Sociedade

Leonor Braz: Relatos da vida comum são êxito e terapia, nas redes sociais

É conhecida por "Avó Tuga". Tem cerca de duzentos mil fãs na rede social TikTok e diverte-se a divertir os outros. Leonor Braz, 58 anos, natural de Canelas, em Vila Nova de Gaia, é uma espécie de psicóloga virtual dos seguidores que vivem mais isolados, sem família ou com problemas de saúde. É um fenómeno naquela plataforma, mas diz que usa as redes sociais para fazer serviço público e não como um investimento.

Gosta de usar palavrões “típicos à moda do Porto”, mas também grava vídeos sem recorrer a eles. “As pessoas é que fazem questão e pedem para eu os dizer”, afirma Leonor Braz, de 58 anos. Assegura que os palavrões que diz “são de carinho e não para ofender alguém”. Assume-se como “uma pessoa do povo e nós, no Norte, temos esta marca linguística”, de tal forma que, quando os vídeos que grava não têm um palavrão, “as pessoas reclamam logo”.

Começou a fazer pequenos vídeos em família, durante a pandemia, em Canelas, Vila Nova de Gaia, onde reside. “A minha nora achou piada e questionou por que razão eu não partilhava a minha alegria com as outras pessoas”. Nessa altura, não valorizou, porque “nunca fui de me expor desta forma”, ressalva. Mas, passados alguns dias, fez “um vídeo com uma música do Carlão, o Assobia para o lado, e foi o primeiro a entrar no Tik Tok”. As reações foram “muito poucas”, mas dois meses depois fez “outro vídeo de um piquenique em família, o número de visualizações disparou” e até foi “convidada para participar em vários programas de televisão”.

As rotinas corriqueiras de uma mulher de 58 anos com dois empregos (de manhã, trabalha em artesanato e à tarde faz limpezas), as dinâmicas familiares e as receitas culinárias são terreno fértil para as gravações que partilha diariamente com os seguidores. Manhã cedo, trata dos animais, leva os netos à escola, depois trabalha em artesanato até à uma da tarde, faz as limpezas à tarde e, à noite, grava diretos e vídeos, “mesmo que esteja cansada”. Admite que não consegue deitar-se sem falar com os admiradores e que arranja “sempre assunto e tema de conversa, seja o aumento dos preços, o muito trabalho ou as dores das costas” que a apoquentam. No fundo, “tudo serve para eu me rir e brincar”, graceja. E não tem pudores em assumir que é “uma espécie de criança feliz nas redes sociais”. Garante que tudo o que faz “é natural, genuíno e as pessoas apercebem-se disso. Entro para uma piscina, corro, brinco com os meus netos como se tivesse a idade deles. Não há dinheiro que pague esta felicidade”, afiança.

“Este é o meu tempo”

Chamam-lhe a “Avó Tuga”. Uma alcunha criada pelos seguidores, que a deixa “muito feliz, pois é uma forma carinhosa de dizer que gostam de mim e a prova disso é o carinho que recebo em todo o lado por onde passo”. E esse carinho que recebe do público e a felicidade que sente com as brincadeiras que publica no Tik Tok chegam-lhe, nunca tendo sido sua intenção faturar com as redes sociais. “Sei que se pode ganhar dinheiro, mas não quero. Acho que não seria eu. Este é o meu tempo. Aquele que necessito para mim sem ganhar dinheiro. Se o fizesse, deixava de ser o meu espaço, passava a ser um negócio e eu não quero”, explica Leonor Braz.

Ocupa-se com o duplo emprego do artesanato e das limpezas porque tem de “pagar as contas da casa” e não teve uma vida fácil. Mãe de um filho de 42 anos e de uma filha de 39, deu à luz, pela primeira vez, ainda adolescente, aos 15 anos, e foi “muito criticada por isso”. Admite que não teve oportunidade de viver a infância. “Aos 11 anos, levantava-me às 4 da manhã para trabalhar. Não fui criança. Mas agradeço que a vida que tive não tenha feito de mim uma pessoa má e revoltada”. Assegura que a infância não lhe permitiu ter muitos sonhos e muito menos ambições. “A minha vida era trabalho, trabalho e trabalho”. Até diz que pensou ter sido motorista de camião e ri-se ao lembrar-se disso. “Adoro andar de moto. Sempre fui muito radical”, garante, acrescentando que “também podia ter sido florista, porque tenho sempre a minha casa a parecer um jardim”. Hoje, tem o sonho de “ir ao Brasil”.

Por tudo o que já viveu, por tudo o que faz, por tudo o que partilha no mundo virtual, por muito que as dores de costas que sente a condicionem, opta por “estar sempre alegre e de bem com a vida” e é isso que tenta passar às pessoas que a seguem. Os seguidores reconhecem esta mulher como “uma força da natureza“. E quando, por qualquer razão, não aparece no Tik Tok, “milhares de pessoas questionam o que se passa comigo, sentem a minha falta”. Diz que são “pessoas doentes e sozinhas que precisam de sorrir” e de a ver. E que é “uma espécie de psicóloga com essas pessoas”. Sente-se “grata por tudo isso” e garante que aprende “muito com estes pequenos gestos de carinho”.

Feliz “por receber reações de felicidade das pessoas”, Leonor Braz sente que consegue fazer alguma diferença na vida dos outros por ser “a inspiração e a força de algumas dessas pessoas”. Afirma que já conseguiu que “pessoas fossem para centros de recuperação para se tratarem”, o que é “muito gratificante”. Se não fosse por tudo isto, possivelmente, “já teria desistido da realização dos vídeos”. Mas persiste porque “nem que seja uma pessoa que possa ajudar e que me diga que a fiz sorrir, secarei as lágrimas e continuarei”. Afirma que as suas lágrimas “também são muitas” e que não as consegue esconder, quando se depara “com tantos problemas de tantas pessoas” e que  “há pessoas com vidas muito duras”, mas sabe que não pode “abraçar todo o mundo”.

Com a mesma sensibilidade com que se comove, expressa a mesma serenidade ao “aceitar todos os comentários” que lhe fazem, “mesmo os negativos, desde que não sejam ofensivos”. Reconhece que, a partir do momento em que se expõe publicamente, “as pessoas têm direito à sua opinião”.

Todas as experiências e vivências que Leonor Braz tem acumulado estão “registadas em rascunhos de papel” que faz questão de guardar. Um dos seus patrões até lhe diz que ela é “ensinamento para muitas mulheres” e já a desafiou a “lançar um livro“. Para já, não pensa nisso e prefere partilhar os ensinamentos que a vida lhe deu com os outros através da internet. E não tem dúvidas de que a grande lição que aprendeu ao longo de todos estes anos a fazer vídeos no Tik Tok, no Instagram e no Facebook é que “não vale a pena ter medo da vida e devemos ser felizes, apesar dos problemas, nem que seja por momentos”.

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4 Comments

  1. Uma entrevista que mostra o outro lado de alguém que é muito mais do que uma mulher que faz vídeos. Uma mulher que nunca desistiu de nada. Uma mulher que chora com o problema dos outros. Os palavrões são uma marca. Quem não os diz? Uma entrevista que. Nega e revela o k poucos meios de comunicação revelam. Um bj dona Leonor. Adorei.
    Ana Maria
    Santarém

  2. Uma realidade por vezes esquecida. As redes sociais são importantes em todas as idades. Cada um procura a felicidade da forma que entender, só vê os vídeos quem entender. É fácil criticar e falar daquilo que não se sabe. Não conhecia esta senhora. Depois de ver a reportagem passei a ver a sua alegria. E que alegria tão saudável.
    Ricardo Neto
    Campo Maior

  3. Que linda senhora. O que eu já me ri com as suas brincadeiras. Bem disposta. Isto é serviço publico meus senhores. Para muitos pode ser um trabalho menor. Para mim e para os mais de 200 mil admiradores não. Vivo só, sem ninguém e estou sempre a aguardar um vídeo ou direto desta senhora que alegra todos os dias a minha vida. Nunca deixe de ser assim. Por si. Por nós. Por todos. Já tenho a entrevista guardada. Já a li tantas vezes. Já a partilhei. Beijinho minha querida e obrigada à senhora jornalista que fez a entrevista.

  4. Uma entrevista magnífica que mostra como esta minha querida Leonor é uma grande guerreira. Apesar de todas as dificuldades da vida, que foram imensas e com o seu coração com cicatrizes curadas pelo tempo, tem sempre uma alegria contagiante. Para muitas pessoas é uma luz de positividade e posso dizer que tive o prazer de a conhecer pessoalmente e é uma mulher muito humilde, com um coração puro e com uma enorme simpatia.
    Será sempre a minha querida Leonor e tem sido um gosto acompanha la no tik tok, torna os meus dias menos cinzentos. As características únicas dos seus vídeos fazem nos soltar gargalhadas e animam o nosso dia a dia.
    As suas histórias de vida são uma inspiração e gostava mesmo que uma editora, lançasse um livro sobre essas mesmas histórias, eu com certeza que compraria o seu livro.
    Da minha parte só tenho a agradecer, obrigada querida Leonor por ser uma inspiração, por ser a guerreira que é, a amiga que tem sempre uma palavra de consolo e ajuda obrigada por ser luz onde existe escuridão, obrigada por ser uma companhia, obrigada por esta positividade e alegria e acima de tudo obrigada por ser um pouco de mãe e avó para todos nós.
    Beijinhos enormes com enorme gratidão
    Paula Cavadas

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