Entrevistas
Paulo Betti: “Gostava de ser recordado como alguém que suou a camisa, e que lutou para que as coisas fossem melhores”
Já perdeu a conta das entrevistas que deu desde que chegou a Portugal. Mas, apesar disso, não revela sinais de cansaço e o sorriso acompanha-o. O ator brasileiro Paulo Betti, rosto bem conhecido dos portugueses pela sua participação em dezenas de novelas, está em digressão em Portugal. “Autobiografia Autorizada”, um monólogo interpretado pelo próprio, e que assinala os seus 40 anos de carreira, passou recentemente pelo Teatro Sá da Bandeira, no Porto. À conversa com a AIN, confessou-nos a sua admiração pela beleza desta sala de espetáculos, onde subiu ao palco pela primeira vez, assumiu-se um admirador da Livraria Lello e forte apreciador de um bom Vinho do Porto.
Andreia Gonçalves
Agência de Informação Norte – Esta é uma sala que visita pela primeira vez. Como é que o Porto e Portugal o estão a receber?
Paulo Betti –Ah, eu estou sendo muito bem recebido, em Portugal, estou muito feliz, por ter esta oportunidade da casa da língua portuguesa que me tem levado para esta digressão especial, em lugares unusuais, e nesta sala emblemática, muito bonita e um lugar com muita tradição de teatro. É uma honra fazer as três apresentações na cidade do Porto. E estou muito feliz, porque o público português está a divertir-se com a peça e a emocionar-se. Eu tinha dúvidas se a comunicação aconteceria. Agora, já fiz seis apresentações. Já tenho a certeza que funciona.
É uma grande pretensão fazer o público rir e emocionar-se. Mas, eu acho que estamos a conseguir.
Autobiografia Autorizada”. Esta era a peça que faltava na sua carreira de ator?
Eu acho que sim. Honestamente, eu não pensei nesta data para comemorar. Isso foi uma invenção, por parte da área de divulgação. Não é uma comemoração de data nenhuma, era apenas um desejo, de ter uma peça que tivesse mais mobilidade, que fosse mais fácil, em questões de agenda, como estou a cumprir aqui. E calhou ser o monólogo. Fui consultar os meus escritos, as minhas anotações, e já estava lá escrito. Então eu pensei que seria divertido, e que seria emocionante fazer esta viagem, em busca do me avô, da minha avô, dos meus pais e dos meus irmãos. O que tem acontecido, é que a peça desperta ao espectador, a vontade de valorizar a sua própria história e o interesse nos outros em contar as suas próprias histórias. Acho que, às vezes, esquecemo-nos dos nossos antepassados.
Este monólogo fala da sua família, da sua vida e de um Brasil dos anos 50. Posso concluir que este monólogo é uma homenagem à sua família?
É uma forma de homenageá-los, não só à minha família, mas também a todos os emigrantes italianos, e como foi dura a vida deles, como é um pouco este Brasil profundo, que mistura negros italianos, essa mistura é muito forte. Até existe samba italiano. Eu canto até um trecho de um samba italiano na peça (risos).
O espetáculo foi todo concebido por Paulo Betti, desde a iluminação, o figurino, a música, o cenário e as projeções. Tudo pensado ao pormenor por si?
Esta foi uma peça que, de alguma forma, estava escrita e não me tinha
apercebido. Essa é uma das tarefas mais difíceis, quando escrevi a minha primeira versão, tinha 4 horas, eu testei em leituras em vários teatros e eu fui percebendo o que era de interesse maior. Difícil é cortar… Vou tirar essa foto do meu irmão, essa foto minha, do meu avô, era como cortar na minha própria carne. Tirar tudo isso é muito difícil. Foi uma das tarefas mais complicadas cortar.
Tem noção que os portugueses gostam muito de si?
Risos. Apercebi-me. Portugal é como o seio materno para nós, assim como o Brasil também é para os portugueses. E sinto que o meu trabalho na televisão cai no gosto do povo. Eu sinto um carinho enorme, e estou a ser acarinhado e mimado. Os brasileiros estão encantados com Portugal. Parece que 160 mil estão a viver aqui. E nesta altura conhecer mais a fundo Portugal é um privilégio. Tendo em conta que fiz apresentações nas ilhas também.
Mas já esteve em Troia, no Festival de cinema…
É verdade. Eu já estive aqui, em Troia no festival de cinema. Mas, o que as pessoas conhecem é o Paulo da televisão. E, agora, vão conhecer, no teatro, a infância do Paulo, e descobrirem que a minha religião é o culto aos antepassados.
Mas, o Paulo começou por ser professor…
Eu sempre representei e lecionei. Um trabalho no teatro ou na televisão sempre é um aprendizado. Eu tenho muito gosto de ser professor, gosto do debate, da palestra. Gosto do final da peça, de falar sobre a história do teatro. O teatro, o cinema e a televisão são o meu lugar- Gosto de ensinar e gosto de aprender. Nós, os atores, ao mesmo tempo que somos vaidosos, somos também inseguros. Temos sempre que estar a estudar, pois nunca estamos satisfeitos com o que sabemos.
Tieta ou o Império são certamente novelas que mais estarão na memória dos portugueses. Teo Pereira da Telenovela Império marcou a sua vida? Qual o personagem que foi mais marcante para si?
Esse personagem que Portugal gosta, o Timóteo. Aquele momento foi um momento muito intenso, demorou 8 meses a um ano. Estava muito ligado, era muito jovem, tinha muita garra, e isso acaba por passar para o personagem no dia-a-dia. A novela era uma maratona. Eu estava envolvido em campanhas políticas, e tudo aquilo injetava energia no personagem.
O Teo Pereira já é um personagem mais recente, que fazia a satisfação do pessoal da técnica, porque quando eles riem, percebemos o impacto do personagem. Foi muito divertido. No estúdio todos riam muito. Tinha cenas que eu escorregava e descia para debaixo da cadeira.
Olhando para estes 40 anos…o que lhe apetece dizer?
Eu… Quero dizer que estou velho (risos). Que o tempo passa. Uma dedicação à profissão. Hoje percebo que durante 25 anos cuidei de um teatro, um pequeno centro cultural, na casa da Gávia, onde fizemos leituras de textos, todas as segunda feiras, ( leituras públicas). Lêmos 3000 peças de novos dramaturgos. Ou, então, ciclos com peças clássicas. Durante 8 anos dei aulas.
Então são mais de 40 anos de profissão…
Na verdade devem ser uns 47 anos, que estou nesta profissão, na luta, me relacionando com os colegas. Acho uma profissão apaixonante. O músico se expõe com o instrumento, ele executa alguma coisa, e nós, atores, executamos o nosso corpo, temos que expor com o nosso corpo. Essa profissão é um pouco insalubre. Cada personagem nos impregna um pouco, desde o olhar de quem me vê, até uma leitura mais Pireliniana “Quem me vê, reflete para mim, algo que já não sou mais. Eu sou um pouco Timóteo e sou um pouco Teo Pereira, porque o público me vê, também como ele… E, assim, somos todos deformados pelas nossas profissões, tal como o médico, o dentista, o ator…
A história da sua mãe é fantástica. 14 filhos e, depois, mais tarde, mais um… Os seus irmãos depositaram nas suas mãos tudo. Foi também uma grande responsabilidade para si…A relação com a sua mãe foi sempre muito mais forte do que com o seu pai…
Sim, eu tive muita sorte. A estrela brilhou para mim. São tantas oportunidades que temos para nos dar mal, tive muita sorte em ter frequentado boas escolas, o que não estava destinado para mim, pois eu era filho de uma empregada doméstica, e a patroa da minha mãe me indicava para boas escolas, até para libertar a minha mãe.
A sorte abençoa a gente! Já havia um jogador de futebol que dizia: “Quanto mais eu tremo mais sorte eu tenho”. A minha mãe foi a pessoa forte e uma pessoa extraordinária. Os meus irmãos também me influenciaram muito. Mas, a minha mãe era dramática, fazia chantagem, ela chorava, uma personagem muito forte.
Quanto aos meus irmãos, todos me mimaram, me protegeram. Mas, eu tinha a noção da responsabilidade em relação à minha família, por causa da doença do meu pai. Daí a mania e o vício de anotar. Era uma fuga e uma forma de me compreender. Era como se fosse uma análise, era como se eu me entendesse ou digerisse melhor. Foi uma coisa positiva.
Os livros são ainda hoje um dos seus melhores amigos?
Eu trouxe para ler, porque eu não conhecia, e praticamente saltou-me ao colo, Miguel Torga, ilustre escritor português que viveu no Brasil, a infância e a adolescência. Trabalhava como vaqueiro, caçador de cobras. Trouxe um outro livro, Luanda e ainda Lisboa Paraíso. Eu digo sempre aos jovens que querem ser atores: a literatura é um bom refúgio, eu influencio muito, os jovens atores a tomar notas e a ler.
O que gosta na cidade do Porto?
Uma das coisas que mais gosto é a livraria Lello. É fantástica e aquilo que todos os que gostam de livros gostariam de ver. E o vinho do Porto, naturalmente.
Como gostava de um dia ser recordado?
Gostava de ser recordado como alguém que suou a camisa, e que lutou para que as coisas fossem melhores. Nós vivemos um momento complicado, relativamente, ao ambiente e, por isso, quero ser visto como alguém que tentou participar no seu tempo e transformá-lo.