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Caravana da Liga de Bombeiros Portugueses já chegou ao destino. Meia missão já está cumprida com ambulâncias entregues a associação ucraniana

Os bombeiros envolvidos na caravana da missão humanitária “Um capacete para a Ucrânia” já cumpriram metade da sua missão: domingo de manhã chegaram à Polónia e no mesmo dia à noite, perto da fronteira com a Ucrânia, entregaram à associação SOS Army cinco ambulâncias doadas por corporações portuguesas para assistência médica no contexto da invasão russa. Bens alimentares, vestuário, roupa de cama, artigos de higiene e material para primeiros-socorros também já foram descarregados num armazém da região polaca de Przeworsk para posterior distribuição pelas entidades locais que estão a acolher refugiados. O ambiente geral de satisfação foi, contudo, interrompido por uma curta visita ao centro de refugiados de Przemyse.

– Texto e fotos da enviada especial Alexandra Couto –

Apesar das temperaturas entre os 2 graus positivos e os 3 negativos, o domingo começou auspicioso para a caravana da Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP), com um pequeno-almoço farto preparado às 06h00 pela corporação alemã de Bautzen, onde a comitiva ficara alojada na noite anterior, e uma manhã de céu azul e sol intenso, sem avaria alguma nos camiões do grupo. Pouco quilómetros depois a caravana entrava na Polónia via autoestrada e o resto do dia foi passado a conduzir até à fronteira sudeste com a Ucrânia, com os membros da comitiva a tentarem abstrair-se das notícias de bombardeamentos russos cada vez mais próximos do território para o qual se dirigiam. Só ao início da noite é que o grupo português chegou ao seu destino, em Przeworsk, mas, se houve sensação de alívio, durou pouco, porque então é que começaram os trabalhos pesados. Entre as 20h00 de domingo e as 02h00 de segunda-feira, houve que descarregar três ambulâncias de um porta-carros (doadas pelas corporações da Guarda, Entre-os-Rios e Tabuaço), fazer sair mais duas viaturas médicas da galera de um camião (oferecidas por Macedo de Cavaleiros) e retirar de outros dois TIR algumas toneladas de alimentos, vestuário, produtos de higiene e artigos de primeiros-socorros (reunidos pelas câmaras municipais de Almeirim, Caldas da Rainha, Macedo, Mafra e Óbidos).

Para Marco Martins, vice-presidente da LBP e comandante tanto da corporação de Óbidos como da própria missão até à Polónia, esse trabalho duro não anulou a satisfação do momento. “Foi um dia muito complexo, difícil e cansativo, mas estamos felizes porque concretizámos a primeira parte da nossa missão, entregando mais estas ambulâncias – depois de outras que já tínhamos enviado para a Ucrânia – para que elas possam chegar ao teatro de operações ucraniano e ajudar as vítimas da guerra”.

Tanto essas viaturas de emergência como os restantes bens ficaram à guarda da associação ucraniana SOS Army, criada por militares em 2008 na sequência da ocupação russa da Crimeia. A parceria entre essa entidade e a LBP resultou de um contacto estabelecido por Maksym Bohum, cidadão natural da Ucrânia que, vivendo há vários anos em Portugal, se propunha comprar ambulâncias para o seu país-natal e acabou surpreendido pela oferta de várias dessas viaturas por corporações portuguesas de bombeiros. “A Liga ajudou muito com as ambulâncias e, antes destas, já nos tinha enviado três”, conta esse responsável. “Uma foi entregue no hospital de Kiev, que já a pôs a funcionar na linha da frente, a retirar feridos. As outras duas foram para a revisão porque não estão adaptadas ao frio da Ucrânia e depois também vão ser entregues a médicos, como estas que chegaram agora. Eles são o equivalente aos bombeiros portugueses, já que, na Ucrânia, os bombeiros não tratam de doentes como em Portugal – são só mesmo os médicos e socorristas que o fazem”.

Um shopping transformado em abrigo de refugiados

Numa breve passagem por Przemyse, o comando da caravana da LBP conseguiu visitar no domingo o campo de refugiados que está a funcionar num centro comercial dessa cidade polaca e que todos os dias vem recebendo milhares de refugiados chegados via Medika, um dos pontos mais movimentados da fronteira com a Ucrânia. Esse espaço é uma das estruturas a que um grupo de bombeiros da corporação de Óbidos tem prestado apoio desde que, poucos dias após a invasão da Ucrânia pela Rússia, se instalou em Przemyse para aí operar um centro logístico que vem agilizando a distribuição de bens remetidos por entidades portuguesas para auxílio aos desalojados pela guerra.

Fotografias são proibidas no interior do shopping, onde a supervisão militar procura evitar a exposição excessiva da população refugiada – que aí é constituída sobretudo por mulheres jovens e crianças. O espaço é exíguo para tanta gente que aguarda documentação burocrática e indicações quanto a soluções de sobrevivência viáveis, e a pouca bagagem individual que essas pessoas transportam serve muitas vezes de banco e cama a crianças pequenas. As mais pequeninas ainda soltam um ou outro sorriso quando lhes gesticulamos um “olá”, mas a maioria tem um olhar adulto, precocemente amadurecido. Mesmo o efeito de brincadeiras, desenhos e pinturas faciais proporcionado por voluntários – uns até trajando pelúcia azul eamarela a simular unicórnios – só por alguns instantes consegue criar a ilusão de que essas crianças mantêm a mesma inocência que detinham três semanas antes.

“É muito triste de se ver, mas também é de encher o coração”, diz Manuel Cravide, bombeiro de Óbidos na sua primeira missão internacional. As histórias que justificam essa avaliação são muitas, mas um caso em especial serve de exemplo: um menino ucraniano pediu um chocolate à mãe e essa recusou-lho, no que pareceu dever-se a preocupação com gastos dispensáveis numa situação aflitiva como a da fuga a um país em guerra. Manuel decidiu-se então comprar ele mesmo o tal chocolate e oferecê-lo à criança, que o aceitou de olhar baixo. “Mas passado um bocado o miúdo veio ter comigo e trouxe-me isto”, diz o bombeiro, pegando no telemóvel para mostrar a foto de quatro bombons enlaçados em papel dourado. Manuel não sabe onde o menino os conseguiu e acredita que lhe fariam falta nos próximos dias, mas aceitou os chocolates. “Como é que eu podia recusar um gesto daqueles?”

Imagens do quarto dia de viagem da missão “Um capacete para a Ucrânia”:


Café para brindar ao regresso dos dois bombeiros de Macedo de Cavaleiros ao grupo principal, depois de terem ficado em França a reparar o camião que transportava duas ambulâncias


Bombeiros de Bautzen a assinarem o casaco da sua corporação que ofereceram à comitiva


A caravana à saída do quartel alemão que acolheu o grupo de sábado para domingo


Os motoristas do autocarro que avariou em França com a família brasileira que sabendo da sua missão os convidou para um almoço em França
Foto – DR


A entrada do centro de refugiados de Przemysl


Trabalho noturno para descarregar as ambulâncias doadas à associação SOS army


Também bens alimentares vestuário artigos de higiene e produtos para primeiros socorros foram entregues à associação ucraniana

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6 Comments

  1. Uma belíssima reportagem. Parabéns a todas as pessoas envolvidas. São estes pequenos gestos que fazem de nós diferentes. Estou de coração cheio.

  2. É bom mostrar o outro lado da guerra. O lado da bondade e da união do ser humano. Da força das pessoas. Infelizmente as televisões e a maioria da imprensa escrita só mostra a desgraça. Sabemos o que é uma guerra. Sim…todos sabemos. Obrigado Alexandra Couto. Obrigado Agência de Informação Norte por acompanharem a Liga dos Bombeiros. Como alguém dizia: juntos somos mais fortes.

  3. Um abraço a todos. Boa viagem de regresso. É bom saber que estamos unidos no sofrimento destas pessoas que perderam uma vida de trabalho.

  4. Obrigado pela partilha destas imagens. Unidos somos mesmo mais fortes. Continuação devBom trabalho para a jornalista. Bom regresso para todos.

  5. Uma dor imensa. Ninguém fica indiferente a esta guerra, a esta página terrível do mundo. Um abraço a todos os bombeiros e aos jornalistas que vivem de perto esta tragédia.

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