Entrevistas
António Capelo: “A minha vida é no Porto”
António Capelo dispensa apresentações. O ator, professor, encenador da Academia Contemporânea do espetáculo fala-nos do projeto da sua vida, o Teatro do Bolhão. A leitura dos efeitos desta pandemia, na área Cultural, e deixa ainda, um recado à ministra Graça Fonseca, que, ainda, hoje, divulgou abertura de candidaturas no mês de Agosto, para apoios incluídos no Orçamento Suplementar do Estado.
Andreia Gonçalves
Foto: AIN
É uma das maiores referências da representação em Portugal. António Capelo numa época em que precisamos de abraço. Os artistas precisam mais do que nunca de serem abraçados, concorda?
Eu concordar concordo. A senhora ministra é que parece que não. Nós trabalhamos, exatamente, sobre a ideia do abraço, o trabalho dos atores é terem afetos, é tocarem-se. E, por isso, é muito difícil o que nos pedem, quer na escola, quer a nós profissionais da representação, no ato, ao estar em cena. E isto é algo penoso. E, ainda, não sabemos como os públicos se vão comportar e o que nos reserva o futuro.
Dar aulas de teatro à distância foi a realidade, dos últimos tempos. Como se contorna a pandemia, ao lecionar a arte de representar?
Eu estive a dar aulas sobre a tragédia grega e fiz a parte teórica, completa, pelas aulas on-line. Mas era preciso fazer a parte prática. Tivemos de fazer uma dramaturgia e a começar a compilar textos, em jeitos de monólogo e diálogos, muito curtos, onde era importante o valor da palavra física. Foi necessário criar um universo diferente. Nós teríamos de ter muitos atores, juntos, mas não poderíamos. Tivemos de reinventar e criar a relação com o texto adaptando-nos às circunstâncias. Nós temos de ter a capacidade de saber viver num estado de pandemia e de ultrapassar os obstáculos. E nós fizemo-lo desta forma.
O sector da cultura está quase parado. As pessoas não têm trabalho, logo não têm dinheiro, muitos deles até para a subsistência. É preciso olhar para o futuro, e para as necessidades de todos os que têm a vida suspensa, devido à pandemia. O que poderia, no seu entender, ser feito?
Eu acho que o Estado e o Governo têm de olhar para isto de outra maneira. Não concebo a ideia que a ministra não se mexa e que não tenha a sensibilidade social para perceber este momento difícil pelo qual os artistas e todos os que dela dependem estão a passar. Se não compreende o universo, que nós vivemos. E sequer o conhece, não percebo porque está neste cargo. É impensável que haja alguém num lugar que não se apercebe, que há pessoas na arte a passar muito mal. Porque estas pessoas são valores fundamentais para o desenvolvimento harmonioso da nossa sociedade. Não entender isto é não entender nada. Não faz sentidos fazer concursos, neste momento. è preciso olhar para os profissionais e não perceber que é preciso acudir a esta situação é deixar o país adoecer, menos culto. Há uma responsabilidade enorme, neste momento, neste governo, e a esta ministra tem de agir e não é com festivais que se resolvem as coisas. Há pessoas que precisam de ser acolhidas e ajudadas.
Apesar de tudo, somos um sector solidário. Mas há responsabilidade do estado, para com os cidadãos, que profissionalmente e socialmente, dignificam com o país.
As prioridades do Governo são outras, é isso?
A cultura não existe sem o público. Tudo deve mudar para benefício próprio. Não só para nós, como para os que usufruem do nosso trabalho. A economia não é só acudir aos bancos. Não podemos deixar que uma questão de saúde pública nos envenene o estado da democracia.
As limitações às salas de teatro fazem sentido?
No meu entender, o espectador de teatro, senta-se e está calado do princípio ao fim. Sem riscos. Os ritmos, hoje, são diversos e não há peças que se estendam mais de uma hora. Olhando e ouvindo e reagindo e não dialogando connosco, os riscos são menos do que andar num avião lotado. Nós não precisamos de ter mais cuidado do que aqueles que temos no dia-a-dia. As pessoas são conscientes e exigentes com a sua atitude e há um código e sendo mantido não me parece que traga malefício à saúde.
Para mim, não faz sentido, deixar uma fila vaga ou 3 cadeiras. Acho que não é necessário ser tão exigente. As pessoas não vão ao teatro para se infetar, umas às outras. Nós não podemos olhar para as pessoas como o perigo maior, na forma como se relacionam. Indo para um espaço público as pessoas saberão comportar-se.
As pessoas já têm a noção do perigo, desde a fase de confinamento. Até nos dizem que somos bem comportados. Agora, é só continuar com a nossa responsabilidade social para voltarmos ao teatro?
Tudo o que se fez até aqui foi importante para que tomássemos consciência. Uma vez tomada temos de aprender a lidar com isto. No próximo ano letivo vamos ter de viver com este vírus. Se os próprios agentes políticos, dizem que os portugueses são responsáveis, é preciso estimular as pessoas a irem ao teatro. São necessários incentivos. Não podemos andar a viver em desespero.
O homem que estudou filosofia, incentivador de festivais, o ator, o organizador da Bienal de Castelo de Paiva tem esperança que tudo se resolva a curto prazo?
Não sei se tenho fé e esperança. Mas, estou convicto que tudo vai passar. Nós não podemos defraudar os jovens e achar que eles não tem futuro Devemos ser modelos, porque uma escola forma para a vida. Nós temos de ser modelos e apresentar e ajudar a apresentar soluções para continuar a sonhar. Eu costumo dizer “Desconfinem-se e confie-se a nós:. E nós temos de ser agentes ativos e modelos de algo que tem de ser, qualitativamente melhor. Os pais dos nossos alunos da Academia têm receio pela deslocação dos filhos por terem de andar nos transportes públicos. A partir do momento que os alunos estejam na nossa escola nós cuidaremos da segurança deles, e o estado tem de fazer o trabalho deles no caminho de vinda e de ida.
Está aqui um obstáculo da vida que se deve enfrentar. É possível construir e avançar e andar para frente. O mundo está a dar-nos uma lição, infelizes daqueles que não perceberem nada. Infelizes dos políticos que queiram saber apenas da economia. É preciso olhar para o mundo e vida social e humana de forma diferente.
Vamos até à Rua Formosa, até a menina dos seus olhos. O projeto mais intenso da sua vida?
Eu costumo dizer aos meus amigos, que o teatro do Bolhão e academia deveriam ser um exemplo para o país. O palácio é património nacional, numa rua que quase não tinha vida, ter ali 200 alunos, frequentemente, pelas ruas, cafés é uma mais-valia para a qualidade de vida social. E porque é um espaço de valor patrimonial e arquitetónico e está, situado, na baixa portuense. Foi difícil, porque são necessários 3 milhões de euros. Mas com a nossa luta empenho estamos a conseguir. O sonho foi concretizado, e instalar a escola e a companhia no mesmo espaço é fascinante. E nesse sentido é o projeto de uma vida para mim e para muitos que estiveram comigo. O desafio, agora, é mantê-lo, mas de certeza que apesar da pandemia vamos passar por cima.
Como foi r de um lugar para o outro, para os alunos, professore, técnicos?
Eu tive uma ideia que apresentei “Vamos fazer uma espécie da marcha da mudança”, pegar em objetos e adereços e fazer o percurso da escola antiga à escola nova. E isso aconteceu. Eu pedi aos mineiros do Pejão, banda filarmónica da minha terra, para abrirem e fizemos um espetáculo de rua. Foi uma espécie de upgrade, lançou-nos outros desafios. E hoje, não há ninguém que não saiba onde é o teatro do Bolhão, a Academia e a companhia. Já ganhamos prémios por causa do restauro que fizemos. “Eu estudo na escola mais bonita do Mundo”, criei esse slogan é acredito que quem vê de fora deve pensar ser muito interessante andar numa escola assim. Arte na arte.
Como o menino de Castelo de Paiva, adotado pelo Porto, nunca teve a tentação de “fugir” para onde tudo seria mais fácil, a capital?
Estive lá um ano, e voltei! Tenho uma qualidade de vida profissional e social melhor BO Norte. Mas, gosto muito de Lisboa, vou lá muitas vezes, para trabalhar. Mas, a minha vida é no Porto.
Bienal de Castelo de Paiva? Um orgulho para si?
Uma trabalheira (risos). A estreia foi em 2017 e a segunda em 2019. Montar um espetáculo que refletisse a vida das pessoas foi um grande desafio. Trazendo profissionais do Porto para nos apoiarem. Mas fizemos algo mais exigente, tudo custeado pelo teatro do Bolhão, mas que envolvesse todas as pessoas, num espetáculo de 2 horas e coordenar isto é um grande desafio e nós temos experiência de fazer espetáculos de rua, com os nossos alunos. Porque ter ideias é fácil, executá-las é que é difícil. E com o público exigente e com os participantes fantásticos foi possível. Dada a entrega de todos.
Para mim o grande património de Castelo de Paiva, são as pessoas.
A minha pergunta final. Na sua maioria os papeis de vilão são os mais frequentes na sua carreira… Como é essa entrega que nos faz olhar para si e odiar os seus personagens de mau?
Eu fiz um papel de um homem violento e durante o tempo não consegui entrar no mercado do Bolhão. Eu visto os personagens, mas mesmo não estando de acordo com os personagens, no seu carácter, eu quero executa-los da melhor forma. Pois acho que se passar a energia às pessoas vou contribuir para mudar mentalidades. Eu trabalho, sempre, com esta responsabilidade social… para as pessoas detestarem o personagem violento e assim dar por bem sucedido o meu desempenho. Faço um trabalho Brechtiano de perceber as condições sociais e de como ela se movimenta e como posso fazer com ela para que o público retire alguma coisa.