Cultura
Porto: Erva Daninha “Mostra Estufa” onde cresce circo contemporâneo num ‘Campo Alegre´
O espaço múltiplo do Teatro Campo Alegre, no Porto, volta a acolher nos próximos dias 29 e 30 de novembro a Mostra Estufa, uma iniciativa a cargo da companhia Erva Daninha, estrutura que tem vindo a promover desde há quase duas décadas uma panóplia vasta de ações em prol da implementação e desenvolvimento do trabalho no domínio do circo contemporâneo, em coprodução com o Teatro Municipal do Porto.
Esta edição de 2024 conta com espetáculos que decorrerão em três espaços distintos do equipamento artístico-cultural: Sala-Estúdio, Café-Teatro e no Grande Auditório. Na senda do labor prosseguido até aqui, e também na diversidade proporcionada pelos projetos que se têm vindo a apresentar neste evento de carácter anual, a Erva Daninha aposta numa trilogia sequenciada que contempla “Cafelina”, da autoria da argentina a residir em Portugal Lucía Merlino, “Quem Anda ao Sol”, da dupla constituída por Felipe Contreras e Miguel Brás, um chileno e um português que colocam em palco mais um projeto nacional, e ainda “Chapitre 2: Ainsi Rugissent Les Fleurs”, uma criação da ‘quadrilha de assaltantes do mastro chinês’ composta por Flavia Slavi, Jessica Ramon, ambas de Itália, bem como por Kinane Srirou, franco-marroquina, e ainda pela catalã Laia Planell.
“Nesta Mostra Estufa caminhamos desde a individualidade até ao coletivo. Traçamos um caminho por palcos até uma possível reconciliação, até ao aconchego do coletivo. Partimos da solidão até à sua relação com o par e com o coletivo! 3 propostas de circo contemporâneo que crescem nesta Estufa aberta ao publico” refere Vasco Gomes, curador da Mostra Estufa 2024, citado em nota de imprensa.
Na demanda pela expressão em palco da atividade de experimentação criativa no universo do circo contemporâneo, a Erva Daninha propõe ao público duas sessões distintas, uma na sexta-feira, dia 29 de novembro, às 19h30, e uma outra no dia seguinte, sábado, dia 30, no mesmo horário. Os espetadores percorrerão os espaços contíguos acima referenciados e irão presenciar os três projetos em ritmo sequenciado.
Até porque ‘o café move montanhas’, o trabalho de Lucía Merlino, “Cafelina” caracteriza-se por ser um poema escrito com imagens de café. Uma espécie de mulher pássaro que se descobre através de formas e máscaras e também uma mulher que é um moinho de café, que moi os grãos, derrama-os numa tela branca e pinta em movimento. Há também acrobacias que dançam e, em equilíbrio, param sobre as mãos.
Há uma quase cadeia, que também é cadência, que vai do grão ao moinho, na génese do processo, passando pelo pó (grão moído) e da água quente até à mistura que se converte em ‘café-tinta’ com que a artista acabará a pintar com os pés. É uma narrativa no universo do café, da tinta que é café, são histórias de café e da relação das mulheres com o café. É uma convicção generalizada de que ninguém vai dormir neste espetáculo (também não terá insónias à custa dele), que cruza as artes visuais e o circo contemporâneo.
“Quem Anda ao Sol”, por seu turno, versa a questão da individualidade e de como os seres humanos ultrapassam as adversidades: no plano solitário ou partindo para uma dimensão da partilha, ou, por assim dizer, para um plano mais gregário. Esta metáfora dramatúrgica, protagonizada pelos malabaristas Felipe Contreras e Miguel Brás, espelha por um lado a exploração da individualidade, mas é em simultâneo uma busca pela superação das adversidades. A narrativa espelha as relações de conflito e harmonia, banhadas por uma estética e movimento que traduzem uma certa dimensão dialética no decurso da obra. Neste trabalho onde a beleza das contradições ganha expressão, o malabarismo e a música são um binómio forte e vão dar o mote para a harmonia entre as diferenças das duas almas que se balançam na narrativa.
O terceiro episódio ‘da série’ Mostra Estufa faz-se tendo como elemento técnico nuclear o mastro chinês. O projeto internacional em causa denominado por “Chapitre 2: Ainsi Rugissent Les Fleurs” resultou de uma open call à qual (cor)responderam intérpretes de circo contemporâneo de diversos países cujo imperativo primordial seria o de permanecerem em regime de residência artística em Portugal e apresentarem, para lá do trabalho final em sala, um ensaio aberto ao público.
A companhia Cirque Lambda, sediada em Toulouse, França, parte para este espetáculo com uma taxativa missão em termos de desígnio: “O absurdo dos rótulos sociais é que não se limitam a categorizar a realidade segundo denominadores comuns em relação àquele que faz a categorização, o que tende a ter em conta o pluralismo de pontos de vista que pode dominar uma sociedade.” A asserção filosófica que as quatro intérpretes defendem para a obra que vão apresentar vai para além desta ideia (de) retórica.
Flavia, Jessica, Kinane e Laia dispensam esses rótulos e categorias e neste “Assim Rugem as Flores” (tradução à letra) afirmam (e afinam) esse mesmo propósito em torno da técnica invulgar de um coletivo numérico pouco habitual no que se reporta à abordagem ao mastro chinês. O universo do absurdo ganha enlevo nesta relação com o elemento técnico em questão, onde as variações são múltiplas e quase impensáveis de se fazerem. Para além disso vão ser portadoras de mo(vi)mentos cómicos. Este projeto tem o apoio do programa Culture Moves Europe, organizado pelo Goethe Institut para a União Europeia.
Será ainda de salientar a presença de Alan Sencades, artista brasileiro de circo contemporâneo a residir em Portugal – que participou com um projeto em nome próprio na edição da Mostra Estufa 2021 – e que vai coordenar/ministrar a Oficina Corpo Cyrcense, que terá lugar no Clube de Circo Contemporâneo – CCC Espaço Agra, de 25 a 29 de novembro.
No dia 28 de novembro, o grupo do projeto de intervenção Q-Circo irá realizar uma visita guiada ao Teatro do Campo Alegre e assistir ao ensaio geral. O Q-Circo é um projeto apoiado pela Fundação Calouste Gulbenkian e pela Fundação “la Caixa” através da iniciativa PARTIS & Art For Change. Até 2025 a Erva Daninha, o Centro Social Soutelo e a Fundação Salesianos escrevem este projeto em conjunto com os jovens do Centro de Reabilitação da Areosa em Gondomar e o Centro Educativo Santo António no Porto.
Foto: © Ashleigh Georgiou