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Amares: O efeito terapêutico das vindimas, num ano que promete bom vinho

Com as vindimas a decorrer de Norte a Sul do país e com expetativas de que a produção deste ano seja de boa qualidade, a Agência de Informação Norte acompanhou a colheita da uva no Solar das Bouças - Art & Wine, uma quinta em Amares, Braga, que produz vinhos verdes e exporta toda a produção. Jovens e idosos, estreantes nas vindimas e repetentes, participam neste trabalho sazonal, que garantem ser terapêutico, bom para aliviar a cabeça e o stress do dia-a-dia.

O sol tórrido da tarde de uma sexta-feira marcada por incêndios em várias regiões do país não afasta a boa disposição de quem vindima na quinta do Solar das Bouças – Art & Wine, em Amares, Braga.

De chapéus na cabeça e T-shirts verdes com o logotipo da quinta, trinta pessoas colhem, por dia, ao longo de duas semanas de vindimas, entre 20 e 22 toneladas de uvas brancas. 24 dessas pessoas apanham as uvas, com tesouras, enquanto 6 outras, neste caso, homens, carregam as caixas de uvas cheias para cima do trator. Uns são estreantes na experiência de apanhar uvas, outros são repetentes. Têm idades compreendidas ente os 23 e os 79 anos.

José Lopes, 48 anos, residente em Amares, é apontado pelos restantes vindimeiros como “o mais brincalhão do grupo”. Assume que está sempre a pregar partidas às pessoas porque “ajuda a passar o tempo”, é uma forma de estarem “sempre divertidos” e porque não gosta de ambientes monótonos. Novato a vindimar, diz que chegou a esta quinta “através de um amigo que sempre fez aqui vindimas”. Acrescenta que “está a ser uma experiência boa” para a qual contribui os conhecimentos que já traz de outros trabalhos na montagem de estruturas, de rega e de plantações de kiwis, mirtilos e amoras.

Estreante é também Marlene Soares, 33 anos, natural de São Tomé e Príncipe, a viver em Portugal há cinco meses. Diz ela que está a gostar muito destes dias de trabalho no campo por ser “um ambiente muito bonito” e por esta atividade ter semelhanças com o que já tinha feito no seu país de origem, na colheita do cacau: “é parecido, uma vez que o cacau tem de se cortar com gancho, enquanto a uva é com a tesoura”.

Por considerar ser “bom conhecer a cultura dos portugueses”, Sérgio Miguel Pereira, 23 anos, oriundo de Terras de Bouro, também participa, este ano, pela primeira vez nas vindimas. Explica este jovem que os pais “antigamente, vindimavam muito”, pelo que desenvolveu o gosto pelas vindimas. “Um colega sugeriu a ideia de vir para aqui” e, sendo um “bom ambiente” e tendo acabado os estudos recentemente, decidiu vir, até porque “isto é mais um passatempo”. Admite que o excesso de calor é uma das maiores dificuldades para quem anda nas vindimas e graceja: “a sorte é que as videiras dão sombra, senão era mais lixado”.

O casal Clara Oliveira, 62 anos, e Cândido Oliveira, 63, residente na vila de Caldelas, participa, igualmente, pela primeira vez, numa vindima. Cândido justifica a presença como forma de ultrapassar “um pequeno problema de saúde”. Depois de ter tido uma trombose, entrou em depressão e não tem dúvidas de que “isto faz bem, a mim e à minha mulher, para a ansiedade, para a depressão, isto é ao ar livre, convive-se com muita gente, é uma terapia e o pessoal é tudo gente boa”. A esposa agradece a Deus por esta oportunidade, dizendo “estamos bem aqui e sentimo-nos bem aqui” e acrescenta “ajudámo-nos um ao outro e conversamos coisas que às vezes nem se conversa em casa”.

No mesmo tom alinham Isaura Ribeiro, participante em vindimas há já sete anos, e Lídia Carvalho, repetente há três. Isaura reconhece que “é quase uma terapia, alivia-me muito o stress”, porque, durante a apanha das uvas, complementa a amiga Lídia, “falamos de coisas nossas, de quem vai para a frente ou fica para trás, cantamos, fazemos umas brincadeiras umas às outras”.

O vindimeiro mais velho deste grupo é Luís Afonso, de 79 anos. Depois de uma vida passada na estrada, como camionista, reformou-se e ocupou-se, nos últimos seis anos, a vindimar. Diz que a vindima “é como se fosse um emprego” e elogia as condições de trabalho proporcionadas por esta quinta, dizendo que “tem três coisas boas”. Dá como exemplo “as pessoas da quinta, da casa, que cá trabalham”, o facto de terem “uma sala para comer, com micro-ondas e frigorífico, pelo que não temos de comer no campo, e entramos e saímos à horinha e temos pausas para comer”. A mesma apreciação positiva sobre o respeito pelos tempos de trabalho faz Isaura Ribeiro, ao afirmar “pegamos às oito, descansamos um quarto de hora às dez, largamos ao meio-dia, voltamos às duas, fazemos pausa à tarde para lanchar, e saímos às seis”.

O que também agrada a Luís Afonso é o facto de as vindimas serem, hoje, mais fáceis. Hoje em dia, diz, “o sistema é mais moderno, mais prático e mais rápido” e “já não é preciso subir escadas de madeira para apanhar as uvas, porque as ramadas são mais baixas”. Por tudo isso, este sexagenário garante que não vai vindimar “para mais lado nenhum” e que, “enquanto puder, é para aqui que eu venho”.

Com efeito, o Solar das Bouças foi pioneiro na introdução do bardo, um sistema de condução de vinha contínua baixo, que consiste numa ou mais fiadas de arame fixas em esteios, entre os quais são plantadas as videiras. António Ressurreição, dono do solar, afirma que “esta quinta foi a primeira, no Vale do Cávado, a introduzir esta “alteração substancial na ocupação da vinha no território”. Contextualiza o investidor que “esta técnica veio de um outro espaço e de um anterior proprietário de vinhas no Douro, que trouxe esta disposição das vinhas para o Vale do Cávado”. A partir daí, o processo “estendeu-se a todas as quintas” desta zona, a ponto de, hoje, não haver “nenhum produtor de vinho nesta região que não tenha a produção em bardo”.

A propriedade do Solar das Bouças estende-se por 34 hectares, cerca de 23 dos quais ocupados com vinhas de três castas de vinhos de uva branca. A principal casta aqui produzida é o Loureiro, disposta em  cerca de dezasseis hectares de plantações. Na quinta é também produzido Alvarinho, ao longo de quatro hectares e meio, e Arinto. João Lago, 29 anos, o agrónomo responsável pela quinta do Solar das Bouças, explica que a parcela de Arinto é a mais recente, foi plantada em 2016, e “apesar de a produção ainda ser reduzida para tirar algumas ilações, já conseguimos perceber que é uma casta apta aqui para as parcelas do nosso solar”. No total, as três parcelas destas três castas permitem “produzir, em anos normais, trezentas toneladas de uva”, acrescenta o agrónomo. Mas nesta quinta só são vinificados “cerca de oitenta mil litros por ano”. Esclarece o jovem que “as uvas que não são necessárias para vinificar no Solar das Bouças são vendidas”.

Expetativas de produção de boa qualidade

António Ressurreição, proprietário Solar da Bouças, estima produzir, este ano, “cerca de cem a cento e cinquenta mil litros de vinho”. Depois de, no ano passado, ter tido “uma quebra extremamente elevada”, por causa de “uma contaminação por uma maleita que destruiu algumas parcelas”, o facto de terem “arrancado vinhas velhas para introduzir vinhas novas” e o bom tempo indiciam melhores resultados que no ano anterior e uma produção de boa qualidade. De resto, se é certo que a ausência de pragas na vinha ajuda a boas colheitas, as características do local das plantações também. António Ressurreição explica que “em termos de exposição solar, esta quinta é excecional, porque nós estamos virados a sul, pelo que enquanto há sol, as nossas vinhas estão sempre sob sol, o que ajuda a atingir níveis de maturação muito elevados”.

A confirmar-se uma produção de qualidade, este vinho terá como destino, na sua maioria, o estrangeiro. Adianta o agrónomo João Lago que “o principal mercado dos vinhos produzidos nesta quinta é a exportação”, sendo os Estados Unidos o principal destino, mas também Noruega, França e Israel.

 

 

 

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12 Comments

  1. Desconhecia por completo. Estou encantado porque na investigação que acabo de fazer verifico que este espaço tem obras de Fernando Pessoa e uma capela com obras do João Cutileiro. Vou agendar visita.
    Pedro Ramos
    Leiria

  2. Uma reportagem muito elegante que mostra aquilo que as televisões não mostram. Um espaço a poucos quilómetros de minha casa que desconhecia.. tanto o vinho como as bouças.
    Rafael
    Chaves

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