Espetáculos Nacionais

Guns N´ Roses no Estádio Cidade de Coimbra apenas a cumprir calendário

No sexto concerto que os Guns N´ Roses deram em Portugal, desde que se formaram, em 1985, a banda californiana compensou a ausência de surpresa e de novidade e a pouca interação com o público com um concerto longa duração (duas horas e quarenta e cinco minutos), ao longo do qual se ouviram todos os êxitos do grupo, num estádio praticamente lotado.

A temporada da digressão “Because What You Want & What You Get Are Two Completely Different Things”, dos Guns N´Roses, ainda nem sequer vai a meio em solo europeu e a banda já faz gestão de esforço. A tourné arrancou no início do mês, na Coreia do Sul, já tem uma segunda parte agendada com mais treze concertos nos países da América Latina, entre outubro e novembro, e poupar a formação a ousadias e percalços parece ser a estratégia.

Isso mesmo percebeu-se no concerto desta noite no Estádio Cidade de Coimbra (cuja acústica em determinadas zonas do recinto se revelou duvidosa). A jogada consistiu numa setlist de 30 temas semelhante à dos concertos dados nos países anteriores a Portugal, apenas com troca de posição de algumas músicas no alinhamento; nenhuma surpresa; pouca margem para improviso; alternância entre canções que se tornaram sucessos mundiais e temas menos conhecidos; um Axl Rose (o vocalista) parco em palavras e, à medida que os anos passam, com quebras de ritmo, com mais dificuldade em atingir determinadas notas, a perder amplitude vocal e a perder capacidade de fazer os falsetes que o celebrizaram, mas a ser ancorado e protegido pela retaguarda musical de guitarradas a gritar para abafar eventuais falhas; e pausas e espaçamentos demasiado grandes entre as músicas, sobretudo na parte final do espetáculo, a sugerir a necessidade de tempos de repouso.

Ainda assim, os Guns N´ Roses cumprem e marcam pontos. Cumpriram e marcaram, em Coimbra. Porque continuam a ser uma banda multigeracional, capaz de atrair públicos de todas as idades e de todas as gerações, como se viu neste 6 de junho. Por outro lado, quem já tinha visto vários espetáculos desta formação californiana e não tinha grandes expetativas para este concerto, pôde reviver a nostalgia e relembrar os exuberantes shows de outros tempos, quase que a condizer com o lettering da T-Shirt preta do guitarrista Slash, que dizia “Blue note”. Enquanto que quem os viu, esta noite, pela primeira vez ficou “maravilhado por os ter sentido ao vivo”. Foi o caso de Ana Margarida, 42 anos, natural de Vila Nova de Gaia, estreante num espetáculo dos Guns N´ Roses, que se manifestou “muito contente por eles terem misturado todas as baladas que queria ouvir com as rockalhadas mais fortes”.

Com efeito, os sons mais hard rock cruzaram-se no primeiro tempo do concerto, logo a abrir com “Welcome to the jungle”, cujo título foi uma frase que um sem abrigo de Nova Iorque dirigiu, em tempos, a um dos elementos da banda. Seguiu-se “Chinese Democracy”, “Bad Obsession”, “Out ta Get Me”, “Mr. Brownstone” e “Slither” (dos Velvet Revolver)”, que pôs Slash a saltitar de guitarra ao peito e que deu lugar ao primeiro agradecimento da noite, com um lacónico “thank you”, saído da boca de Axl Rose. Depois, ouviu-se “Live and Let Die” (um original de Paul Mc Cartney, aquando dos Wings), que pôs o público a cantar em coro, e o melódico “Estranged”, inspirado na história do conturbado relacionamento de Axl com sua ex-mulher, Erin Everly. Durante esta canção, o vocalista apresentou o teclista, dizendo “on the piano, Mr. Dizzy Reed”.

“Absurd” e “Double Talkin’ Jive” antecederam o original de Bob Dylan “Knockin’ on Heaven’s Door”, que pôs a assistência a iluminar a noite de Coimbra com as lanternas dos telemóveis e a cantar em uníssono. “Hard Skool” e “You Could Be Mine” (da banda sonora do filme “Exterminador Implacável 2”) antecederam “Rocket Queen”, ao longo da qual sobressaíram os riffs de guitarra de Slash e planos de pormenor do baixista Duff McKagan a energizar a mise en scene desta dupla.

No tema “Better”, ouviu-se a voz de Melissa Reese, elemento feminino que acompanha a banda desde 2016, e a do baixista Duff McKagan, juntas com a do vocalista e, no fim desta música, Axl Rose voltou a dizer outro abreviado “thank you”. Seguiu-se “Coma”, no fim da qual Axl introduziu o baixista Duff McKagan, que cantou “New Rose” (dos britânicos The Damned).

No final da canção “So Easy”, o vocalista Axl Rose apresentou todos os elementos da banda (Slash, Duff McKagan, Richard Fortus, Dizzy Reed, Melissa Reese e Isaac Carpenter) e os três homens das guitarras (Slash, Duff McKagan e Richard Fortus) fizeram um solo muito aplaudido pelo público, que deixava antever o tema que se seguiria: o incontornável “Sweet child o´mine”, considerada uma das melhores canções de rock de todos os tempos.

No atual tempo de guerras, os Guns N´Roses mantiveram, também no alinhamento “Civil War”, uma melodia poderosa em jeito de crítica social e política, que fala sobre o horror das guerras civis e do impacto devastador que elas têm sobre as pessoas e sobre a sociedade. A sequência de baladas prosseguiu com o mega sucesso “November Rain” a voltar a iluminar o estádio de luzes de telemóveis. Depois, Axl cantou “Wichita Lineman” (da autoria do cantor norte-americano Jimmy Webb), interpretou “Patience” (do longínquo álbum de 1988 “Lies”) e “Don’t Cry”.

O espetáculo do Estádio Cidade de Coimbra terminou com “Used to Love Her”, “Down on the Farm” (da banda de punk rock inglesa UK Subs), “Nightrain”, uma canção que homenageia a famosa marca de vinho californiano Night Train Express, que os Guns N´Roses consumiam nos primeiros anos de formação, e “Paradise City”, a poderosa canção que nos convoca para os lugares idealizados da fantasia, como escape e evasão à dureza e negritude da realidade.

Terminado “Paradise City”, a banda regressou ao palco para se despedir. Slash ficou para trás, a atirar palhetas da guitarra para o público e a plateia ovacionou o icónico rosto do grupo, reconhecendo-lhe a mestria na arte de tocar guitarra e a iconicidade de ser o rosto e a alma dos Guns N´ Roses, talvez até mais que o próprio vocalista Axl Rose.

Neste concerto para cumprir calendário, houve quem saísse do relvado com a sensação de que esta poderá ter sido a última digressão da carreira dos Guns N´ Roses. O jogo deste grupo vai longo. Dura há já 40 anos, tem sido marcado por separações de elementos, substituições, reagrupamentos, machados de guerra enterrados e desentendimentos ultrapassados entre egos disfuncionais. Mas nota-se que o fulgor perdeu-se, que a cumplicidade do grupo dissipou-se e que o prolongamento só continua por causa da teimosia orgulhosa de Axl Rose. Não há problema se o jogo dos Guns N´ (fucking) Roses chegar ao fim. Porque o público vai ter sempre as rosas!

@joaopadinha/ Everything Is New

 

 

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9 Comments

  1. Que título mais injusto “para cumprir calendário “ e sem surpresas. Eu estive no concerto e adorei . É verdade que o som não esteve á altura da performance do grupo . Mas falar em egos e falta da fulgor e cumplicidade? Quando a banda segue junta tocando quase 3 horas e com uma óptima disposição com alguns elementos com mais de 60 anos é no mínimo ridículo! Não sei o que é que este autor esperava.

    1. Subscrevo completamente e também estive lá. Noite memorável! Será mais difícil falar bem do que esteve muito bem, ambiente, luzes, o esforço e as corridas no palco de Axl com 63 anos!

  2. Gostei mesmo bastante , foi um espetáculo que aumentou gradualmente ao longo das quase 3 horas…. O som podia ser melhor , mas a banda e os artistas estavam lá e não faltou nada , foram 3 horas épicas … se a voz e a força da banda era a mesma da força da mesma há 30 anos ??!!
    Meus queridíssimos críticos , e mortais !!! Então vocês conseguem fazer o mesmo hoje com 50 ou 60 anos o que faziam com 20 ?!
    Não val mentir ok ?
    Há quem diga com 60 anos que faz amor todos dias, e eu pergunto ; então aos 20 anos fazias 10 vezes por dia ??
    Foi um excelente espetáculo

  3. Não acho nada injusto o titulo, Muito de acordo. Já li hoje na imprensa criticas bem piores. Também sou suspeito. Já os vi três vezes. Este foi mesmo o mais fraquinho. Faltou mesmo a ligação do vocalista com o público, o som péssimo (…).

  4. Click bait. Que injusto…
    Estive lá. Foi épico! Grande respeiro pelos artistas que rondam os 60 anos e deram tudo o que tinham em palco. Incrível!!

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