Espetáculos Nacionais

Marés Vivas: amores, desamores e trapos

O cantor britânico James Arthur e o multi-instrumentista norte-americano Ben Harper foram os cabeças de cartaz da segunda noite do Meo Marés Vivas, repleta de baladas e, novamente, com recinto cheio. O sofrimento que boicota a saúde mental teve destaque na voz e nas canções também interpretadas pelo inglês Rag´n´Bone Man e pelas portuguesas Marisa Liz e Soraia Tavares.

“O sonho mais fundamental é o amor”. A frase apareceu escrita nos ecrãs antes de James Arthur cantar “Empty space”. Como que a dar o mote para os amores sofridos, doentes e problemáticos, mas também para os amores alegres, descontraídos e felizes que se cantaram no segundo dia de Meo Marés Vivas, mais uma vez com casa cheia.

Os amores que, já depois do compositor britânico ter proclamado, no início concerto, com os temas “Impossible”, “Can I be him”, “Rewright the stars” e “Naked”, o levaram a fazer um apelo ao público para estar atento à sua saúde mental. Ao introduzir a música “Train Wreck”, o artista que sofreu de depressão e ansiedade, admitiu que compôs esta canção “numa má fase de pensamentos e emoções” e pediu a quem esteja a “passar por um mau momento” para “falar com os amigos e a família”, de forma a ultrapassar esse mal-estar.  

Do alinhamento da atuação de James Arthur fizeram, ainda, parte “Sermon”, com a inclusão de trechos da música “Ready or not”, dos Fugees, em que se ouviu a voz da rapper Lauryn Hill, e um cover do tema “A thousand years”, celebrizado por Christina Perri.

Repetente no Marés Vivas, onde atuou em 2014, James Arthur manifestou-se feliz por regressar “a uma cidade tão bonita e a um país tão bonito”, elogiou o público português como um dos mais acolhedores e disse que o Super Ball (o jogo anual do campeonato da principal liga de futebol americano) lhe faz lembrar Portugal.

O cantor, que venceu a nona temporada do programa musical Factor X, do Reino Unido, em 2012, que já vendeu mais de 16 mil milhões de discos e que tem mais de 38 milhões de ouvintes mensais na plataforma Spotify, terminou o concerto com a balada “Say you won’t let go”, com o público a fazer coro nos versos que falam da vontade de envelhecer ao lado de quem se ama.

Apaixonada, uma jovem noiva, de véu preso ao cabelo, fez a despedida de solteira no Marés Vivas e dançava no recinto com os amigos, quando Ben Harper já atuava. O cantor e guitarrista norte-americano regressou ao Marés Vivas, onde já tinha atuado em 2010, para um concerto semelhante à música ambiente que sabe bem ouvir num bar, numa esplanada ou em casa, ao final do dia. Apesar de parte considerável da assistência ter abandonado o recinto depois do concerto de James Arthur, Ben Harper não desiludiu o seu público-nicho. Muito pelo contrário.

O multi-instrumentista californiano de 54 anos, que já deu mais de vinte concertos em Portugal e que lançou, no ano passado, o disco “Wide open light”, fez-se acompanhar de uma banda exímia. O espetáculo começou com “Below sea level”, interpretado à capela, para dar espaço a um show de guitarradas, misturadas com blues, soul e R&B, em temas como “Diamonds on the inside”, “Burn to shine”, “Don´t give up on me now”, “Finding our way” e “Mama´s trippin”.

Um dos momentos mais apreciados pela plateia foi a interpretação de “Steal my kisses”, em que Ben Harper, sentado, tocou uma guitarra horizontal sobre as coxas. Seguiu-se “Need to know basis”, “Hallelujah”, “Burn one down”, “Say you will”, “Faded / The ocean” e “With my own two hands”, até se voltar a ouvir o público do antigo parque de campismo da Madalena cantar em coro “Boa sorte”, o dueto que Ben Harper fez com a brasileira Vanessa da Mata. Na ausência dela, o cantor desafiou o público a “fazer o maior dueto do Rock & Roll convosco” e a resposta foi um recinto inteiro a cantar em português do Brasil as partes da música que cabiam a Vanessa da Mata e Ben Harper a cantar as partes em inglês. No encore, ainda se ouviu “Forever” e “Amen Omen”.

Numa noite em que também subiu ao palco principal o artista britânico Rag´n´Bone Man, nem a chuva que caiu do início ao fim da atuação deste cantor afastou os festivaleiros. O célebre sucesso “Human” foi um dos temas a que deu voz em Vila Nova de Gaia, mas também não faltaram “Giant”, “Skin”, “Crossfire” e “Lovers in a past life”.

Os amores das vidas passadas e presentes cantaram-se, ainda, em português. Marisa Liz repescou-os do seu primeiro álbum a solo “Girassóis e Tempestades” e do EP “Mensagens de amor”. A balada “Foi assim que aconteceu”, o êxito de verão “Garota” e o tema “Guerra nuclear” criaram coros de fãs, tal como o clássico “À minha maneira”, dos Xutos & Pontapés, que a ex-vocalista dos Amor Electro também trouxe ao Marés Vivas. Antes do final da atuação, Marisa Liz ainda cantou um dueto com a filha, Beatriz Oliveira, e deu visibilidade a um grupo de drag queens, no palco, fazendo jus à túnica branca que trazia vestida e na qual estavam inscritas, a negro, as palavras “Free people” (Libertem as pessoas).

Liberdade conceptual, artística e de sentimentos expressou também Soraia Tavares. A cantora e atriz apresentou as canções do seu primeiro disco, “A culpa é da lua”. Vestida com uma invulgar mini-saia feita com slides e com uma blusa transparente que tinha uma fotografia colada ao tecido, a jovem que deu voz ao filme “Pequena Sereia”, da Disney, desfilou sensualidade e musicalidade, dedicou uma canção ao namorado e pediu aos presentes que já tiveram “o coração partido” para levantarem a mão. Muitos, envergonhados, não a levantaram. Até porque, de “Amores, desamores e trapos” (para plagiar o título do livro da escritora americana Ilene Beckerman) está o mundo cheio. Mas voltemos ao início deste texto, para recordar que, mesmo com o coração partido, “o sonho mais fundamental é o amor”, como estava escrito no videowall do concerto do James Arthur. E é preciso continuar a sonhar, para se continuar a amar!

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