Espetáculos Nacionais
Primavera Sound Porto: ativismo político e ambiental com dança, no fim
Se há noites de festivais em que o que se vê e ouve em palco está nos antípodas do que se viu e ouviu na hora anterior, esta foi uma delas. Os Fontaines D.C. trouxeram à primeira noite do Primavera Sound Porto ativismo político, para pedirem a libertação da Palestina. Anohni and the Johnsons fizeram da causa ambiental bandeira para impor solenidade ao luto pela Grande Barreira de Coral, na Austrália. E Charlie xcx destacou-se pela vulgaridade do discurso e da roupa (ou falta dela) para pôr todos a dançar.
13 de junho 2025

O coração insuflável pendurado no palco, a remeter para a imagem da capa do disco “Romance” dos Fontaines D.C., pode ser entendido como a antítese do mundo distópico em que vivemos. Num planeta em que se deseja amor e paz, fazem-se guerras, alimenta-se o catastrofismo apocalíptico e o despotismo do mais forte.
A isso não foi alheia a banda irlandesa que, nesta primeira noite de festival Primavera Sound Porto, gritou por liberdade na Palestina. Essa mensagem esteve presente na parte final do concerto deste quinteto que emergiu em 2017 e que mistura punk rock com rock alternativo nas suas composições.
Durante a canção “Nabokov”, que fala de sacrifício, dor, submissão, servidão e autoanulação, a bandeira da Palestina forrou o suporte de teclas. No fim da canção, o vocalista Grian Chatten disse um tímido “Libertem a Palestina”. Seguiu-se o som das pandeiretas a dar entrada para o tema “Boys in the Better Land”, com o público a cantar em uníssono, e a música “I love you”. Ao longo deste tema, os ecrãs exibiram a mensagem “Free Palestine”, escrita a verde”, com a imagem da bandeira da Palestina de fundo. Já se ouvia “Starburster”, quando o vocalista prendeu uma bandeira de tecido ao microfone e expressou: “Israel está a cometer genocídio: usem a vossa voz”. A assistência concordou com aplausos e repetiu em coro “Free Palestine, free Palestine”. Depois disso, a plateia ainda ouviu “Favourite” e “In the Modern World” e a banda terminou a atuação com um lacónico “muito obrigada”.
À parte o recado político que também já tinha sido transmitido no concerto de 7 de junho, em Barcelona, e não obstante o pouco diálogo com o público, a atuação dos Fontaines D.C., esta noite, no Porto, foi vibrante, marcante e intensa. A banda de Dublin confirmou, como já tinha acontecido, no ano passado, no Festival Vodafone Paredes de Coura, que tem uma energia crua e despretensiosa, mas simultaneamente poética, emotiva e contagiante.
“Podemos parar isto”
Se os Fontaines D.C. fizeram a apologia do fim da guerra no Médio Oriente, Anohni and the Johnsons trouxeram ao concerto desta noite o ativismo pelos oceanos. Nesta segunda passagem pelo palco do Primavera Sound Porto, a cantora transgénero, nascida em Inglaterra e radicada nos Estados Unidos, e os seus músicos apresentaram um concerto em jeito de palestra e reflexão sobre a destruição da Grande Barreira de Coral, ao largo da costa de Queensland, no nordeste da Austrália.
Logo depois da primeira música, Anohni cumprimentou os presentes com um “Boa noite, Porto”, acrescentando “Hoje, vou mostrar-vos alguns vídeos que fiz na Austrália, recentemente”. O público, sentado na relva do anfiteatro natural do Parque da Cidade, assistiu a uma espécie de aula de cerca de uma hora, repleta de imagens de corais, de espécies marinhas, do fundo do mar e de testemunhos e alertas de especialistas sobre a necessidade de preservar aquela que é a maior barreira de coral do mundo, cuja extensão tem 2300 quilómetros, é visível do espaço, é composta por 2900 recifes, 600 espécies de corais, mais de 1600 espécies de peixes e inúmeras formas de vida marinha.
Entre cada música que Anohni cantava, era exibido um pequeno vídeo de experts, a maioria da Universidade de Sydney, a alertar para a urgência de “acelerar esforços contínuos que mantenham a preservação da barreira de coral”. Nos testemunhos mostrados, alguns expressavam opiniões pessimistas de que “perdemos décadas em que podíamos ter feito alguma coisa para travar as alterações climáticas”, de que “a destruição vai acontecer mais depressa do que se pensa” e de que “a trajetória não vai na direção certa”. Mas também foram exibidas convicções inabaláveis de que “podemos parar isto”, porque “todo o clima está ligado aos oceanos e está dependente dos oceanos”.
Nesta semana em que decorreu em Nice a Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, Anohni convocou o público para uma reflexão imersiva e, simultaneamente, estética. A voz destemida, doce e emocionante da cantora gritou por uma atitude épica que nos dê esperança e que mantenha viva aquela que é uma das maravilhas naturais do mundo mais procuradas para mergulho e snorkeling, rica em biodiversidade e que é património da UNESCO. Para nos pôr a pensar, o espetáculo de Anohni and the Johnsons terminou com o ecrã a mostrar a frase “Mouring the great barrier rief” que, em tradução livre, quer dizer “luto pela Grande Barreira de Coral”.
Pista de dança a céu aberto
Vivaça, ousada, provocatória e a abusar do palavrão “fuck”, Charlie xcx trouxe ao Primavera Sound uma noite de verão ao jeito de rave party e pista de dança a céu aberto. De cuecas tapadas apenas com uns collans de renda e um corpete branco a cobrir o tronco, Charlotte Emma Aitchison esbanjou poses desafiadoras, a fazer lembrar um misto de Anitta com Rosalía, cantou os êxitos que a catapultaram para o sucesso e pôs o público a saltar e a dançar, incluindo pessoas que não conheciam a artista. As misturas pop com eletrónica ficam no ouvido e contagiam mesmo os espetadores mais parados. No meio do recinto praticamente lotado, sobressaía a cor verde-choque, que é a cor do álbum “Brat”, o sexto disco de estúdio da cantora inglesa, lançado a meio do ano passado.
O apogeu do espetáculo de Charlie xcx foi mesmo a última música: “I love it”, o tema sensação do duo sueco Icona Pop, composto e com voz da própria Charlie xcx e que marcou o ano de 2012. O público gritou, pulou, cantou de início ao fim e saiu do recinto, em direção a casa, a cantarolar os versos que falam da independência pessoal depois de um relacionamento opressor. No meio da multidão que abandonava o recinto, ouviu-se a voz de uma adolescente dizer, em jeito de conclusão do show que acabara de ver: “esta Charlie xcx baralha-me, porque tem músicas de Liga de Campeões e tem outras coisas de distrital”.
©Hugo_Lima