Espetáculos Nacionais

Primavera Sound Porto: o palco dos votos para todos os gostos e causas

Em vésperas de eleições europeias, a última noite do Primavera Sound Porto ficou marcada por ativismo político e social. Os The National fizeram campanha por Joe Biden e pela permissão do aborto para todas as mulheres do mundo. Os Pulp defenderam um segundo casamento. The Legendary Tigerman pediu para o público votar na empatia. Os Mannequim Pussy condenaram as religiões que não permitem as pessoas viver. E Soluna fez a apologia da música como instrumento de cura e de união. Houve também homenagens ao músico e produtor Steve Albini, nesta edição do festival que recebeu 100 mil pessoas. O próximo Primavera Sound Porto já tem data marcada: será de 12 a 14 junho de 2025.

É grande a lista de artistas que, nos últimos meses, têm manifestado apoio público à recandidatura de Joe Biden à Presidência dos Estados Unidos da América. Matt Berninger, dos The National, é um dos apoiantes do atual Presidente norte-americano, ao lado de nomes como Andrew Bird, David Crosby, Rufus Wainwright, Willie Nelson, Sheryl Crow e Billie Eilish.

Na noite que antecedeu a votação em Portugal para as eleições europeias, o vocalista dos The National fez uma espécie de comício político em palco. Ainda o concerto não tinha chegado a meio, Matt Berninger tinha acabado de cantar “Graceless” e decidiu fazer campanha, defendendo “vote for Joe Biden” e pedindo a “liberdade para todas as mulheres no mundo poderem abortar”. Perto do fim da atuação do grupo oriundo do Ohio (um dos estados que pode desempatar eleições, nos Estados Unidos), o carismático cantor voltou à carga com a frase “this is for Joe Biden, obviously”.

Nesta 22ª atuação dos The National em Portugal, a banda de indie rock que se estreou em solo português há 19 anos, no Festival de Paredes de Coura, foi poderosa, eletrizante e intensa, contrastando com o último concerto, dado no Pavilhão Rosa Mota, no Porto, em outubro do ano passado, para a apresentação do novo disco “First Two Pages of Frankenstein”, um concerto que tinha sido mais intimista, mais pausado e mais calmo. Esta noite, mais solto e mais endiabrado, Matt Berninger cantou até ao âmago das vísceras, bateu com o microfone na sua própria cabeça para marcar o ritmo da música “Fake empire”, largou o palco três vezes, para descer às grades da plateia e interagir com ela e, no fim do concerto, até foi oferecer o pé do microfone ao público, para reforçar aquilo que tinha dito na primeira vez que desceu às grades: “We love Portugal, we love Porto, we love Primavera”.

“Demos 100%, mas vocês deram 101%”

De amor reza também a história dos Pulp. Sendo a música espelho de paixão por excelência, esta foi a noite em que os Pulp deram o último concerto antes do vocalista (voltar a) casar. Foi o próprio Jarvis Cocker quem fez questão de o anunciar, durante o espetáculo, ao dizer: “Isto é muito difícil para mim, mas este é o último concerto de um homem solteiro, o último concerto antes de eu casar. Já fui casado antes, mas vou tentar outra vez”.

O cerimonial de união com o público português celebrou-se no palco Vodafone (que, no dia anterior, teve problemas que obrigaram a cancelar todos os shows previstos para esse dia nesse palco) e promete ficar na memória dos presentes como um espetáculo apoteótico e inesquecível.

Nesta terceira passagem por Portugal, os Pulp alinharam êxitos como “This is hardcore”, “Something changed” e “Babies”, o vocalista recordou a primeira vez que o grupo atuou no nosso país (no Festival Imperial ao Vivo), arriscou dizer algumas frases em português, fazendo rir o público com o seu sotaque, disse gostar do spot do festival, das árvores envolventes ao Parque da Cidade do Porto e referiu-se ao vinho Papa Figos. Os Pulp recordaram também o músico e produtor Steve Albini, que morreu em maio, de ataque cardíaco, e que foi homenageado, na edição deste ano do Primavera Sound, com uma ‘listening party’ a céu aberto, com a banda residente do festival. O tributo dos Pulp consistiu em “dar vida às canções”, como o vocalista manifestou intenção de fazer, logo na abertura do concerto, depois de ter cantado a primeira música.

O público retribuiu, durante todo o espetáculo, com aplausos, com pulos, com luzes de telemóveis ligadas e fazendo coro de vozes em todas as canções conhecidas, o que levou Jarvis Cocker a dizer “nós demos 100%, mas vocês deram 101%”. Em forma de agradecimento, a banda de britpop terminou o concerto com o clássico “Common people”, numa versão extra longa, que durou dez minutos, ao longo dos quais os milhares de fãs no relvado em frente ao palco saltaram, dançaram e reproduziram os versos que falam de como as pessoas simples vivem e do que as pessoas simples fazem.

Mulheres furacão e one-man-band anti-guerra

Simplicidade é mera ilusão auditiva nas performances de Paulo Furtado, conhecido pelo nome artístico The Legendary Tigerman. Porque tudo neste one-man-band é trabalhosa complexidade criativa. A singularidade da sua música, que mistura guitarra, harmónica, bateria, percussão, eletrónica, kazoo, rock n´roll, punk e marcantes colaborações femininas é uma espécie de composto multivitamínico de energia, de boost injetável para os órgãos vitais.

Numa altura em que o artista está em digressão, a apresentar o recente álbum “Zeitgeist”, que explora novos trilhos sonoros, Tigerman subiu ao palco do Primavera Sound com Sara Badalo, na voz e sintetizador. Coube-lhe a ela elogiar as “mulheres furacão, as mulheres com isto no sítio” (referindo-se à parte genitália) e mostrar como ela própria é uma voz ciclónica e uma instrumentista impactante.

O empoderamento feminino acicatou a plateia, sobretudo, quando Sara e Tigerman, acompanhados de Cabrita, no saxofone e teclas, e de Mike Ghost, na bateria, entoaram o dueto “These boots are made for walkin´”, um original de Nancy Sinatra, que Paulo Furtado também já tinha gravado, no passado, com a atriz Maria de Medeiros.

Depois desse hit, The Legendary Tigerman fez um apelo ao voto nas eleições europeias deste domingo, dizendo que “para quem não sabe em quem votar, seria bonito votar na empatia”. E voltou a insistir nessa ideia enquanto cantou “Losers” e desceu às grades para falar com o público. “A empatia tem o poder de parar guerras e de dar uma vida digna às pessoas”, disse Paulo Furtado, acrescentando “precisamos de amor, de empatia, de paz”.

De resto, mensagens políticas e de ativismo social tempestuosos foram carne para canhão na atuação dos Mannequin Pussy. A banda de punk rock, natural de Filadélfia, disparou em todas as direções, num tom enraivecido, zangado, eletrizante, a ponto de dar choque. Missy Dabice não teve pudores em assumir “não respeito as religiões que não permitem as pessoas viver” ou em contestar a opressão.

Curativo musical

A afirmação da mulher negra, sensual, carnal, mas também talentosa, poderosa, eloquente e assertiva foi a imagem que Soluna conseguiu transmitir na atuação deste último dia de Primavera Sound. “I´m so proud of being here”, admitiu a artista afro-latina, que nasceu na Argentina, que é filha de mãe angolana, que tem raízes portuguesas, que está sedeada em Lisboa, que canta em espanhol, português e inglês e que faz desse cruzamento de latitudes uma fusão musical improvável, misturando ritmos afro-latinos, reggaeton, tarraxo e kizomba. O resultado é, como mostrou na atuação de hoje, uma batida dançável, contagiante, que dá vontade de tirar o pé do chão mesmo aos que não conhecem as suas músicas.

A cantora, compositora, multi-instrumentista e jovem produtora passou o concerto todo a misturar todas aquelas línguas. “O que passa en mi cabeça es que I´m so fucking happy. Estou a falar em português, espanhol, inglês, estou toda perdida, mas vocês percebem, certo?”, perguntou a dada altura. E o público respondeu-lhe “siiiiiiimmmmm”! A alegria, o entusiasmo, a jovialidade e a energia dançante que Soluna imprimiu ao concerto convergiram na frase com que terminou a atuação: “a música cura, a música une”.

Este curativo de conexão individual e coletiva e esta simbiose estilística que é a música juntou nesta 11ª edição do Primavera Sound Porto 100 mil pessoas, ao longo dos três dias do festival. O comunicado emitido pela organização classifica esta edição como “a mais audaz de sempre” e anuncia que o Primavera Sound regressa à cidade do Porto a 12, 13 e 14 de junho do próximo ano.

Fotos: Hugo Lima
Victor Sousa/AIN

 

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