Entrevistas

Miguel Telles o Tuga na Cozinha: “Este livro é o espelho da minha cozinha e do meu canal”

O livro 'Tuga na Cozinha', de Miguel Telles, chega hoje às mãos dos portugueses, trazendo um conjunto de receitas que refletem a abordagem simples e genuína do autor à gastronomia portuguesa. Foi nas redes sociais que Miguel lançou o projeto que dá nome ao livro. Arquiteto de formação, trabalhou durante anos na área do Marketing e acabou a largar tudo para se dedicar ao canal de Youtube onde partilha entradas, pratos principais e sobremesas, tudo com base na cozinha tradicional portuguesa. Tem centenas de milhares de seguidores e agora aventura-se numa obra que quer mostrar que preparar refeições não tem de ser difícil e até pode ser terapêutico.

Agência de Informação Norte: O livro Tuga na Cozinha chegou hoje, dia 20, à cozinha dos portugueses. Em que é que se distingue de tantos outros livros de gastronomia e receitas já publicados por outros autores?
Miguel Telles: Para dizer a verdade, não tem nada de diferente. A única coisa que é diferente são as minhas receitas e a minha forma de cozinhar. O único fator diferenciador é esse, porque as receitas que vão encontrar são receitas que estão disponíveis pela internet fora. Não exatamente desta forma, como eu as faço, mas não tem nada mais. Isto basicamente foi uma vontade que eu fiz aos meus subscritores, que já me andam a pedir há muito, muito tempo. Gostavam de ter um livro meu e confesso que a ideia nunca foi aliciante para mim. Mas, entretanto, a editora contactou-me, disse-me que era giro, e eu pensei: bom, vamos lá fazer a vontade às pessoas e pôr isto tudo em papel. E assim nasceu o livro.

Agência de Informação Norte: Mas foi pensado para não ser só mais um?
Miguel Telles: Não, não pensei nisso, porque na verdade não é mais um. Este livro é o espelho da minha cozinha e do meu canal. Portanto, não é mais um livro de cozinha, é mais um livro que, na verdade, a única coisa que traz de novo é a minha forma pessoal e particular de fazer as receitas, a minha forma de cozinhar, porque o resto das receitas não são receitas inovadoras, nem nada que se pareça. Portanto, é um bocadinho trazer o projeto Tuga na Cozinha para o papel.

Agência de Informação Norte: Que receitas os leitores vão encontrar nestas 165 páginas?
Miguel Telles: Receitas maioritariamente portuguesas. Muitas delas já estão no meu canal, outras são exclusivas. Temos receitas de bacalhau, de carne, de peixe… As receitas mais populares que eu tenho no canal. Tive de criar um equilíbrio entre as receitas que tenho no canal e receitas exclusivas, porque também não faria sentido não ter exclusivas no livro. Isto é um processo que é longo. Não acontece de um dia para o outro. Portanto, o processo de seleção foi feito entre as receitas mais populares que tenho no canal e outras que achei que poderiam ser interessantes para os meus leitores.

Agência de Informação Norte: Nunca se viu como um profissional desta área. “Sou apenas um amante da gastronomia portuguesa”, costuma dizer. O que é que o fez avançar para criar o canal de Youtube?
Miguel Telles: (risos) Isto começou um bocadinho fruto daquilo que me aconteceu a nível profissional. Foi quando resolvi sair de uma grande empresa aqui no Norte, onde estava como diretor de Comunicação e Marketing, porque já estava cansado de estar longe da família, e resolvi voltar para Lisboa, para perto da minha família. E, na altura, voltei um bocadinho sem rumo. Tinha uma série de competências profissionais, que fui adquirindo ao longo dos anos, entre elas fotografia, vídeo, marketing digital. Porque estive muito dedicado ao marketing digital nos últimos anos. O que eu não tinha era um motivo, um mote para aplicar essas minhas competências. Pensei em várias coisas, uma delas foi a cozinha.

Agência de Informação Norte: Mas como é que surge esta paixão pela cozinha?
Miguel Telles: Começou porque chegava a casa e não tinha nada para fazer. Basicamente, quando acabava de trabalhar, estava sozinho em casa. Então, chegava a casa e começava a cozinhar. A forma que arranjei de relaxar foi começar a cozinhar. Eu sempre gostei de cozinhar, mas não a este nível, apesar de ter a certeza de que era terapêutico. Mesmo quando chegava a casa tarde, muitas vezes, punha-me a fazer grandes pratos, alguns tradicionais portugueses, bacalhau com natas, e por aí fora, só para mim. Portanto, punha a mesa, abria uma garrafa de vinho, punha música e estava ali duas ou três horas a cozinhar, e quando me apercebia, tinha dias em que jantava perto da meia-noite (risos).

Agência de Informação Norte: E foi assim que nasceu o Tuga na Cozinha…
Miguel Telles: Foi. A dada altura pensei que cozinhar tem uma grande vantagem porque nunca sai de moda. E pensei: bom, porque é que não vou aplicar tudo isto que sei a um projeto culinário? E foi assim que nasceu o Tuga na Cozinha, como uma experiência.

Agência de Informação Norte: Como assim?
Miguel Telles: Porque não tinha a experiência de estar na linha da frente, eu tinha a experiência de quem estava no background, na parte de trás, na parte de Marketing, de todas essas coisas. Eu não sabia o que era estar a carregar conteúdos nas plataformas, nas redes sociais, no Instagram, no YouTube, portanto não tinha essa experiência. Pensei: vou fazer um projeto ligado à gastronomia, mas internacional. Mas como eu não tenho experiência em estar na linha da frente, vou começar por Portugal. O Tuga na Cozinha nasceu como uma experiência para ganhar experiência, para depois me dedicar ao projeto internacional.

Agência de Informação Norte: Acabou por não avançar para o projeto internacional? Não contava com tanta adesão dos seguidores cá?
Miguel Telles: O Tuga na Cozinha começou a crescer muito, comecei a ser muito solicitado, o canal começou a ter bastante sucesso. E estes projetos são autênticos vampiros de conteúdo. Todo o trabalho que apresento exige de mim um grau de exigência totalmente diferente. E demora tempo. Portanto, acabou por consumir todos os meus recursos o meu tempo disponível e acabei por nunca avançar para o internacional.

“Se eu consigo, qualquer pessoa consegue fazer”

Agência de Informação Norte: O facto de não ser um profissional da área é também uma mensagem que quer passar para aqueles que dispensam os tachos e as panelas? O de uma cozinha que não tem de ser difícil?
Miguel Telles: Isso é o tema do meu canal. Eu não tenho qualquer tipo de experiência ou de formação em cozinha, sou completamente um amador. Digo muitas vezes isso: se eu consigo, qualquer pessoa consegue fazer. Não sei mais do que os outros. A ideia é mesmo essa. A forma como cozinho, as receitas, é sempre na perspetiva de alguém que simplesmente gosta de cozinhar. Que não tem experiência e gosta de cozinhar. E tenho recebido muitas mensagens ao longo destes anos de pessoas a dizerem exatamente isso, que tenho sido uma inspiração para elas. Por causa de mim, por causa do meu canal, começaram a cozinhar. E isso deixa-me muito, muito feliz porque era exatamente isso que eu queria.

Agência de Informação Norte: Os vídeos que publica nas suas redes sociais e as transmissões ao vivo que faz nas plataformas digitais não poderão roubar leitores ao livro? Ou é o contrário, acredita que os seguidores vão querer saber mais receitas através do livro?
Miguel Telles: Não, de maneira nenhuma. São coisas diferentes. Por exemplo, uma pessoa quando está a ver um vídeo no YouTube e tenta recriar a receita é uma experiência horrível, porque estamos a ver no telemóvel ou no computador e, quando nos apercebemos, aquilo já desligou. Estamos a cortar as coisas e temos de fazer pausas. A dada altura, já nos perdemos todos e estamos com as mãos sujas. Com o livro, isso não acontece. Está em cima da mesa, está aberto, basta seguir as coordenadas que estão escritas.

Agência de Informação Norte: Tem cerca de 160 mil subscritores no YouTube e 200 mil no Instagram. A que acha que se deve a adesão do público?
Miguel Telles: Acho que o fator diferenciador do Tuga na Cozinha é a forma como me posiciono perante os meus subscritores e sempre foi isso. Tem a ver com a forma como comunico e com a forma como me posiciono perante as pessoas. Não sou um chef de cozinha, nem cozinheiro, e isso foi uma coisa que sempre quis, fiz questão de me manter ao mesmo nível das pessoas que me seguem. Na verdade, sou alguém que está a aprender e estou simplesmente a mostrá-lo às pessoas. Também tenho aprendido muito com as pessoas que me seguem. Inclusive, uma das coisas que faço, que não é habitual, é mostrar as falhas. Mostro quando as coisas não correm bem. Mostro quando não consigo fazer as coisas.

Agência de Informação Norte: Chega a pedir apoio aos seus seguidores. Em que é que eles colaboram?
Miguel Telles: Sim, sim. Foram eles que me ajudaram, por exemplo, a resolver um problema que me correu mal quatro vezes num pudim. São fantásticos. As pessoas mandam mensagens privadas, fazem comentários nas minhas publicações e dão essas sugestões. Dizem-me “olha, eu faço assim”, “eu faço assado”, “isso já me aconteceu”, “se fizeres assim…”. E fico muito mais rico em todas as minhas receitas. Aprendo imenso com eles.

O Tuga nasceu antes do Covid

Agência de Informação Norte: Começou a publicar as receitas no YouTube durante o confinamento ditado pela pandemia de Covid-19. Isso também ajudou ao sucesso do canal, já que cozinhar acabou por se tornar um escape para muita gente?
Miguel Telles: Na verdade, comecei antes do Covid. Foi uma sorte, porque já tinha decidido o que ia fazer, já tinha dado os primeiros passos, estava a arrancar. Aliás, já tinha publicado vídeos até antes de surgir o Covid e, de repente, surgiu o Covid. As pessoas ficaram em casa, os restaurantes fecharam e as pessoas tinham de cozinhar. Acho que isso foi um grande fator que fez com que o meu canal tivesse sucesso, as pessoas sentiram-se obrigadas a estar em casa e a cozinhar. Por isso é que digo que foi uma sorte, foi uma sorte para o meu canal. Não sei se teria tido o sucesso que tive se não fosse o Covid, porque, se calhar, o crescimento teria sido outro.

Agência de Informação Norte: É reconhecido na rua?
Miguel Telles: Sim, e é super estranho, porque nunca estou à espera que as pessoas me reconheçam. Tem-me acontecido nos sítios mais estranhos que possam imaginar. Acontece-me, regularmente, em todo o lado, com todo o tipo de aproximações. Mas o mais engraçado é quando estou fora do país, quando estou de férias, por exemplo. Uma vez, estava em Cabo Verde, e houve um grupo de miúdos que, de repente, começaram a chamar pelo Tuga. Estamos a falar de miúdos com cerca de 20 anos. No ano passado em Maiorca, também estavam lá umas famílias que me reconheceram. Mas nunca estou à espera disso, é sempre uma situação muito estranha para mim.

Agência de Informação Norte: Nunca se arrependeu por deixar uma carreira de arquitetura e, mais tarde, de diretor de Marketing, para se dedicar à gastronomia?
Miguel Telles: Isso é uma conversa tão longa (risos). A arquitetura foi uma decisão que tomei na minha vida muito cedo. Desde criança que dizia que queria ser arquiteto, mas, na verdade, não sabia bem o que era isto. Só descobri, na verdade, na faculdade. Mas, a dada altura, desmotivei-me com a realidade da arquitetura em Portugal e decidi fazer uma pausa até conseguir ser eu a fazer a promoção dos meus projetos e segundo as minhas regras. Sempre que faço alguma coisa tenho de ser o melhor. O melhor não é o melhor em relação aos outros, é o melhor que consigo ser. E isso é uma luta que tenho comigo mesmo. Se decido fazer o que quer que seja, tem de ser o melhor que consigo fazer. Foi na arquitetura, foi nas empresas e é agora com este projeto. Por isso é que investi em equipamento para as filmagens dos meus vídeos. Recuso-me a fazer com telemóveis. Tinha dias em que demorava um dia inteiro, desde manhã até, às vezes, às três da manhã, a filmar uma receita. Os planos tinham de ficar perfeitos. Mas isso não era viável, porque as pessoas confundiam os meus vídeos com publicidade e passavam à frente. Porque, lá está, o meu background é um bocadinho esse.

Agência de Informação Norte: Junta à cozinha a paixão pela fotografia, pelo vídeo e pelo marketing digital. Investiu até no seu “mini estúdio”. Acredita que esse investimento também ajudou a ditar o sucesso?
Miguel Telles: Sempre achei que faltava qualidade nos conteúdos gastronómicos em Portugal. Queria fazer algo diferenciador. E entendi que isso ia ser um fator determinante no canal. A esta distância, e ao fim de mais ou menos cinco anos de estar a fazer isto, estou convencido que não é. Estou convencido que não é por aí. Porque há muitos, muitos canais que vejo, com números francamente superiores aos meus, mas de qualidade não têm nada, e isso é muito desmotivante para mim. Não deixa de ser frustrante investir na qualidade e depois sentir que a audiência não valoriza por aí. Sinto que há outros canais que têm números francamente superiores e que até são filmados com o telemóvel, porque não têm outros meios. Acho que as pessoas se identificam com conteúdo mais informal.

Agência de Informação Norte: Mas já pensou em desistir?
Miguel Telles: Muitas vezes e quase todos os dias penso nisso. Mas isso aconteceu mais nos primeiros dois anos. E é curioso, porque sempre que pensava “ok, vou desistir, isto não vale a pena, vou desistir disto”, recebia uma mensagem de um subscritor, daquelas que cai tudo ao chão. “Ver os teus vídeos em família é o nosso momento, vemos na televisão, o meu pai começou a cozinhar”. Coisas assim, e são estes momentos que ainda me fazem andar.

Agência de Informação Norte: Vê os seus vídeos no YouTube?
Miguel Telles: Depois de prontos, nunca mais os vejo e não é por fazer questão de não os ver. Para mim está feito, cumpri o que me propus fazer, está o melhor que consegui e penso logo em outros.

Agência de Informação Norte: Não tendo formação na área da gastronomia e não sendo um cozinheiro profissional, o lançamento de um livro de receitas e dicas de culinária foi um risco que, ainda assim, quis correr?
Miguel Telles: O lançamento deste livro não é um risco financeiro para mim, porque tenho uma editora que apostou no livro. Pode ser um sucesso ou não. Mas não gosto de perder. Este livro foi um grande desafio para mim e se não vender significa que não fiz bem o meu trabalho. Agora, quando sou eu a investir, dói de outra maneira, penso naturalmente nos riscos e pergunto-me muitas vezes se sou um homem feliz naquilo que estou a fazer.

Agência de Informação Norte: E é feliz?
Miguel Telles: Tem dias, porque é muito desmotivante por vários motivos. Cheguei a apresentar este projeto a empresas que trabalham comunicação e nem sequer quiseram conhecer, mesmo explicando que o fazia de forma diferenciadora. Chamavam-me de microinfluenciador e diziam que não queriam mais um. É ridículo quando estamos a falar que Portugal tem dez milhões de pessoas e tendo eu este número de subscritores. Aqui temos de ser nós a fazer tudo sozinhos e a rentabilidade quase que não paga as contas.

Agência de Informação Norte: Já pensou focar-se no internacional?
Miguel Telles: Claro que sim, mas penso logo nas pessoas que me seguem. É uma questão de respeito por quem é meu subscritor, já não financeira.

Agência de Informação Norte: Voltando à gastronomia, o que é que mais o apaixona na cozinha portuguesa?
Miguel Telles: Ui, sou um bom garfo e, então, para ter uma ideia, quando vim para o Norte engordei 30 quilos. De 80 quilos passei para mais de 100 (risos). Não dispenso um bom bacalhau, carne, arroz de pato, um bom cozido à portuguesa. Confesso que sou mais de carne do que de peixe.

Agência de Informação Norte: Quais são os seus ingredientes prediletos na cozinha?
Miguel Telles: Chouriço (risos). Uso em praticamente todos os meus pratos.

Agência de Informação Norte: Hoje, saúde e alimentação são temas muito explorados, incluindo no mundo digital. Tem alguns cuidados alimentares no seu dia a dia?
Miguel Telles: Tenho, e isso é uma questão muito sensível para mim e controversa. Eu, em criança, era muito magro e sempre desejei ser mais gordo, mas não conseguia. Na minha vida adulta, quando comecei a trabalhar, comecei a engordar sem me aperceber. E já em adulto, tenho tido períodos em que ora estou muito magro, ora muito gordo e não consigo manter um registo constante. Acabei por estudar esta questão da alimentação, mas à minha maneira, e não como diziam os livros. A alimentação é uma área muito controversa e tento não abordar muito isso.

Agência de Informação Norte: Há muitos mitos e modas na internet, também muitos fundamentalistas das dietas e ainda parece haver muitas dúvidas sobre o que faz bem, o que faz mal, o que faz emagrecer, o que faz engordar, o que é duradouro e o que não é duradouro. Reconhece a existência de alguns perigos quando as redes sociais e as plataformas digitais acabam por influenciar as pessoas?
Miguel Telles: É necessário ter muito cuidado, porque há muita informação errada, na minha opinião, e há cada vez mais pessoas a seguir essa informação cegamente. Passo muito tempo a fazer pesquisas e, se me dizem que aquele alimento é azul, quero descobrir e perceber por que razão alguém diz que é verde, para tirar as minhas próprias conclusões. Para mim, uma alimentação saudável não passa por recorrer a produtos que venham embalados; é usar os alimentos o mais próximo possível do seu estado natural. Seja carne, peixe ou legumes.

 

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