Opinião

A Humanitude e a sociedade em transformação

A Humanitude é um conceito associado ao estudo do Ser Humano que nos reporta, numa base antropológica, para uma filosofia assente na manutenção de atitudes promotoras do sentido de Ser humano. Foi popularizado por Yves Gineste e Rosette Marescotti no que respeita a cuidados de saúde a pessoas idosas com perda de autonomia cognitiva, mas enquanto filosofia de base antropológica pode se deve ser encarado como transversal à nossa vivencia em sociedade.
Desde que nascemos precisamos de ser cuidados, inicialmente porque enquanto crianças indefesas alicerçamos nos cuidados de parentalidade a nossa sobrevivência. O nosso desenvolvimento em sociedade, a relação continua com os outros e com o mundo e as nossas competências únicas como Seres Humanos, permitem-nos desenvolver várias inteligências que nos conferem a identidade de Pessoas. Esta identidade, com um caracter quase divino de construção de um Ser capaz de cuidar e ser cuidado com intencionalidade, faz de nós Pessoas Humanas, responsáveis por cuidar do Mundo que nos rodeia e indiretamente do Mundo que sendo oculto sabemos existir.
A evolução da sociedade assente numa evolução tecnológica muito rápida, nomeadamente no século XX, veio unir de uma forma extraordinária os Seres Humanos, quer por via dos transportes, quer por via dos meios de comunicação, onde a internet veio revolucionar a união digital das Pessoas. O sociólogo Edgar Morin vem fazer-nos refletir, contudo, que apesar de tecnologicamente mais unidos, corremos o risco de estar num caminho de afastamento emocional e interacional no que se reporta ao contacto físico e identitário na nossa condição de seres sociais.
A Humanitude vem trazer algumas ferramentas que permitem que este fenómeno de “separação unida”, assim o vou designar, proposta por Morin, possa ser contrariada pela atitude de mantermos a identidade de Pessoa nas relações humanas com os outros Seres Humanos e com o ambiente em que vivemos.
Como usar a Humanitude para manter a sociedade que garanta condição de Pessoas Humanas a todos?

  • Mantendo a perceção de sermos Pessoas Humana em nós e nos outros

Considerando a antropologia moral kantiana encontramos o conceito de Pessoa Humana, quer como sinônimo de autonomia, quer como sinónimo de dignidade, respetivamente.
Nesta lógica considerar que somos autónomos e por isso também livres, mas que os outros também o são, delimita uma estreita relação entre sermos pessoas e a própria Liberdade, que no sentido da vivencia em interação permanente nos reporta para um paternalismo libertário, ou seja, o equilíbrio entre cuidarmos uns dos outros e de deixarmos que cada um de nós tome decisões em plena autonomia.
Já a Dignidade remete para o respeito pela essência do que cada um é, no significado existencial que essa mesma essência encerra, com o direito de na autonomia de sermos o que queremos ser, com o paternalismo libertário do que podemos ser nos limites invisíveis do respeito pela liberdade dos outros e com direito a mantermos a nossa identidade espiritual no respeito pelo que somos na essência.
Parece uma conjugação de termos complexos, mas na verdade é simples: significa que somos Pessoas Humanas e respeitamos as outras Pessoas Humanas quando nos permitimos a viver em sociedade, sem discriminações negativas e destrutivas e pautando pela inclusão e vivência mútua com as diferenças que se encerram na liberdade de cada um.
Assistimos muito recentemente a manifestações sociais contra o racismo e outros tipos de discriminação. Isto significa que ainda somos uma sociedade frágil ainda que com muito mais potencial de melhorar essas fragilidades, pelo nível maior de literacia e pelo maior acesso a recursos que permitem partilhas entres as Pessoas Humanas do Mundo.
É preciso, no entanto, apesar do maior acesso a informação, que esta informação seja convertida em educação. Como? Com diálogo refletido sobre o que somos desde os contextos mais locais (entre família, amigos ou vizinhos) aos contextos mais amplos (media, políticas, etc). É preciso devolver a perceção de condição de Pessoas Humanas a cada um de nós e é o diálogo e a noção de que o Amor é a ponte, que nos permitirá continuar a existir e a não extinguir as Pessoas Humanas.

 

  • Integrar intencionalidade na promoção de emoções positivas nas interações

 

Mesmo que distantes, numa interação por via digital, tão comum nos tempos que vivemos, as Pessoas Humanas são dotadas de capacidade de desenvolver várias inteligências, nomeadamente a Inteligência Emocional.
Deste modo, é possível (re)conhecer, mesmo através de um ecrã expressões emocionais que resultam em respostas emocionais positivas ou negativas no interlocutor.
A linguagem não verbal (o olhar, a postura, o sorriso) são fatores chave de conexão emocional positiva entre Pessoas Humanas seja por que via de comunicação se interliguem.
Depois há a escolha das palavras certas, encorajadoras, promotoras de confiança e de que a expressão “vai ficar tudo bem” não é apenas uma expressão escrita em desenhos de arco-íris expostos em janelas, mas sim um conjunto de palavras, gestos, reações que demonstram que a Dignidade, a Identidade e a Autonomia jamais sofrem confinamentos. A Pessoa Humana é mais do que o corpo. É a plena criação de si mesma na relação com os outros e com o mundo e esta capacidade que têm de ser espiritual, permite-lhe ultrapassar as barreiras e as fronteiras do físico e do óbvio.
Deste modo, se cada um de nós intencionalmente quiser fazer bem aos outros, podemos através do ecrã expandir a essência de nós na procura do sorriso, da confiança e do sentido de vida nos outros. Esta atitude vai também aumentar os nossos.
E no dia-a-dia, em que a barreira não é um ecrã, mas uma máscara, a possibilidade de integrar intencionalidade nas emoções positivas é igualmente presente. A máscara não cobre as janelas da alma. Podemos sorrir com o olhar, podemos demonstrar confiança com olhar.
Mas podemos também fazer passar pelo tecido da máscara palavras de incentivo, com o tom de voz que permita o contágio do que importa: o Amor.
E quando deixarmos de ter máscaras de tecido, como vamos gerir as outras? As máscaras sociais, transparentes, mas com um impacto tão grande em nós e nos outros. Estas máscaras são aquelas que escolhemos usar desde que começamos o dia, quando interagimos com a família usamos umas, quando saímos para tomar café usamos outras e ao longo do dia nas interações de lazer ou trabalho vamos mudando consoante a circunstancia. Devemos, contudo, independentemente das máscaras que escolhemos usar, se a nossa essência (a mesma que é representada pelo olhar quando usamos as máscaras de tecido) se mantém integra. Se conseguimos manter-nos fieis aos nossos valores, sem as ervas daninhas emocionais, como a inveja ou a raiva que se regadas crescem rapidamente e não deixam que no jardim que somos nasçam elementos de sucesso, harmonia e amor.
Esta reflexão, conclui-se deste modo, sem uma conclusão. Mas antes umas reticencias que são a pontuação que maior liberdade nos confere, pois permitem escolher, usando as nossas inteligências. Escolher se queremos ou não ser Pessoas Humanas. A pandemia da extinção das Pessoas Humanas é a que verdadeiramente devemos temer! O que vai escolher agora? Pois bem…

 

 

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