Entrevistas

Padre Ricardo Esteves: “Não é Deus que leva ninguém. Deus, simplesmente acolhe!”

A morte como etapa da vida e não como o fim de tudo. É a premissa do livro “Viver a Vida na Hora da Morte”, que nos desafia a olhar para as várias situações de morte com que nos deparamos, ao longo da vida, antes da morte física, e a percecionar a morte como um deixar de estar e não como um deixar de existir. O autor do livro, cujas receitas de venda revertem para causas sociais, é Ricardo Esteves, padre em cinco paróquias de Valença. Conhecido como padre “radical”, que gosta de ir ao ginásio, de andar de moto e de conviver, diz que é uma pessoa normal.

Agência de Informação NorteÉ sacerdote em cinco paróquias de Valença. Acaba de editar o seu segundo livro “Viver a Vida na Hora da Morte”. Qual é a grande mensagem deste livro?
Padre Ricardo Esteves – A grande mensagem deste livro “Viver a Vida na Hora da Morte” é levar as pessoas a não verem a morte como se fosse um “bicho papão” ou o encerrar de tudo. Este livro pretende apresentar as várias situações de morte que enfrentamos ao longo da vida, antes da morte física. Falo da morte da falta de autoestima, do divórcio, da doença, da perda da pessoa/as que se ama, até ao derradeiro dia da nossa partida para Deus. A morte, na minha opinião e que tento manifestar neste livro, é um deixar de estar e não um deixar de existir. Até porque o homem e a mulher só valorizam a vida porque a morte existe. É, sobretudo, nos momentos menos bons da vida que passamos a amar mais o tempo e a vida que temos. Além da parte religiosa, temos ainda médicos do IPO que abordam a parte mais científica da morte, passando também pelos cuidados paliativos e por testemunhos de vida.

 É um livro para todos ou para um leitor específico?
 Este livro não é para um leitor específico, é para todas as pessoas que sintam curiosidade pelo tema e o desejam abordar. É um livro com rigor, mas com uma linguagem simples e percetível.

Que tipo de ajuda pode um padre oferecer a um pai ou uma mãe que perdeu um filho?
Seja padre ou não, toda a pessoa é chamada a viver este ato social: a morte, o funeral, o luto. Deste modo, este livro tem a pretensão de ajudar todo o possível leitor a saber oferecer ajuda e, às vezes, até a saber dar silêncio, mostrando apenas a presença sincera que vale mais do que mil palavras.

Mas é um livro que pretende dar respostas perante o sentimento de perda?
Este livro não tem como objetivo primeiro dar respostas taxativas para as perdas que a vida acarreta consigo. Este livro prefere elucidar a morte na vida, fazendo perceber que a morte não é um fim, mas uma etapa da vida.

Os pais que perderam um filho encontram respostas para a perda, neste livro?
 Uma coisa posso afirmar: não é Deus que leva ninguém. Deus, simplesmente acolhe! A vida e as suas vicissitudes finitas é que nos levam.

Decidiu que os lucros da venda do livro revertem na totalidade para causas sociais. De que forma vai ser feita esta gestão?
Este livro reverte para causas sociais nas minhas paróquias e para outras situações de carência de maior relevo. A gestão é feita pelo meu conhecimento próprio e por pessoas idóneas para o mesmo fim.

Um padre tanto está a casar ou a batizar, como, no mesmo dia, poderá estar a fazer funerais. Como se lida com estas emoções?
Um padre pode realizar muitas coisas, mas acima de tudo é homem. Nem sempre é fácil lidar com as emoções, também temos coração, proximidade com as pessoas, mas a visão das coisas, por vezes, é diferente devido à formação, vivências, fé e razão.

Ser padre, no seu caso, foi por vocação? Ou chegou a ter incertezas quanto a este caminho?
Sou padre por vocação e amo o que faço! Quanto às incertezas, são constantes, como em qualquer outro trabalho, relação, vocação. As incertezas fazem parte do caminho. Devíamos não deixar que qualquer incerteza nos afaste de forma fácil.

É da opinião que a paróquia faz o padre e o padre faz a paróquia?
Sim, em parte, sim. Mas há exceções à regra.

 “Nunca fui a pé a Fátima. Mas admiro e respeito muito quem faz esta caminhada”

 

É um adepto das redes sociais. Esta é também uma forma de se aproximar dos paroquianos e resolver questões?
As redes sociais são positivamente perigosas. Quando bem usadas, produzem fruto e proximidade. Caso contrário, não!

Ainda deixa diariamente mensagens de diversos assuntos nas suas redes sociais?
Coloco, todos os dias, reflexões que considero úteis para uma melhor conceção e vivência da vida. São apenas visões minhas da vida e não regras ou doutrinas.

Qual foi a pergunta mais difícil que teve que responder?
Por mais fácil que pareça para um padre, foi: onde está Deus? Seria, talvez, uma resposta fácil a ser dada a um crente. Para alguém que não tem fé, não é fácil. Fez-me lembrar uma história de um homem rico que se aproximou de um mendigo e lhe disse: dou-te 5€, se me mostrares que Deus existe. E o mendigo respondeu: eu dou-te 10€, se me mostrares que Deus não existe.

Já foi a Fátima a pé? Deus quer esse sacrifício?
Nunca fui a pé a Fátima. Mas admiro e respeito muito quem faz esta caminhada, movido pelas dores e graças da vida. É, para muitos, uma peregrinação de fé. Deus não quer sacrifícios. O maior sacrifício é ser misericordioso perante as injustiças da vida e a falta de amor das pessoas. Prefiro a misericórdia do que sacrifícios. Mas, os sacrifícios também são atendidos por Deus como preces, se quem os oferece estiver em comunhão de vida consigo mesmo e com Deus.

 Durante muitos anos, os padres eram vistos como autoridade, passando a ser apenas os donos da paróquia. Um padre é cada vez mais uma figura moral e espiritual do que cívica. É isso?
Um padre pode ser tudo e nada, como qualquer outra pessoa. O que faz a pessoa ou o padre é o carácter e o exemplo de vida.

 O Papa Francisco, no seu entender, trouxe mais transparência à Igreja?
O Papa Francisco opta por uma teologia/doutrina de libertação, por uma Igreja de todos, que acolhe todos, para todos!

Como é que um padre lida com as tentações?
Um padre não está imune às tentações. Até porque vejo as tentações como um caminho de crescimento.

Alguma vez pensou em desistir do sacerdócio?
Já pensei muitas vezes. Não é desistir, mas deixar. Não sou de desistir de nada e, se o faço, é porque deixou de fazer sentido na minha vida.

 Já se apaixonou por alguém?
 Sim, já me apaixonei por pessoas, por ideias, por sítios.

“Sou contra o aborto!”

O que é que esta vida dedicada à Igreja lhe tem ensinado?
A Igreja tem-me ensinado a amar a vida e, nessa vida, ser feliz e fazer com que os outros também o sejam. Porque, para mim, o maior pecado é chegar ao fim da vida e confessar: não fui feliz!

Já deu, certamente, comunhão a divorciados. Mas a Igreja diz que os divorciados não devem comungar. Como faz a leitura desta situação?
Os divorciados podem comungar e participar ativamente em tudo na Igreja. O que a Igreja diz é que os que mantêm uma segunda relação, tal como os que estão em união de facto, devem evitar.

 Acredita na vida eterna?
A vida eterna é a causa da minha fé e da minha vocação.

Qual a sua opinião sobre a cremação?
É um ato legal e aprovado pela Igreja.

 E sobre o aborto?
Sou contra o aborto! Aliás, sou contra tudo o que atenta contra todo o tipo de vida.

Em relação à hierarquia, o que é que o bispo e os outros padres dizem de ser um padre todo “radical”, que gosta de ir ao ginásio, conviver e andar de moto?
Não sei o que dizem. Sou “normal” e há tantos como eu, apenas com carismas diferentes. Até porque o que dizem de mim não me faz deixar de ser o que sou. Mas o que dizem de mim pode mudar a ideia que tenho de quem fala.

Como é, afinal, o seu dia-a-dia?
O meu dia começa com o acordar às 5h30 da manhã, faço a oração da manhã até às 6 horas. Tomo o pequeno-almoço e vou fazer um treino até às 7h30. Às 8 horas, inicio o meu trabalho no meio do povo.

O que dizem os residentes de Tangil, em Monção, do padre filho da terra?
Amo muito a minha terra! E serei sempre um filho de Tangil-Monção, até que a morte nos una!

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