Entrevistas

Richard Zimler: “Se alguém me tivesse dito, que eu iria conhecer o meu marido e viver em Portugal e ainda ser escritor, eu teria dito está louco”

Um dos mais conhecidos escritores em Portugal. Norte-americano naturalizado português, o antigo professor de Jornalismo, fala de livros, de política, e do amor que, há quase 40 anos, partilha com o marido, Alexandre Quintanilha. Richard Zimler é autor de romances best sellers em vários Países. “O Último Cabalista de Lisboa”, “Goa”, “Os anagramas de Varsóvia” são alguns dos títulos deste professor, que vive no Porto desde 1990. 

Texto: Andreia Gonçalves
Foto: DR

O que está a escrever neste momento Professor?
Há cerca de dois anos que estou a trabalhar no novo livro. Trata-se de um romance do seculo XVII, que começa na aldeia lindíssima de Figueira de Castelo Rodrigo. E é sobre um jovem, cuja família fica prejudicada pela Inquisição Portuguesa. A viagem de vida que o personagem faz ao longo de 40 anos.

Estas suas escolhas temáticas são tão sérias e difíceis para trabalhar, com criação bastante demorada. O seu fascínio pelos judeus abrem-nos janelas para conhecermos melhor a história…
Primeiro  eu sou judeu,  eu conheço esse mundo, a historia e os rituais. O judaísmo em Portugal foi esquecido ao longo de muitos séculos, O povo judeu foi convertido, depois perseguido, ao longo de 250 anos. Uma história nefasta misteriosa, de conspiração, crueldade, mas também de muito amor, paixão e grande coragem. Para mim, trabalhar estes temas é abrir uma porta para o leitor entrar e descobrir as grandes questões da vida.

Quando era jovem e trabalhou para a marca Victoria Secret. Tinha alguma ideia, que iria encontrar o amor da sua vida em São Francisco e viver em Portugal, no Porto ?
Se alguém me tivesse dito, que eu iria conhecer o meu marido e viver em Portugal e ainda ser escritor,  eu teria dito ” está louco”. Eu não sabia nada sobre Portugal. No máximo falamos uma hora sobre Portugal na escola. Sabia pouco mais do que o nome dos grandes descobridores. Parece que estou a viver uma aventura imprevisível.
Na vida vamos encontrar pessoas que mudam, radicalmente, o nosso caminho. Isso faz parte do grande mistério da vida e da alegria de ser “ser humano.  A paixão por alguém, por uma profissão ou arte vai nos conduzir para sítios inesperados. A paixão leva-nos para os nossos caminhos. Na minha opinião não deve ser o dinheiro a definir a nossa vida, mas sim as nossas paixões.

A homossexualidade em Portugal ainda é visto como tabu?
Primeiro acho que Portugal já fez um avanço enorme. Quando cheguei em 1990 era um tabu, um drama. E hoje sei através dos jovens que conheço que já passou a ser, apenas, um pequeno drama. Nas cidades do Porto, Lisboa, Coimbra, Faro, já não é uma catástrofe. São muitos os alunos e os jovens que entram em contato comigo para me dizerem que eu lhes dei coragem para falar com os meus familiares e para assumirem o que realmente são. Quando nos assumimos sai um peso enorme dos ombros. E ficamos livres como se tivéssemos asas para voar. Eu fico muito feliz por ter este feedback dos jovens.

Há quem tenha a ideia que um escritor de best sellers é um homem rico. Mito ou verdade?
É mito (risos). Eu recebo os royalties, qualquer coisa como 2 euros em cada livro e desse dinheiro tenho de pagar impostos e agentes etc. para ter uma vida razoável eu tenho de vender pelos menos dez mil exemplares, e essa meta em Portugal é muito difícil… Por isso temos de ter outra profissão.
No mundo inteiro só 1 ou 2 por cento conseguem viver a vida sendo romancistas.  Eu tenho uma vantagem, ver os meus livros editados a nível internacional. Por isso, não me queixo. Sou grato por isso.

Richard Zimler, escreve os romances em inglês.  E para escrever para crianças pensa e escreve em português. Como isso acontece?
Para pessoas bilingue é quase automático. O que não é o meu caso. Leva-me pelo menos de 30 segundos para mudar o mapa de língua na minha cabeça.
Eu posso dizer que tenho uma personalidade diferente em inglês, que sou mais brincalhão, consigo entrar na codificação da língua americana. Algo que no idioma português não me acontece. Por isso quanto estou a pensar e a falar em português, sou mais sério.

Como é que o americano, que também é português, olha para a politica de Donald Trump?
Trump é uma aberração, é um sociopata, psicopata e mentiroso. Para ele, tudo o que ele diga é um facto. Ele é uma pessoa doente. Quando ele foi eleito, eu fiquei doente fisicamente. Ver um racista na casa branca é assustador.  Eu não consigo ver as conferências de Donald Trump, durante a pandemia que estamos a atravessar, porque me deixa profundamente irritado.  Tal como fico ao ver Bolsonaro, ou Boris Johnson. Temos gente super incompetente a governar Países muito importantes.
Nas filipinas estão a colocar pessoas em gaiolas portadoras do Vírus Covid 19.  Para mim isto é um período surrealista.

Será que é possível tirar estas pessoas dos governos a curto prazo?
Eu não tenho a certeza que isso vá acontecer. Três quartos da população americana não consegue distinguir entre o significado de uma mentira e de um facto. Estamos a viver um período de ignorância brutal. A não ser que consigamos mudar o nosso sistema de educação, com gente mais preparada, inteligente, sensível e curiosa, não sei qual será o futuro do nosso planeta.

Que avaliação faz dos media nos tempos atuais?
Estamos a viver numa fase terrível. Já não há jornalismo de investigação, porque é dispendioso. É mais fácil fazer um artigo que vai originar cliques por isso se vender sexo, crimes, etc.
O jornalismo tem um papel importante na defesa da democracia e não estou a ver isso acontecer. Quando se convida um nazista para um programa de televisão e se pergunta se precisamos de um novo Salazar, isto é terrível. Porque esta profissional incompetente pergunta se precisamos de outra ditadura…?  Ninguém entende que a democracia é algo frágil…?.

Há notícias que chocam e comentários de que a pena de morte devia existir em Portugal trazidos pela raiva. Que comentário lhe merece, sendo o Richard norte Americano, onde em alguns estados esta pena existe?
Não podemos fazer justiça com a nossa raiva e com a nossa emoção. A justiça é mais racional, mais lógica e foi criada para o efeito.
O problema de abuso penetra na sociedade, diariamente, há abusos diários. e temos de enfrentar este problema como uma sociedade por inteiro. Sem uma ajuda como uma mulher abusada pode sair de casa?  Fugir? Este problema é enorme.
E, lembro que quando cheguei a Portugal, as pessoas me diziam que não haviam abusos de crianças  nem de mulheres. Era tudo uma fantasia. Temos de tomar medidas concretas para defender as vitimas de abuso para evitar estes números.

Se o convidasse para ir comigo, agora, fazer uma reportagem. Seria sobre…
Pergunta difícil, mas a reportagem poderia ser sobre teorias de conspiração. Hoje em dia há pessoas, na América, Portugal, Brasil seriamente interessadas em acreditar nestas teorias. seria interessante investigar de onde surgem.

Ir de máscara ao Cinema, será viável para si?
Eu acho que ir de máscara ao cinema, não me faz confusão. Uso a máscara diariamente e isso não me assusta, O que penso é que no período pós Covid 19 vamos todos sofrer de ansiedade, e ter receio de abraçar alguém, dar dois beijinhos em alguém, porque nos perturbará a ideia de o outro poder estar infetado. Eu já passei pela pandemia da SIDA e tinha medo e não confiava nas outras pessoas. E acredito que com este vírus vai acontecer o mesmo.

O livro que Richard Zimler recomenda…
Há um romance americano, que aconselho sempre de Willa Cather Minha Ántonia.

Se não tivesse sido um jornalista, escritor, seria um grande desportista?
Não tinha talento suficiente. Nunca seria um Michael Jordan, apesar do basquetebol ser uma das minhas grandes paixões. O desporto dá à criança a possibilidade de conhecer as suas capacidades físicas e o próprio corpo.

Gosta de dançar?
Eu adoro dançar, dancei muitos nos finais dos anos 60 e inícios de 70. Adorava as músicas de Rolling Stones. Os Beatles mudaram a minha vida, comprei o primeiro vinil aos 8 anos. Eu chorei quando mataram John Lennon. eles apareciam nos filmes e na televisão e faziam parte da nossa vida.

Já escreveu um guião para cinema. Se tivesse de iniciar um agora, sobre a sua vida, como iniciaria?
Foi tudo imprevisível…

A última carta que escreveu ao seu marido foi em inglês ou português?
Em inglês, O amor é para mim fala inglês. Em português, só escrevo ataques (risos)

A viagem mais bonita que já fez com o grande amor da sua vida?
A uma ilha na Nova Zelândia.

Quem é Zimler, afinal?
Alguém que gosta de cozinhar, observar pássaros, e grato por viver há 40 anos com a pessoa que amo. Gosto da cor azul que a minha mãe me dizia que me ficava bem pois as roupas combinavam os a cor dos meus olhos. Orgulho-me de vestir um cachecol azul, Alice Vieira (risos).

 

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