São idosos, falam de amor, paixão e de sexo. São testemunhos na primeira pessoa, de pessoas que, apesar da idade, ainda se sentem “vivas para amar”, falam de paixões na terceira idade, de namoro, de experiências, de represálias ou mesmo da necessidade de ficarem eternamente sós, por respeito à pessoa com quem viveram uma vida.
Fomos à descoberta de quem, apesar da idade, ainda se sente “vivo e livre para amar”. São histórias de quem se mostrou disponível para falar à nossa reportagem de um assunto que, para muitos, é ainda tabu. Encontramos quem pedisse o anonimato, por uma questão de “privacidade pessoal e familiar”, mas todos revelaram que o amor não tem idade, e, sim, “é possível a paixão e o amor com rugas”.
A primeira história de amor chega de um casal que se apaixonou recentemente. Ele tem 82 anos, ela 86 e ambos são utentes do Lar da Santa Casa (Estatuto Residencial para Idosos). “Foi quase que um amor à primeira vista”, confessam. João, vamos assim chamar-lhe, disse convicto: “quando a vi pela primeira vez, disse para comigo: vai ali uma passarinha, porque a achei muito bonita, elegante e a sua forma de andar é como se fosse a voar” (risos). Elogios que a sua “namorada”, sentada a seu lado, gostou de ouvir e concorda quando ele diz que a acha muito “gira”. “Gosto de me ver ao espelho, de me arranjar, de me cuidar, de receber beijinhos, abraços… sou uma mulher que está viva!”.
A amizade de ambos foi aumentando através do convívio e das conversas que ambos foram construindo. Mas foi numa visita ao Museu da Chapelaria que o cupido os aproximou. “Acho que foram os chapéus que nos uniram”. Ele assume que já olhava para ela de forma “apaixonada”, ela garante que foi nessa visita que “comecei a olhar para ele de uma forma diferente e já de uma forma apaixonada, pois aqui já lhe tinha piscado o olho”, revela acompanhada de uma forte gargalhada. Carla (nome fictício) diz que existe sempre na instituição quem comente esta nossa aproximação, mas “não me importo que falem, só não quero é que me chamem nomes”.
A relação de ambos tem vindo a aumentar a cada dia que passa. “Sabe, gosto mesmo muito dele, sinto-me muito feliz, acarinhada, fazemos as refeições juntos… que mais podemos querer nesta idade, não é?”, fixando-o nos olhos. E casar e o sexo é também importante na vossa idade? “Claro que o sexo é importante mas ainda não aconteceu (risos) e tudo tem o seu tempo”, assumem. Casar não é prioridade para ambos. “Mais do que o casamento, está a nossa cumplicidade”. E se julgam que nestas idades o ciúme não acontece, estão enganados. “Ela é muito ciumenta. Ainda ontem eu estava no jardim e passou uma rapariga nova e eu olhei porque não estou cego e ela perguntou logo porque é que eu estava a olhar para ela” (risos). Mas confessa: “eu também sou ciumento, mas ela que não saiba”, gracejou. O casal faz questão de manter este “romance” de forma discreta, como tem sido até aqui. “Fazemos as coisas como devem ser feitas, confiamos muito um no outro, somos livres, adultos, estamos vivos e temos o direito e merecemos ser felizes”. E em jeito de desabafo, Carla confessa: “eu sou mais romântica do que ele. Já lhe dei um frasco de mel para ele tratar da rouquidão e um queijo” e ele “ainda não me deu uma flor”, mas “quando o olhar dele diz-me muito e eu já fico satisfeita”, concluiu.
Ainda pela Santa Casa da Misericórdia descobrimos um outro casal de namorados e que até pensam em casar. Miguel (nome fictício) entrou para a instituição há cerca de três anos. Andava numa cadeira de rodas e tinha várias limitações físicas. “Foi ela que me ajudou. Hoje estou como estou graças a tudo o que ela fez por mim. Ajudava-me a comer, a andar e o amor entre nós foi crescendo”, confessa aos 70 anos. Divorciado há já vários anos, diz de forma envergonhada que “o amor muda tudo” e esta cumplicidade com a “sua namorada” é a prova disso. Mais sorridente estava Susana, também nome fictício. “Eu nunca namorei e se calhar vai ser nesta idade que vou casar, pois penso nisso”. Aos 67 anos, não esconde a felicidade que ambos sentem mesmo com “os comentários que fazem aqui dentro”, algo que aos poucos “vamos ultrapassando”. Miguel diz que até é um homem romântico, mas não gosta de “andar agarradinho”, gosta de dar “beijinhos na sua namorada”, pois acha-a bonita, com uns olhos muito bonitos e é vaidosa, pois que “muda muitas vezes de roupa”.
O casal vive “um sonho que é real”, adoram passear, “de namorar no banco do jardim”, de conviver, mas têm dificuldade de explicar o que sentem um pelo outro, mas é algo muito forte, asseguram. Miguel é um homem que, apesar de tímido, é bem disposto e questiona se existe idade para amar? “Não existe idade para nada. Podemos fazer tudo o que os novos fazem. Até na cama”, assegura, deixando a companheira de rosto caído e pálido.
Manuel Pereira, tem 78 anos e vive numa freguesia de Santa Maria da Feira. Foi casado mais de 40 anos com uma mulher de “muito bom coração, boa mãe e dona de casa”, enviuvou dela há mais de 25 anos e prometeu nunca mais se apaixonar ou casar. “Aprendi a viver sozinho, a manter a casa como ela a deixou, com as nossas coisas no lugar que ela gostava”. Assume que vive uma solidão “infinita” e que muitas vezes sente a vontade de ir ao “cemitério, e lá sinto-me bem”. Manuel entende que casar depois de enviuvar seria como uma traição. “Meter uma mulher a ocupar o espaço dela… nunca”, pois garante que é um homem conservador e de um amor só. “Se Deus quis assim (…)”.
A próxima história é de um casal que vive numa freguesia próxima de S. João da Madeira e que se apaixonou quando ele tinha cerca de 70 anos e ela 60. Ele era viúvo, ela também e a experiência “não tinha sido nada agradável para ela”, refere Rosa (nome fictício). Apesar de sempre dizer que nunca mais na vida se apaixonaria por alguém, pois “sofri muito com o primeiro casamento”, estava longe de imaginar de que um dia ia voltar a casar, o certo é que isso aconteceu. “Ele era um homem de muito charme, com poucas rugas, educado, muito respeitador, bom falante, vivia só e as coisas foram acontecendo de uma forma muito natural”, até que um dia casaram.
Rosa explica que nestas idades o amor “existe”, mas é diferente daquele que se sente quando somos mais novos. “O amor, agora, tem um afecto diferente. É de muito respeito, cumplicidade, companhia e de muita humanidade”, porque a idade assim o exige.
E, para aqueles que pensam que com esta idade não é possível ser feliz debaixo dos lençóis, que se engane. “É possível ser feliz, ter prazer, respeitando a idade que cada um tem”, concluiu.
Hormona do amor na terceira idade
Ana Oliveira é Psicóloga Clínica nas Valências de Terceira Idade da Santa Casa da Misericórdia desde 2006 e, ao longo dos anos, salienta que tem vindo a constatar que existem dois tipos de situações: os casais que se inscrevem no lar e, a dois, resolvem ingressar juntos na instituição e os casais constituídos por utentes do lar que se conhecem aqui, posteriormente à sua admissão. Relativamente ao segundo caso, “nota-se uma mudança nas mentalidades, dado que, actualmente, já existe uma maior aceitação destes, principalmente por parte dos outros utentes e até mesmo dos próprios familiares”.
A psicóloga considera ainda que “este sentimento romântico, muito mais relacionado com o companheirismo, pode ser uma grande mais-valia nesta fase da vida. O amor é um sentimento bom e positivo, que mesmo a nível químico estimula a produção da chamada hormona do amor, a oxitocina. Aumenta a auto-estima e a sensação de felicidade. Em todas as idades!”.
Ana Oliveira concluiu que é “bom podermos assistir a esta mudança de mentalidades” e comprovar que, “o amor não tem idade!”.
Texto: António Gomes Costa
Foto: DR