultado do período da pandemia, alguma da investigação realizada parece apontar para uma eficácia semelhante, apesar de se manter a ideia de que uma relação face a face é preferida por ambos: o profissional e a pessoa que procura ajuda. Na minha prática clínica, mantenho alguns processos terapêuticos em formato online, quer porque as pessoas estão distantes (outras cidades ou países) ou porque, naquele dia, estão em teletrabalho e preferem fazer a sessão de casa. Não noto diferenças, na relação terapêutica ou nos progressos que podemos fazer pelo facto de ser à distância.

Como lida quando há dificuldade na conexão emocional durante as sessões?
Essa dificuldade pode aparecer, quer nas sessões online, quer nas que são realizadas presencialmente. Trazer essa perceção para o processo terapêutico é uma das possibilidades.

Quais são as principais preocupações que os clientes podem ter ao procurar ajuda psicológica?
A preocupação é sempre a mesma: as pessoas não se sentem bem. Os episódios, as situações ou os sinais específicos é que podem ser os mais diversos. Procuram ajuda porque não querem continuar a sofrer e percebem que aquele/a psicólogo/a as pode ajudar a eliminar ou diminuir esse sofrimento e a recuperar o seu bem-estar.

Foto: DR

 

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