Opinião

O Mundo está diferente, para os velhos talvez não

O mundo está diferente, as pessoas estão diferentes, nada está igual.

Nas redes sociais, as histórias já não são mais as festas da moda, o carro topo de gama, as roupas de marcas caras ou os jantares naquele restaurante onde quem ganha o ordenado mínimo não pode frequentar; ou talvez frequente só para fazer uma storie para o instagram e depois passa o resto do mês a pão e água. Naquele tempo, e só lá vão duas semanas, só as aparências importavam. E naquele tempo e naquelas redes, até os infelizes aparentavam ser os mais felizes de todos.

E de repente, aparece um vírus que ataca ricos e pobres, homens e mulheres, negros e brancos, heterossexuais e comunidade LGBTQI, novos e velhos. Na verdade, mais homens do que mulheres e mais velhos do que novos.

Este vírus ditou o isolamento social e os mais velhos vão sendo os mais resistentes. Dizem que eles não gostam de mudar hábitos, mas talvez poucos tenham percebido que essa é a sua realidade quotidiana: a solidão. Sair à rua por estes dias é talvez um grito de liberdade, um chamar de atenção. E acredito que é bem mais dolorosa a solidão do que o isolamento.

Nós sempre isolamos os mais velhos, sempre os empurramos para os lares onde a maioria deles trata-os como crianças dando-lhes jogos que até o jardim de infância já não utiliza. Que os manda pintar folhas castanhas no outono e desenhar amêndoas na páscoa.

Este é o país que tem lares clandestinos, mas que toda a gente sabe da sua existência. Que não controla a qualidade técnica desses locais e se não faziam as coisas basilares correctamente, chegamos aqui e muitos deles não tem um plano de  contenção para esta pandemia.

Tenho pena, muita pena, quando ouço pessoas, e até políticos dizerem que esta gripe só mata os mais velhos e que isso “é a seleção natural da vida”. Esquecemos que é a esses mais velhos que devemos aquilo que hoje somos e temos. Foram eles que arriscaram a vida em guerras, que lutaram pela liberdade e democracia, que contribuíram com impostos e, apesar disso recebem pensões miseráveis, que nos deram muito daquilo que o mundo tem hoje de bom.

Hoje estamos preocupados com os mais velhos, talvez com medo que eles saiam à rua e se contaminem com Covid-19 e andem a espalhar o vírus e isso nos possa atingir. Essa é talvez a nossa maior preocupação, o nosso medo.

Não esqueçamos que temos o dever de cuidar dos nossos velhos porque quando lá chegarmos, também queremos que cuidem de nós.

Por estes dias, dei por mim a ouvir uma das minhas canções favoritas da Mafalda Veiga, que se chama “Velho” e que aqui deixo o poema.

Parado e atento à raiva do silêncio
De um relógio partido e gasto pelo tempo
Estava um velho sentado no banco de um jardim
A recordar fragmentos do passado

Na telefonia tocava uma velha canção
E um jovem cantor falava na solidão
Que sabes tu do canto de estar só assim
Só e abandonado como o velho do jardim?

O olhar triste e cansado procurando alguém
E a gente passa ao seu lado a olhá-lo com desdém
Sabes eu acho que todos fogem de ti prá não ver
A imagem da solidão que irão viver
Quando forem como tu
Um velho sentado num jardim

Passam os dias e sentes que és um perdedor
Já não consegues saber o que tem ou não valor
O teu caminho parece estar mesmo a chegar ao fim
Para dares lugar a outro…

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