Entrevistas

Carla Vieira, sobre o livro “Judeus Portugueses na América”

Carla Vieira é investigadora de pós-doutoramento no Centro de Humanidades da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e membro da Cátedra de Estudos Sefarditas Alberto Benveniste.. Já recebeu o Prémio Nacional de Ensaio Histórico Francisco Fernandes Lopes. E, nesta conversa viaja connosco pela diáspora, e explica-nos como foi a vida dos Judeus Portugueses na América. Um véu que levantou de uma parte da história que poucos conhecem.  E como a autora refere: “ estamos a falar de uma minoria ostracizada e perseguida na sua terra de origem que acaba por vencer lá fora e contribuir para a construção e progresso de outras nações”.

Por: Andreia Gonçalves

Agência de Informação Norte – Carla este livro resgata do esquecimento as histórias destes indivíduos cujas vidas espelham a extraordinária epopeia dos judeus portugueses. Como surge a ideia de fazer esta “viagem” com estes judeus por uma América longínqua?
Carla Vieira
– A ideia de escrever um livro sobre a diáspora judaico-portuguesa direcionado para o grande público foi-me proposta pela editora Esfera dos Livros, dado o crescente interesse sobre a temática judaica e, em particular, sobre a história e património dos judeus portugueses. Há vários anos que a diáspora sefardita para a América colonial e a vinculação a essa herança portuguesa suscita o meu interesse como investigadora. Inclusivamente, cheguei a desenvolver um projeto sobre as raízes portuguesas da elite sefardita norte-americana para a Cátedra de Estudos Sefarditas Alberto Benveniste, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Aliás, neste livro recupero a história de duas famílias que investiguei nesse projeto, os Mendes Seixas e os Lopez (capítulos 3, 4 e 5). Posteriormente, na sequência do meu pós-doutoramento, no qual me foquei na diáspora para Inglaterra e territórios coloniais britânicos, tive a oportunidade de desenvolver essa investigação. Por isso, quando recebi o desafio da Esfera dos Livros, achei que seria uma boa oportunidade de transpor a minha pesquisa para uma obra de divulgação e assim sensibilizar os leitores para a riqueza desta história ainda pouco conhecida em Portugal, mas repleta de “material” de grande interesse historiográfico e narrativo.

Este livro mostra-nos a «Expansão» da língua e cultura ibéricas pelo mundo, perpetuada por um grupo marginal, perseguido, alvo de ostracismo, mas, ainda assim, capaz de se reinventar, de reconstruir vidas e fortunas, e de manter aceso o sentimento de pertença a uma entidade grupal que atravessava impérios e culturas. O que foi mais difícil de perceber, enquanto autora e mulher da vida destes judeus sofridos e marginalizados? E, como é olhar enquanto autora para a reviravolta e a coragem destes portugueses fora de portas da sua nação?
Os primeiros desafios que enfrentei ao escrever este livro são comuns a todo o historiador que se decide a escrever uma obra de divulgação: primeiro, pôr-se na posição de um leitor que não está familiarizado com o tema e desconhece muitos dos conceitos básicos da área; em segundo lugar, a necessidade de criar uma narrativa apelativa, clara e com uma linearidade que frequentemente não se coaduna com o carácter fragmentário das fontes.
O facto de, há já vários anos, dedicar a minha pesquisa à diáspora judaico-portuguesa acaba por me roubar um pouco essa capacidade de uma surpreender com as voltas e reviravoltas dos percursos destes homens e mulheres. A capacidade de superação e reconstrução não é apanágio único desse grupo que se estabelece na América do Norte, é antes transversal a toda a diáspora. Encontramos outros tantos casos similares em Amesterdão, Londres, Hamburgo, Livorno, Curaçao, e outros destinos deste movimento migratório. Mas, sem dúvida, são exemplos extraordinários de coragem e suplantação de contextos adversos que, por outro lado, despoletam a mudança e a necessidade de elevação face à exclusão e à perseguição.

Lá fora, apelidavam-nos de «a nação portuguesa». Apesar de dignas de nota, estas e outras histórias da diáspora judaico-portuguesa na América do Norte têm sido praticamente votadas ao silêncio pela historiografia portuguesa. Um silêncio ainda mais ensurdecedor quando comparado com a proficuidade com que a literatura norte-americana trata o tema, mote de numerosos livros e artigos publicados em periódicos de referência. Porque a ousadia da Carla, em levantar este livro à luz dos nossos dias e num livro de divulgação cientifica?
Em primeiro lugar, considero ser absolutamente necessário que a academia se reaproxime da sociedade e seja capaz de divulgar junto do grande público os resultados da investigação que desenvolve. As exigências impostas aos investigadores pelas agências de financiamento têm contribuído para esse distanciamento entre historiografia e o leitor comum. Os investigadores são forçados a concentrarem todos os seus esforços na produção de artigos essencialmente em inglês e direcionados para publicações internacionais. O resultado é que os portugueses, em geral, acabam por desconhecer os trabalhos interessantíssimos que são desenvolvidos nas universidades e nas unidades de investigação. Esse desvinculamento entre a academia e a sociedade empobrece ambos os lados. Por isso, aceitei o desafio de escrever este livro na expectativa de dar um pequeno contributo para inverter essa tendência.

Este livro guarda a memória de uma Diáspora com origens no outro lado do Atlântico. É uma riqueza a partilhar com todos os descendentes dos Judeus e com todos os portugueses. Concorda?
Plenamente. Por um lado, a questão da ascendência sefardita foi catapultada para a ordem do dia desde que, há alguns anos, foi aprovada a lei da atribuição da nacionalidade portuguesa aos descendentes de sefarditas portugueses. Isso fez crescer o interesse sobre o tema e levou cidadãos estrangeiros, inclusivamente dos EUA, a tentarem resgatar essa herança genealógica e memória familiar. Hipoteticamente (não tenho dados que o comprovem), talvez alguns descendentes dos Seixas, dos Nunes Ribeiro ou dos Lopez – famílias que abordo no meu livro – sejam hoje cidadãos portugueses devido a essa lei. Por outro lado, considero que é possível traçar alguns paralelismos entre esta diáspora e outras diásporas, em particular a diáspora portuguesa da era contemporânea para os EUA. Também, neste caso, encontramos histórias extraordinárias de superação. Talvez os emigrantes portugueses se consigam rever nas narrativas deste livro.

E ainda há muito mais por saber, diz na sua nota de apresentação. Vamos esperar mais uma obra da sua parte, que nos irá elucidar, ainda mais sobre a vida dos judeus portugueses?
Sem dúvida, gostaria de dar seguimento a esse projeto de divulgação da história da diáspora judaico-portuguesa, focando outros destinos. Por exemplo, nos últimos anos, tenho trabalho sobre a comunidade judaico-portuguesa de Londres e encontrado histórias fascinantes que merecem ser contadas para lá do universo restrito da academia.

Porque deveriam os jovens e os adultos portugueses conhecer este livro, na sua opinião?
Antes de tudo, acho que é uma oportunidade de conhecerem uma face pouco abordada da história portuguesa. Quando falamos dos “portugueses no mundo” na era moderna (séculos XVI-XVIII), a nossa imaginação viaja imediatamente para o contexto da expansão portuguesa. A diáspora judaico-portuguesa foi uma “expansão” alternativa da cultura e língua portuguesas, marginal, mas com uma abrangência igualmente global. Essa outra “expansão” também merece ser conhecida e estudada nas escolas. Por outro lado, estamos a falar de uma minoria ostracizada e perseguida na sua terra de origem que acaba por vencer lá fora e contribuir para a construção e progresso de outras nações. Considerando o problema nestes termos, não há como entendê-lo como um mero fenómeno sepultado no passado.

 

Resumo da obra:

A Liberdade, que desde 1886 recebe de chama na mão quem se aproxima de Manhattan, guarda aos seus pés a memória de uma diáspora com origens no outro lado do Atlântico.
Emma Lazarus, a autora do poema gravado no pedestal da estátua, conseguia recuar a sua ancestralidade até um judeu de Lisboa que, em 1738, chegara naquela mesma cidade de Nova Iorque.
Mas a história dos judeus portugueses na América do Norte havia começado bem antes, quando, em meados do século XVII, o navio St. Catrina aportou em Nova Amesterdão, trazendo a bordo 23 refugiados do Recife.
A gesta continuou ao longo das décadas e séculos seguintes, repleta de personagens inolvidáveis.
Do rabino patriota ao príncipe mercador, do herói revolucionário ao daguerreotipista do Faroeste, da matriarca que escrevia poemas ao médico que catalogava as maleitas da Virgínia, este livro revisita estas e outras histórias de judeus portugueses que marcaram os primórdios dos Estados Unidos da América.

 

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