Entrevistas
António Sala: “Sou em muita coisa um homem do Norte”
Chegou à rádio dos seus sonhos, a Renascença, em 1979, para fazer o programa da manhã, o «Despertar», ao lado de Olga Cardoso. António Sala deixou uma marca na rádio Portuguesa e, apesar de já estar reformado, a saudade dos microfones por vezes bate à porta, pelo que tenta compensar ligando a telefonia. Não gosta de tudo o que ouve, mas assume que em Portugal existem bons profissionais. Nasceu em Gaia e é, em “muita coisa”, um homem do Norte, onde considera que as gentes têm um enorme calor humano. Nesta entrevista confessa que após a doença passou a olhar a vida de outra forma e hoje diz ser uma pessoa mais “macia e um homem melhor”. Vamos à entrevista.
Texto: Duarte Ramos
Foto: DR
Agência de Informação Norte – Começo por lhe perguntar. Tem saudades de fazer rádio?
António Sala – Nem sempre, mas há dias em que uma certa saudade bate à porta.
Mas a rádio continua a ser mágica para si?
A magia da Rádio nunca se perde no tempo.
Liga a telefonia todos os dias ou a rádio que se faz nos dias de hoje não lhe agrada?
Oiço Rádio todos os dias. Há coisas que me agradam outras não, como aliás em tudo na vida.
Apesar de já não estar no ativo, apercebe-se que a sua voz é das mais conhecidas e reconhecidas em Portugal?
Fico feliz de sentir que é conhecida e reconhecida. É gratificante
O que é que os microfones lhe ensinaram ao longo de 40 anos?
Que para além deles há pessoas e isso é o mais importante de tudo
Disse numa entrevista que o comunicador tem que ser uma espécie de “camaleão da palavra”. Existem muitos em Portugal com estas características?
Claro que há e alguns deles muito bons.
Há dias, alguém me dizia que nos dias de hoje os locutores falavam mais deles próprios e que se esqueciam que do lado de lá estavam ouvintes. Concorda?
Nem todos felizmente são assim, mas há alguns.
Quem trabalha em comunicação sabe que nem sempre é fácil chegar aos leitores ou ouvintes. A diferença de um bom comunicador é a comunicação ser feita só por ele próprio?
Há comunicadores que apenas são bons nessa tarefa, sendo eles os autores da sua própria forma comunicacional. Mas, outros conseguem passar todo o tipo de comunicação, mesmo que alheia à sua forma pessoal de escrever ou editar e fazem-no sempre bem. Esses são os mais completos
Antigamente, essa comunicação com os ouvintes era mais através do telefone e dos discos pedidos…
Era especialmente dessas formas.
O que é que as rádios locais vieram mudar?
Vieram democratizar ainda mais o meio Rádio, e colocá-lo mais próximo das suas populações. Muito importantes e autênticas escolas práticas.
Criaram-se vícios?
Em tudo na vida se criam vícios e a Rádio não é exceção. Há que os perceber e tentar combatê-los.
Quer com isso dizer que para ser um bom comunicador é fundamental evoluir e não estagnar…
Nem mais! Estagnar é morrer.
Aquele mito de que temos de colocar a voz na rádio e de ser demasiado formal é errado?
Não digo que seja errado, faz parte de uma determinada escola e de um formato do qual saí há muitos anos. Mas, não critico quem o faz e tem esse tipo de registo.
Mas qual é o maior inimigo de um bom comunicador?
Utilizar linguagem e discurso errado em relação às características do auditório a que se dirige.
Aos 17 anos sonhou ser ator. Fez uma audição para atores para peças radiofónicas na Emissora Nacional. Na altura, a Maria Leonor disse-lhe que achava que o António não tinha muito jeito para a representação, mas tinha uma voz muito agradável e que o seu caminho poderia ser a rádio. Posso concluir que foi ela a grande responsável pela sua entrada na arte de comunicar?
Hoje não tenho a menor dúvida de que teve muita influência nas minhas escolhas e nos caminhos que vim a percorrer.
Fale-me daquele jovem que começou a trabalhar na Rádio Ribatejo…
Era um rapaz cheio de sonhos e aspirações, mas de uma enorme ingenuidade. A Rádio fascinou-me totalmente
Foi, então, um amor à primeira vista?
Paixão de tiro e queda. São sempre assim os amores à primeira vista.
Qual terá sido o grande segredo do sucesso do programa «Despertar» na Rádio Renascença?
Pessoas, situações, formas e estilos que marcaram épocas, sociedades e as suas reações afectivas. Foi a Rádio certa no tempo certo.
Olga Cardoso, no Porto, António Sala, em Lisboa, o «Jogo da Mala», muitos programas ao vivo e líderes de audiência. Tinha noção na altura de como o programa era importante para as pessoas ou só se apercebeu depois de deixar os microfones?
Claro que tinha a noção do êxito que estava a acontecer, mas só entendi verdadeiramente o fenómeno, quando me distanciei e passado mais algum tempo e com mais maturidade o percebi por inteiro. Tinha sido feito e vivido um ciclo histórico da Rádio em Portugal.
Criam-se momentos únicos ao longo de 20 anos do programa…
Únicos. Verdadeiramente irrepetíveis
Uma vida dedicada à comunicação. O que é que a rádio lhe ensinou?
A grande comunicação, e para mim a Rádio de uma forma particular, uma autêntica escola de vida.
Ao longo da vida fez de tudo um pouco. Apresentou programas de televisão, escreveu canções de sucesso, foi diretor-geral do Grupo Renascença e até participou no Festival da Canção. Que opinião tem da canção vencedora da edição deste ano?
Uma melodia muito simples, mas lindíssima. Um arranjo instrumental muito bonito. Um belo poema e uma forma muito pessoal e muito própria de a tratar vocalmente. Gosto francamente do resultado final.
«Amar pelos Dois», interpretada por Salvador Sobral, está em quinto lugar nas apostas, entre as 43 que vão a concurso em maio, em Kiev, na Ucrânia. Acha que é desta que vencemos a Eurovisão?
A esse respeito não tenho grandes ilusões. Mas…isto nunca se sabe….nunca se sabe!
A saúde também lhe pregou um valente susto. Temos um António diferente na forma de ver a vida?
Claro, essas coisas marcam-nos e fazem-nos olhar a vida de outras formas e ângulos. Com o sofrimento, percebemos as nossas enormes fragilidades e ficamos mais sensíveis e mais humanos. Hoje sou uma pessoa mais macia e um homem melhor.
Nasceu em Mariz, Vilar de Andorinho, Gaia. É, claramente, um homem do Norte?
Sou em muita, muita coisa, um homem do Norte.
Neste lugar, quem é que ainda o trata por António Manuel Sala Mira Gomes?
Ninguém. Eu saí de Vilar de Andorinho com poucos meses. Nessa altura era o Toninho, hoje sou para toda a gente o Sala
O que mais o apaixona na invicta?
As suas gentes, as suas belezas e o seu enorme calor humano. Uma cidade única.
Que bom. O Despertar faz parte da minha vida. Lá em casa todos acordávamos ao som das anedotas do sala e das gargalhadas da Olga. Hoje a radio já não tem esta magia. Amei a entrevista.
Maria Miguel
Braga
Que saudades do o ouvir. Fui a muitos despertares ao vivo aqui no Porto. Ia de madrugada para ficar junto ao palco com a minha Mãe. Bons tempos.
Que saudades do Despertar das 7 ás 10. A minha companhia no autocarro quando ia para Braga. Hoje a rádio renascença já nada me diz.