Entrevistas
Raul Minh’alma: “Há muitos ensinamentos que podemos tirar deste livro”
Escritor de 32 anos é um dos mais vendidos em Portugal. Pedro Miguel Queirós, que assina as obras literárias com o pseudónimo Raul Minh’alma, em entrevista à Agência de Informação Norte, revela que o mais recente romance "Fomos mais do que um erro" vem cumprir um papel “educativo”, já que o livro aborda a temática das relações tóxicas e da violência emocional, que é “cada vez mais atual”. E, defende, importa aumentar a “consciência das pessoas” para este assunto.
30 de outubro 2024
Agência de Informação Norte – As personagens deste livro viveram um relacionamento tóxico e violência. Que mensagem está subjacente ao enredo de “Fomos mais do que um erro” e porque trouxe este tema para este novo romance?
Raul Minh’alma – Antes de mais, importa referir que a violência relatada na história não é física, mas emocional/psicológica. Quis abordar o tema dos relacionamentos tóxicos porque é um tema cada vez mais atual e é preciso aumentar o nível de consciência das pessoas para esta temática. É importante falar sobre o assunto para que as pessoas percebam os sinais deste tipo de relacionamentos e possam sair deles o mais rápido possível. O livro vem cumprir esse papel educativo ao mesmo tempo que entretém e emociona o leitor com uma bonita história de amor.
Que padrões de vida resultantes de traumas e crenças do passado apresentam as personagens deste livro que as impede de ter relacionamentos saudáveis?
São padrões que se arrastam desde a infância. De uma parte temos uma infância marcada pelo abandono do pai e da outra uma infância marcada pela violência do padrasto. Com certeza, cenários com que muitas pessoas, infelizmente, se irão identificar. São circunstâncias que nos marcam profundamente e geram em nós crenças negativas e uma má autoimagem que depois se reflete em relacionamentos que alimentam essas ideias que pré-existentes. É como se nos tornássemos viciados numa química tóxica em que sempre vivemos e inconscientemente somos atraídos para situações semelhantes até ao dia em que finalmente tomamos consciência disso e começamos a fazer um trabalho interior que nos permitirá ter relacionamentos mais saudáveis no futuro.
A Benedita, protagonista deste livro, personifica a situação vivida por milhares de pessoas em todo o mundo?
Sim, claramente. Busco sempre ir de encontro àquilo que acontece na vida real. Situações com que as pessoas se possam identificar, porque são esses casos que me interessa abordar. Neste caso em particular a Benedita foi abandonada pelo pai quando ainda era uma criança e isso marcou-a profundamente. Estou certo de que muitas mulheres se vão identificar com esta situação, no entanto, mesmo que não tenham vivido uma situação destas, podem ter experienciado o mesmo tipo de emoção ou de trauma com outro tipo de rejeição, traição ou abandono numa fase inicial da vida ou em relacionamentos passados que resultou num conjunto de crenças que as conduziram para relacionamentos tóxicos.
Este romance pode ser entendido como uma metáfora das nossas escolhas e das consequências das nossas escolhas?
Não só das nossas escolhas, como das escolhas das pessoas que nos rodeiam, a começar pelos nossos pais. No entanto, eu gosto sempre de focar na autorresponsabilização. Independentemente do que nos possa ter acontecido ou do que nos possam ter feito, nós ainda somos os principais responsáveis pela nossa vida e é importante lembrarmo-nos de que temos esse poder. Ainda que tenhamos sido arrastados para um relacionamento tóxico é uma escolha nossa permanecer nele. A não ser que estejamos a ser obrigados, mas penso que aí seja um caso de polícia. Ora se é uma escolha nossa permanecer num relacionamento tóxico isso quererá dizer muito daquilo que está mal resolvido dentro de nós. Por isso, caso entendam que faz sentido, procurem fazer terapia, ou estudar sobre estes temas, lendo livros, por exemplo, com certeza vai ajudar.
“Esta história tem muitos elementos diferenciadores dos meus romances anteriores”
Que outras lições podem ou devem os leitores tirar deste livro?
Poderão perceber a importância de arrumarmos as gavetas do passado, ouvir mais a intuição, estabelecer limites, não ficarem presos a um erro só porque já perderem muito tempo com ele, enfim… Há muitos ensinamentos que podemos tirar deste livro. Embora seja uma história ficcional e, no fim de contas, uma história de amor (e de falta dele), tem todo ele mensagens construtivas que com certeza, ajudarão muitas pessoas.
Em que é que esta história de amor se diferencia das histórias dos seus livros anteriores?
Esta história tem muitos elementos diferenciadores dos meus romances anteriores, a começar pelo ambiente em que ela se desenrola que é uma herdade. É uma história que tem mais drama do que o habitual e até alguns vilões, o que nunca aconteceu noutros livros meus, por exemplo. Existe também muito romantismo, o que, por incrível que pareça, também não era habitual nos meus romances anteriores.
Este livro traz um capítulo extra, ao contrário dos seus livros anteriores. Qual é o conteúdo e o objetivo desse capítulo extra?
Ora isso o leitor terá de ler para descobrir, mas posso dizer que embora o capítulo não faça parte da história (essa continua a ter exatamente cinquenta capítulos e exatamente trezentas páginas, à semelhança do que acontece com todos os meus romances) é um capítulo que complementa a história e nos ajuda a perceber certas coisas que não são relatadas nela. Posso dizer que esse capítulo são recortes de um… diário. Que diário será este?
Diz nos seus livros que nós não sentimos amor. Somos Amor. Isto de escrever sobre o amor é difícil?
O mais difícil é conseguir fazer o leitor perceber o que é o verdadeiro amor. Isto porque crescemos a ouvir histórias intituladas de amor, mas eram histórias de paixão, de obsessão ou de dependência emocional. Ou seja, eram tudo menos histórias de amor e falam de tudo menos de amor. O meu objetivo com os meus livros é também acrescentar valor nesse sentido, para que possamos elevar a nossa inteligência emocional e ter relações mais saudáveis. Tanto com os outros como connosco.
Quer com isso dizer que cada um é responsável pela sua felicidade?
Claro. Não é justo, nem inteligente, colocarmos nas mãos dos outros essa responsabilidade. Podemos estar rodeados de pessoas que nos amam e idolatram e rodeados do melhor que o mundo tem para nos dar, mas se não estivermos bem cá dentro, não vamos conseguir desfrutar de nada. Aqui está a prova de que se não formos nós próprios a cuidar da nossa felicidade, não há nada fora de nós que nos faça felizes.
“As pessoas já perceberam que os meus livros não são apenas histórias de amor. São lições de vida”
O Raul Minh’alma é um dos autores portugueses mais vendidos da atualidade. No seu entender, a que se deve esse sucesso?
Penso que as pessoas já perceberam que os meus livros não são apenas histórias de amor. São lições de vida, são um bocadinho da história de cada um. Quem vai ler um livro meu sabe que vai entreter-se, emocionar-se e aprender alguma coisa que lhe será útil na sua vida. Claro que o facto de ter uma escrita simples (sem ser básica) e objetiva, ajuda a que a experiência de leitura seja ainda mais cativante e que depois as pessoas recomendem o meu trabalho.
Começou a conhecer-se melhor através da escrita?
Inevitavelmente. Mesmo que não quisesse ou não fosse o meu objetivo, será inevitável. Acima de tudo, fiquei a conhecer muito mais sobre a mente e o comportamento humanos. Sobre os sentimentos, relacionamentos, enfim, sobre a vida e aquilo que fazemos com ela. Sou uma pessoa melhor por causa dos meus livros e acredito que as pessoas que os leem também são um bocadinho melhores por causa deles. Parece-me uma razão bonita para fazer e continuar a fazer o que faço.
O que se sente ao passear pela Livraria, e ver o seu trabalho nas estantes?
Agora já se tornou uma normalidade, no entanto, gosto sempre de fazer o exercício de me lembrar do percurso que fiz para chegar aqui e do momento em que sonhava em ver os meus livros numa livraria. Esse exercício ajuda-me a valorizar a sensação incrível que é e a honra que sinto por essa conquista. Tem sido uma caminhada bonita, mas nunca me vou permitir esquecer do quão difícil foi e do quão grato sou.
“Um livro é como uma carta, tem remetente, mas também destinatário”
Quando escreve só pensa em si ou no leitor?
Penso mais no leitor do que em mim. Se estou a escrever para alguém é nessa pessoa que devo pensar, senão guardo o livro na gaveta e fica só para mim. E não, isso não implica abdicar da minha essência ou da minha identidade. Um livro é como uma carta, tem remetente, mas também destinatário e se eu não souber a morada do destinatário, a mensagem não chega onde deve chegar.
Uma palavra pode destruir ou pode construir. Acha que as pessoas ainda não entendem o poder que as palavras têm?
As pessoas podem não estar conscientes desse poder, apenas porque não param para pensar nisso, mas ninguém duvida do poder das palavras. E às vezes não é pela palavra em si, mas pelo contexto ou pela entoação. Não é só o que se diz, mas como. Contudo, era importante estarmos mais conscientes deste poder, talvez assim deixássemos de dizer certas coisas que são aparentemente inofensivas, mas estão a gerar no outro uma ideia, uma crença ou mesmo um trauma. Especialmente se tivermos uma ligação emocional com essa pessoa.
Quem foi a figura das letras que agradece ao Universo por ter conhecido?
Teria de dizer Fernando Pessoa, foi por causa dos poemas dele que eu decidi armar-me em poeta e também juntar uns versos. Em boa hora percebi que não era para mim e deixei isso para quem realmente percebe, mas o gosto acabou por ficar e parece que até tenho algum jeito para contar histórias.
A quem dedica “Fomos mais do que um erro”? Porquê?
A ti, que me lês. Aliás é isso mesmo que digo na dedicatória deste livro. Gosto muito de dedicar os meus livros aos meus leitores porque é para eles que escrevo, é a pensar neles que escrevo e se estou aqui e posso ter a alegria de escrever é porque alguém desse lado me dá a honra de comprar os meus livros. É minha responsabilidade não desiludir e é meu dever agradecer.
Foto: Pedro Pulido