Opinião
À Sombra da Angústia
Caiu-me nas mãos um romance que eu não sabia onde me iria levar. Só acreditei na minha vontade de o ler. A cada frase eu sentia, inquietação, sombras, amor, angústias, ternura, murro no estômago e amor. Tinha de reler algumas frases que sublinhei por me dizer que o explicito ainda era mais forte do que a ideia implícita da frase. O autor Jorge Serafim, um alentejano, contador de histórias é dono de uma forma única de escrever.
Levou-me até uma casa de família que foi esvaziando com o passar do tempo. “Tudo vai sobrando. O gerúndio é o crescimento em movimento. Sobram pratos, roupas de cama, divisões e silêncio demorado. As memórias assentam praça nos lugares mais recônditos do corpo”.
E foi assim que fui descobrindo a história de “um casal partilhando a vida em conjunto há cerca de setenta anos, para combater a ausência que os transtorna, multiplica as recordações na janela da marquise onde passam muitas horas sentados enfrentando o vazio que os assola”.
O medo foi crescendo na história e em mim, que pensei que se todos os maiores de 70 anos vão temendo com o vazio do tempo a passar à espera de quase nada.
“O MEDO transforma-se em superstição, a ausência em recordação.
As histórias são as que ficam enquanto houver quem as oiçam. O resto são imagens que a memória guardou como sombras. Um dia desaparecem ao nascer de um novo sol. As sombras da angustia são pesadas e místicas ao mesmo tempo, como as lendas.
“O rumo que cada um segue é um percurso feito sonho, sentimento, desilusão e paixão. Ver partir é contrabalançar o desenrolar da existência com as angústias do coração mãe e do coração pai.
Neste entrançar de histórias coletivas caminhadas individualmente, é no afeto que permanece a palavra família. Envelhecemos para dar sentido ao estendal despido de roupa, à porta da rua que pouco abre, às palavras que ficaram por dizer e aos abraços que ficaram por abraçar. É nos regressos que a solidão esmorece e o amanhã não tem medo de existir. “
Ao Jorge Serafim uma palavra de gratidão por me deixar descobrir esta história tão enriquecedora. Para mim este livro é obrigatório e mais não posso dizer, para que o possam ler e pensar e repensar o tempo como merece.
Andreia Gonçalves