Entrevistas

Alice Vieira: “Os adjetivos não servem para nada”

Alice Vieira dispensa apresentações. É sem dúvida uma das maiores escritoras infanto juvenis dos nossos tempos. Uma jornalista cheia de histórias para contar. De sorriso rasgado, e gargalhada única, e que elege Pablo Neruda como a personalidade mais interessante que conheceu.

Escritora e jornalista desde os 18 anos, autora de sucessos como “Rosa, Minha Irmã Rosa” e “Os Olhos de Ana Marta”, aos 77 anos não faltam a Alice Vieira novas histórias para contar. Eis algumas delas.

Andreia Gonçalves
Foto: DR

Agência de Informação Norte – No mercado literário há mais de 80 livros escritos por Alice Vieira.  O que se sente ao passear pela Livraria, e ver o seu trabalho nas estantes?
Alice Vieira
– Na realidade, eu gosto muito mais de ver os meus livros, nas mãos das pessoas, mas, é claro que gosto de os ver nas estantes das livrarias.  Eu confesso que há 40 anos fazia uma figurinha. Cada vez que via um livro meu à venda tinha de tirar uma fotografia. Com o passar do tempo passou a ser normal.  O que me agrada, mesmo, é que se dirijam a mim e falem comigo sobre os livros. Uma vez, um miúdo reconheceu-me na rua e disse para a mãe: olha vai ali, a Alice Vieira! E a mãe disse não é nada… E eu, respondi: sou! (risos).
Outra situação que recordo com carinho foi ter assinado o mesmo livro, para três gerações. A avó, a mãe e a neta, tiveram dedicatórias diferentes, no mesmo livro, que passa gerações.

Isto de escrever para crianças e jovens é difícil Alice?
Eu não escrevo para os mais pequeninos. Eu escrevo para mim, e ao entregar um livro à editora, perguntam este é para qual público? Lê e logo vês respondo sempre (risos).
Cada livro faz sentido a quem o for ler, e dessa forma gosto de pensar que os escrevo para mim e depois eles são transversais. E que farão sentido em diferentes alturas.
Por exemplo, “A minha irmã rosa” embora não pareça, porque os tempos são outros, os miúdos continuam a gostar. E não acham estranho que uma miúda possa gostar de colecionar cromos. Os miúdos revêem-se na personagem.  Eu gosto muito que isso aconteça. Acredito que a minha escrita jornalística também ajude é facilmente detetada. E por outro, lado, sei que os miúdos não gostam de ser tratados como miúdos.

Em Lisboa, encontrou a profissão e o marido dos seus sonhos.  Caso, isso não tivesse acontecido, teria ido, definitivamente, para Paris?
Sim, sem dúvida. Uma vez zanguei-me com o namorado, com a pátria e fui embora. Fui bater à porta da minha prima e ela nunca me perguntou porque é que eu “fugi” para lá.. E ela era jornalista e conhecia figuras ilustres. Através dela conheci Jorge Amado, Pablo Neruda, entre muitos outros.  Era outro Mundo.

Como se pode estar sentada a olhar para o Jorge Amado?
Eu fiquei fascinada. Há pouca gente que tem essa sorte. Os meus netos dizem: tu conheces toda a gente! E no fundo a vida deu-me essa oportunidade de conhecer muita gente. Com uns ficamos mais fascinados com aquilo que são para além do trabalho., com outros nem, por isso. Era preferível não estragar a imagem que eu tinha deles, enquanto profissionais, porque pessoalmente deixaram muito a desejar.

Jornalista antes e depois de 25 de Abril. Como foi essa transição?
Não foi fácil. Antes do 25 de Abril, a censura não deixava passar muitos dos nossos trabalhos. E nós tínhamos de ter muitas vezes páginas preparadas para que se à última da hora cortassem as reportagens ou as notícias, o jornal garantidamente, sairia.  Houve um dia que foi tudo cortado, no Diário de Lisboa e a primeira página saiu apenas com receitas de cozinha. 
Não me publicaram a notícia que dava conta que o Presidente Américo Tomás iria inaugurar um fontanário.  E, um outro exemplo, quando o Papa João Paulo VI esteve, em Portugal, foi tudo cortado. Não saiu nada sobre a vinda da santidade.

Histórias que marcam….
Eu nunca pensei que isto da censura poderia acabar. Uma vez fui fazer uma reportagem de um espetáculo, para a FNAT, foi ouvindo os ricos a falar. E tive de criar a peça a falar dos pobrezinhos. Isto pode parecer fácil, mas não foi… Mas, tínhamos de conseguir escrever, fosse como fosse.
Depois da revolução, até era estranho, porque estávamos tão formatados para aquilo que levou muito tempo a cair a ficha.  Do 25 de Abril ao primeiro de maio foi um dia só. Eu não me lembro de nada, se comi, se dormi, foi consumida pelo trabalho e pela revolução que marcou as nossas vidas e mudou tudo.

Mas esta era a profissão que queria ter, porque só assim poderia fazer justiça à vontade de não querer passar muito tempo em casa.  Correto?
Sim. Eu tinha que ser jornalista porque não me via muito em casa.  E, o homem, que durante meses a fio colocava os meus textos de lado, porque não serviam, foi aquele que eu tive a certeza ao ver no cimo de umas escadas que queria para mim. Era a vida que eu queria, (jornalismo) e aquele era o homem com quem eu queria casar. E assim foi…

Foi difícil, deixar a sua querida máquina de escrever e voltar-se para as novas tecnologias?
Nada. A máquina de escrever está arrumada, não tem compostura.  E eu converti-me às novas tecnologias. Recordo uma vez que vieram cá os meus netos, que estavam em Londres, e ao olharem para a minha máquina de escrever disseram…   Essa tua maquina é melhor que o computador do pai, porque imprime assim que tu escreves. (risos).

Vamos eleger! A reportagem mais interessante que fez até hoje?
Ui! É muito difícil. A miúda que tinha sido roubada da maternidade, que durou duas semanas a fazer. E as reportagens sobre Timor, que é algo que gosto muito.  Para mim o prazer de fazer uma reportagem é o mesmo quando escrevo uma noticia.
Não posso deixar de mencionar que durante o antigo regime havia o  Ballet Rose, e eu recebi um telefonema de uma mulher que queria contar tudo… Saí e pedi à editora para ficar atenta às horas. Pois se demorasse que alguém fosse à minha procura.  A mulher contou tudo e eu acabei por ganhar um prémio, por causa dessa reportagem.

 Quem foi a figura das letras que agradece ao Universo por ter conhecido?
Pablo Neruda. Era um sedutor.  Mas, tenho de dizer que António Reis escritor e cineasta, era fantástico. Ele era o que escrevia.  E o Richard Zimler também.  Só lamento que os escritores não se apoiem uns aos outros.

Porque é que o adjetivo é um inimigo?
Os adjetivos não servem para nada (risos).  O adjetivo serve para dizer aquilo e não outra coisa.  As pessoas dizem está um dia bonito! Pra quem? Pra mim que gosto de sol. Usam-se muitos adjetivos que se torna um hábito. Como o “Incrível” do Vasco Palmeirim, que tanto gosto dele!

 

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