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Mário Crespo: Existem poderes financeiros e políticos no Jornalismo
27 de abril 2016
É uma referência no jornalismo. Sem papas na língua, Mário Crespo fala sem medos da sua visão do jornalismo nacional, da liberdade de expressão de quem lidera muitos meios de comunicação social no nosso país, dos poderes financeiros e políticos no Jornalismo e das saudades que tem da profissão. Quatro décadas depois da Revolução dos Cravos, o jornalista lembrou que hoje ainda se discute em Portugal como é que o país encara a Revolução dos Cravos e que a luta pelas conquistas de Abril têm que ser constantes, principalmente através da informação.
AIN -Parece-lhe estranho que ao fim de todo este tempo ainda se esteja a discutir como é que encarámos o 25 de Abril?
Mário Crespo – O que me parece estranho é haver gente que se esqueceu que antes do 25 de Abril aqui na região de São João da Madeira, terra da excelência no fabrico de sapatos, havia imensa gente descalça no Inverno. Havia subsistência nas zonas rurais onde pessoas viviam em condições praticamente medievais. Não só no Norte do país mas por todo o Portugal onde as grandes industrias nascidas da política do Condicionamento Industrial de Salazar espoliavam os recursos das colónias obtendo matérias primas recolhidas por gente em regime de trabalho realmente escravo em Africa. Em Portugal havia as Praças da Jorna onde homens e mulheres vendiam o seu trabalho físico sem a mínima protecção social. Esquecer isso é que me parece estranho porque afinal tudo isso foi apenas ontem.
Quer com isso dizer que a revolução dos Cravos de 74… é tudo aquilo que somos hoje?
Quero dizer que sem a Revolução que fizeram o Otelo Saraiva de Carvalho, o Vasco Lourenço, o Salgueiro Maia, o Mário Tomé, o Ramalho Eanes e muitos outros, os portugueses teriam sofrido ainda muitos anos de guerras coloniais sem sentido e de politicas ditatoriais. É importante notar que já o Beatles cantavam no Cavern Club em Liverpool e Bob Dylan anunciava que The-Times-They–are-a-Changing nas baladas de Greenwich Village e o regime Salazarista ainda tinha um campo de concentração político no Tarrafal em Cabo Verde e prisões políticas por todo o país.
Ainda existem muitas histórias e segredos por contar?
Histórias por contar há. Há pessoas que agora já se sentem à vontade para fazer o registo publico daquilo que passaram. Um dos programas mais impressionantes que fiz foi uma longa visita ao forte de Peniche com José Luís Saldanha Sanches que lá esteve 7 anos. Foi preso aos 18 anos. Há relatos agora do que eram realmente os interrogatórios da PIDE. Foi por isso que integrei com os meus filhos e mulher as manifestações que se fizeram junto à sede da PIDE na António Maria Cardoso em Lisboa para tentar evitar que se construísse no local um condomínio de luxo apagando a memória de um dos períodos mais trágicos da história de Portugal. Estivemos lá em varias manifestações com outras pessoas como o próprio Saldanha Sanches e a mulher a Procuradora Maria José Morgado que tinha estado presa na António Maria Cardoso. Manifestamo-nos mas, não conseguimos evitar que a sede da PIDE fosse transformada num prédio de apartamentos de grande luxo no Chiado. É curioso pensar que fizeram o mesmo a vários campos de concentração Nazis e ao Gueto de Varsóvia. Destruíram todos os vestígios do horror que lá se passou. É por isso, também, que é importante assinalar, sempre, o 25 de Abril e que se contem as histórias de como era o país antes da Revolução.
O 25 de Abril mudou a vida de Portugal, dos Portugueses e dos jornalistas em Particular?
A liberdade de expressão tem que ser exigida constantemente. Hoje temos liberdade de expressão constitucionalmente garantida mas também temos leis cuja interpretação perversa pode limitar ou obliterar completamente o exercício desse direito. O sistema de justiça tem dado seguimento a queixas oportunistas em processos de suposta difamação que podem esmagar financeiramente um jornalista independente. Isso já me aconteceu a mim com enorme prejuízo para o meu rendimento familiar só para me defender juridicamente de uma queixa ridícula que acarretava um pedido de indemnização obsceno. Actualmente um dos riscos é o domínio de órgãos de informação nacionais por capital estrangeiro. Nomeadamente capitais de Angola. É de notar que durante anos, enquanto o dinheiro de Angola entrava em Portugal em quantidades colossais, comprando jornais, rádios, TVs, revistas e plataformas de cabo, não se lia, ouvia ou via uma notícia sobre os crimes que estavam a ser cometidas em Angola. Agora que acabou o dinheiro e o regime de José Eduardo dos Santos está em manifesta crise já há relatos em primeiras páginas de jornais e há uma série de “heróis” a escrever editoriais inflamados denunciando agora aspectos sobejamente conhecidos e depois de anos de silêncios cúmplices. Mas a vida é assim. São estas inconsistências que me fazem ter ainda alguma reserva sobre a qualidade da nossa democracia, sobretudo no que respeita à liberdade de informar que tem sido, na minha opinião e experiência, muito condicionada pelos interesses financeiros.
Enquanto jornalista, tem a história viva do 25 de Abril?
Quando aconteceu o 25 de Abril eu estudava em Johannesburgo Africa do Sul na Unversidade de Witwatersrand. Era colega de um grande jornalista que também estudava comunicação e ciência politica. O Carlos Cardoso que foi assassinado a tiro no Maputo quando investigava casos de corrupção no regime do antigo Presidente Joaquim Chissano. A Minha melhor história do 25 de Abril foi a que Saldanha Sanches me contou no Forte de Peniche e eu fiz um documentário que exibi na SIC Noticias e que retransmiti parte quando me despedi, ou fui despedido, do Jornal das 9.
25 de Abril. Lutas. Conquistas. Imprensa. Existem como dizem muitas conveniências políticas de quem lidera muitos meios de comunicação social?
Existem e sempre existirão. Mas o grande problema em Portugal é que continuamos sem ter uma classe jornalística forte e independente de poderes financeiros e políticos. Jovens a ganhar pouco mais que o salário mínimo não conseguem a emancipação necessária para vingar nas suas carreiras. Por outro lado as dimensões do mercado de trabalho nacional são exíguas e não permitem grandes opções a quem queira fazer do jornalismo a sua vida.
Na imprensa local isso também é visível?
Não tenho experiência da imprensa local.
Disse numa entrevista que levou “algum tempo a compreender” o seu “despedimento” na SIC. Porque razão foi proibido de entrevistar o Rafael Marques?
Foi admoestado, primeiro verbalmente pelo então Director de Conteúdos da SIC de que as noticias que dava sobre Angola estavam a prejudicar as operações de colegas meus que em Luanda que trabalhavam num projecto do Dr. Balsemão que era uma revista de negócios, a RUMO. Depois fui advertido por escrito, numa carta que eventualmente darei ao novo Museu das Noticias de Sintra, pelo então Director de Informação que estava a dar cobertura excessiva a correntes de oposição em Angola. Acho que isso foi a razão de fundo para não me terem renovado o contrato. É curioso que essa gente também já não está na SIC. Manifestamente valeu-lhes de pouco o zelo empresarial.
Terá sido essa uma das razões de não ter continuado na estação?
Essa e outras. Uma outra situação foi a minha defesa numa coluna no Expresso da privatização de parte da rede da RTP. Francisco Balsemão é frontalmente contra isso e chamou-me e tentou admoestar-me rispidamente acusando-me (anotei esta conversa) de “estar a esticar a corda”. Não aceitei a reprimenda, disse-lhe que nunca tinha encarado o seu grupo editorial como um espaço de pensamento único e que mantinha a minha opinião sobre a absoluta necessidade de privatizar parte da RTP retendo um serviço publico de referência mas muito mais pequeno. Opinião que ainda mantenho.
Como é que viveu com a censura enquanto profissional?
Não trabalhei em Portugal antes do 25 de Abril. De resto só saí da tropa em Março de 1974 e fui logo estudar para Johannesburg. Em Portugal no actos de censura que me tentaram fazer depois do 25 de Abril, reagi violentamente e por todos os meios jornalísticos possíveis. Quando não me publicaram um crónica critica do Governo de José Sócrates pela sua política quanto a informação, escrevi um livro e publiquei a crónica desenvolvida. Chamei-lhe A Última Crónica.
Quer com isso dizer que quem tem poder nos jornais domina a expressão pública daquilo que é o nosso Pais nos dias de hoje?
Julgo que isso acontece em toda a parte. A questão é que em Portugal não há escala para haver alternativas informativas reais e, na minha opinião a blogosfera não é uma solução.
Quem saudades de fazer jornalismo?
Tenho. Sobretudo tenho saudades dos ambientes de redacção onde trabalhei mais de 40 anos.
Que avaliação faz do Jornalismo em Portugal?
Vai ter que melhorar. Muito. Sobretudo na Televisão está a atravessar uma fase particularmente pobre nos noticiários.
Deixou de escrever para o semanário Sol. Porquê?
Porque me censuraram uma referência à ditadura de José Eduardo dos Santos numa crónica sobre Angola. Deixei de ter confiança editorial nas pessoas que me tinham convidado para escrever semanalmente. Terminei de imediato a minha colaboração.
António Gomes Costa
Foto: DR