Cultura

FIMUV: Bailarinos e músicos em posições inesperadas na estreia absoluta do espetáculo-poema “Alba”

É uma estreia absoluta, concebida especificamente para a 46.ª edição do FIMUV: o espetáculo “Alba” junta a Orquestra Filarmónica Portuguesa e o Ballet Contemporâneo do Norte, numa reflexão sobre a liberdade com matéria de facto, já que 30 músicos são retirados às suas posições cénicas tradicionais para se movimentarem em palco com cinco bailarinas.

A 46.º edição do FIMUV – Festival Internacional de Música de Paços de Brandão apresenta um total de 14 espetáculos até 31 de outubro e, entre esses, a maior expectativa recai sobre a première absoluta de “Alba”, uma coprodução entre a Orquestra Filarmónica Portuguesa (OFP) e o Ballet Contemporâneo do Norte (BCN), com composição original de Nuno Guedes Campos e coreografia inéditade Susana Otero, Carminda Soares, Maria Soares e Margarida Monteny. Música e dança vão assim cruzar-se a 5 de Outubro no Grande Auditório do centro de congressos Europarque, que tem capacidade para 1.400 espectadores, e harmonizar-se-ão ainda com a literatura, já que a performance evoca os 51 anos do lançamento do livro “Novas Cartas Portuguesas”, proibido pela censura ditatorial nos anos 70, então lido na clandestinidade e hoje um marco do feminismo internacional.

Como diretora do BCN, bailarina e coreógrafa, Susana Otero diz que “Alba” questiona também o grau de satisfação atual com a liberdade pretendida pelo 25 de Abril. Quase meio século após a Revolução dos Cravos, o espetáculo propõe, por isso, um conceito de liberdade enquanto “trabalho-em-progresso, interligado com as ideias de resistência, revolução, comemoração, participação e cidadania”.

Para dar forma concreta a essa reflexão, o BCN tinha “o desejo de colocar uma orquestra em movimento” e a OFP aceitou sair da sua zona de conforto formal, pelo que “Alba” materializará “diálogo, inspirações e partilhas” envolvendo compositor, maestro, encenação e cenografia. “São 30 músicos em palco, cinco bailarinas e, como ponto de partida comum, a ideia de liberdade e o que ela significa nos dias atuais”, explica Susana Otero. “Liberdade é uma batalha, todos os dias, e há quem consiga rir-se a partir disso”.

O título “Alba” não é, nesse contexto, casual. Refere-se à poesia provençal sobre o amanhecer que sucede ao encontro dos amantes e alude “ao transcendente, simbólico, mágico e sublime”. A coprodução entre BCN e OFP antecipa-se, portanto, como o encontro entre um corpo musical e um corpo que dança, ambos anunciando uma alvorada social, coletiva – a de Abril – e um grito de libertação pessoal, individual – o das Cartas escritas por Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa.

Osvaldo Ferreira, fundador e diretor artístico da OFF, reconhece que “Allba” se pode definir como “um espetáculo-poema, com melodias premonitórias, heroicas e explosivas”, mas prefere colocar de parte a adjetivação subjetiva e afirmar que em palco estará “garantidamente uma produção fora da caixa”. O músico com trabalho desenvolvido na Rússia, em Itália, na Venezuela e em vários outros pontos do globo justifica essa análise com a ausência no Europarque daquela que é a postura convencional dos intérpretes de música erudita e o tom geral “muito divertido” da performance.

“A OFP será transformada numa big band e interpretará diferentes estilos musicais do seculo XX, do minimalismo ao jazz”, revela o maestro. “Isso contribuirá para um espetáculo que, por um lado, será muito diferente e fora do habitual, mas que, por outro, torna evidente a público de todas as idades como a música é o principal elemento motivador da dança. O ser humano sempre desenvolveu música e dança em paralelo, desde os tempos mais ancestrais, e ‘Alba’ não escapará a essa relação, mas vai materializá-la com um certo twist e um novo arrojo”.

Dois dias depois atua a Real Câmara, com o maestro e violinista Eurico Onofri

No sábado à noite, será a nave recém-requalificada da Igreja da Misericórdia, no centro histórico de Santa Maria da Feira, a acolher o quarto espetáculo do FIMUV, em concreto o do coletivo português Real Câmara, sob a direção do maestro italiano Enrico Onofre, que, além de atuar como violino-solista, também conduzirá a soprano Ana Quintans e o barítono Hugo Oliveira.

O concerto confirmará a reputação da Real Câmara na “interpretação historicamente informada” de repertório setecentista português e na análise do relacionamento que esse património musical demonstra ter com Itália. Disso resultará a execução de um conjunto de obras que, embora com as respetivas partituras à guarda da Biblioteca da Ajuda e de outros arquivos fidedignos, muitas vezes ainda constitui “repertório inexplorado”.

Enrico Onofri dirigirá o concerto com composições de Pedro Jorge Avondano, Giovanni Bononcini, Francisco António Almeida e Rinaldo di Capua, intercalando a condução da orquestra barroca com solos que o diretor artístico do FIMUV, Augusto Trindade, considera demonstrativos do “elevado nível deste violinista, maestro e estudioso italiano, com um currículo internacional invejável e uma dedicação apaixonada”.

Foto: Gonçalo Delgado

 

Tags
Show More

Related Articles

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Close