Entrevistas

Carla Garrido: “As histórias dos meus livros são inspiradas em experiências da minha vida pessoal e infância”

Para Carla Garrido, escritora de livros infantis, escrever para crianças “é um ato de coragem e responsabilidade" e uma aprendizagem permanente. Em entrevista à Agência de Informação Norte, revela que, ao levar as suas obras às escolas e creches, é um misto de emoções, criando uma ligação única com o público infantil. Com livros que abordam temas como higiene e alimentação saudável, prova que a literatura infantil vai além do entretenimento, assegurando tratar-se de uma poderosa ferramenta para os mais novos. Muito crítica com o seu trabalho, não esconde o entusiasmo pela edição, que muito em breve trará mais um livro. A escritora vai estar no próximo domingo no Museu Planet Cork, no WOW, em Gaia, para uma Hora do Conto.

Agência de Informação Norte – Diz acreditar que um autor é também um ator. “Improvisamos, gesticulamos e fazemos caretas”, ao encarar muitas vezes a forma criativa e até as personagens dos livros. Quer explicar?
Carla Garrido – Acredito que um autor não se limita apenas ao ato de criar histórias no papel, mas também se envolve de forma intensa na construção dos personagens, tornando-se simbolicamente, um “ator”, ao imergir nas emoções e «nuances» de cada personagem. Para além disso, quando apresento os meus livros ao público infantil, tento ir além das palavras escritas, recorrendo à improvisação, gestos e expressões, colocando-me em cena, explorando e vivenciando as minhas criações com uma abordagem dinâmica, de modo a tornar a história mais cativante, e permitindo que os leitores sintam a autenticidade das personagens como se fossem reais.

As crianças são leitores atentos e exigentes. Escrever para os mais pequenos é um ato de coragem?Sim, escrever para os mais pequenos é, de facto, um ato de coragem, mas, acima de tudo, um ato de grande responsabilidade. As crianças possuem uma sensibilidade aguçada e uma capacidade de perceber «nuances» que, por vezes, surpreendem os adultos. São leitores exigentes porque buscam não só histórias envolventes, mas também que as conectem com o mundo ao seu redor. Isto requer uma enorme habilidade de compreender o seu universo emocional e cognitivo, de falar com simplicidade, mas também com profundidade. A coragem está em criar histórias que não só entretenham, mas que também estimulem a reflexão, a imaginação e o crescimento, sabendo que as palavras escolhidas podem ter um impacto duradouro. É um processo que exige sensibilidade e respeito pela sua inteligência e complexidade.

 Como descreve, a ida às creches, às escolas e o contacto com o público infantil?
O contacto com o público infantil é uma experiência única e transformadora, em que sentimos a alegria genuína das crianças. É um ambiente onde a imaginação flui e onde a simplicidade das perguntas revela uma profundidade que, muitas vezes, nos passa despercebida. As crianças são muito sinceras nas suas reações, com os seus risos espontâneos e os seus olhares atentos. É uma troca recíproca, onde não apenas ensinamos, mas também aprendemos. E os abraços, ah, os abraços das crianças. Eles têm o poder de aquecer a alma! Estes momentos de interação são experiências profundamente gratificantes e inesquecíveis…

“Danilo a ensinar… a lavar os dentes”, “Carlota a ensinar… a roda alimentar”. Estes são dois dos seus livros. Esta é uma forma de passar uma mensagem didática através de uma história infantil?
Sim, sem dúvida. Utilizar personagens como o Danilo e a Carlota (já conhecidos do público infantil de histórias anteriores) para ensinar conceitos importantes, como a higiene oral e a alimentação saudável, é uma forma de transmitir uma mensagem didática aos meus “pequenos leitores”. Este é um livro de “duas capas de pernas para o ar”, no qual abordo dois temas essenciais e indissociáveis, recorrendo a situações do quotidiano, de uma forma natural e divertida. Com esta conexão emocional, as crianças sentem-se parte da história e a mensagem é mais fácil de assimilar.

Domingo, dia 26, vai estar no Museu Planet Cork, no WOW, quarteirão cultural de Gaia, e leva a Gaivota Carlota para uma Hora do Conto…
É verdade. Será pelas 11 horas, e lá estarei com o meu livro “A Gaivota Carlota” (editado em 2019). Por isso, tragam os mais pequenos ao WOW e venham conhecer a Carlota, uma gaivota real, que é uma ave marinha muito especial! No final, haverá a Sessão de Autógrafos e terão a oportunidade de comprar o livro com uma dedicatória personalizada para as crianças, que, garantidamente, vão ficar fãs! Encantem-se com esta história e vivam momentos mágicos em família…. Entrem na agenda do site wow.pt e adquiram os vossos bilhetes para a atividade. Os lugares são limitados e esgotam rápido. Não percam tempo. Reservem já!

Quem é o Danilo do Nilo?
O Danilo do Nilo é o protagonista do meu primeiro livro infantil, editado em 2017: “O Crocodilo do Nilo”. A história gira em torno das aventuras deste simpático crocodilo, um personagem que agrega uma combinação de curiosidade e sabedoria e que está sempre pronto a ajudar. O livro tem ilustrações vibrantes e uma linguagem simples e acessível para as crianças, ao mesmo tempo que transmite lições valiosas sobre a importância da amizade, da coragem e da busca pelo que é verdadeiramente importante.

A história dos livros é, de alguma forma, inspirada na sua vida pessoal?
Sim, de certa forma, as histórias dos meus livros são inspiradas em experiências da minha vida pessoal e da minha infância. Acredito que as nossas vivências e os nossos sentimentos podem, de forma subtil, transparecer nas narrativas que criamos. A vida pessoal serve como um ponto de partida, mas a magia da literatura infantil está justamente em transformar, pela imaginação, a realidade, onde os ensinamentos podem ser aprendidos de uma forma leve e envolvente.

Escrever livros para crianças e receber a reação delas mudou a sua vida?
Sim, sem dúvida. Escrever livros para crianças e receber as suas reações tem tido um impacto transformador na minha vida. O entusiasmo com que se envolvem com as histórias, trazem-me uma renovação constante de energia e inspiração. E este feedback é muito importante para criar histórias que toquem o coração, que estimulem a imaginação e que ofereçam algo mais do que apenas entretenimento. É um privilégio ver como as (minhas) palavras podem moldar o mundo de uma criança. Só assim faz sentido, para mim…Tem sido, indubitavelmente, uma jornada profundamente enriquecedora na minha vida, tanto pessoal quanto profissionalmente.

“Algumas perguntas das crianças podem ser desafiantes, mas são sempre uma oportunidade para a reflexão”

Normalmente, que perguntas lhe fazem?
As perguntas variam muito de uma apresentação para outra. Maioritariamente, as crianças têm curiosidade sobre os detalhes das histórias e dos seus personagens: como surgiram as ideias para os livros, se as personagens são baseadas em pessoas reais e se sou eu quem ilustra as histórias. Também é comum interessarem-se pelo processo de escrita, perguntando-me como é que alguém se torna autor, quanto tempo demora para escrever um livro ou como se faz para escolher o título. Algumas perguntam, com entusiasmo, o que vai acontecer a seguir num próximo capítulo e dão sugestões para novas histórias. E algumas sugestões até são muito interessantes!

Já teve dificuldade em responder a alguma pergunta dos mais novos?
Sim, por vezes, algumas perguntas das crianças podem ser desafiantes, mas são sempre uma oportunidade para a reflexão. Com a sua curiosidade sem filtros e a sua capacidade de olhar o mundo de uma forma tão genuína, os mais novos podem colocar-nos em situações em que é preciso pensar com cuidado na resposta, de forma a que seja compreensível para elas, sem deixar de lado a verdade.

Muitas vezes, é dito aos escritores de literatura infantojuvenil que, para se inspirarem, devem ler muitos livros infantis para tirar ideias. Concorda com isso?
Concordo. Ler livros infantis é uma parte importante do processo criativo e é essencial para compreender as tendências, os temas e as necessidades do público jovem. Além disso, podemos absorver as diferentes abordagens narrativas e o estilo de escrita que cativam os leitores mais novos. Os livros infantis são uma ótima fonte de inspiração. Eu adoro folhear um livro infantil, absorver as ilustrações, imergir na narrativa. E faz parte da minha rotina literária, reler os livros preferidos da minha infância.

“Sou bastante crítica e perfecionista em relação ao meu trabalho”

 

Há magia quando a sala esta cheia de crianças para a ouvirem?
Sim, há uma magia única, quando a sala está cheia de crianças para ouvirem uma história minha. A energia delas é contagiante, as palavras ganham vida e a narrativa ganha uma intensidade que só as crianças podem proporcionar. A conexão que se cria entre o autor e o público infantil é algo quase mágico.

É muito crítica em relação ao seu trabalho?
Sou bastante crítica e perfecionista em relação ao meu trabalho, mas vejo isso como uma ferramenta para o crescimento. Acredito que posso sempre melhorar e ando numa constante busca da qualidade e da autenticidade. Muitas vezes, isso implica rever, ajustar ou até reescrever certas partes de um livro, para garantir que a mensagem, que quero transmitir, chega da melhor forma possível. No entanto, tento equilibrar essa crítica, lembrando-me de que a criação de histórias é um processo evolutivo, e que cada livro reflete uma fase do meu percurso como autora.

Como é que se incentiva a leitura de livros numa era tão digital?
Tentando uma abordagem que integre o melhor dos dois mundos. Embora as crianças e os jovens estejam cada vez mais imersos no mundo digital, os livros ainda têm o poder único de desenvolver a imaginação, a concentração e a empatia, de uma forma que os ecrãs não conseguem. E dar o exemplo é fundamental: quando as crianças veem os adultos a ler, são mais propensas a seguir esse comportamento. Incentivar a leitura desde cedo, com histórias que se liguem com os seus interesses, e criar momentos de leitura conjunta acolhedores, em que a leitura não seja vista como uma obrigação, mas como uma atividade prazerosa, ajuda a despertar o amor pelos livros.

Estudou comunicação social. O jornalismo escrito era uma vocação?
Sim, era uma vocação, ou pelo menos, uma paixão. Desde muito jovem, senti uma atração pela escrita, e com o tempo percebi que a minha vocação estava em explorar a literatura, especialmente a literatura infantil, que me dá a oportunidade de tocar os corações mais jovens e despertar a imaginação. A minha formação em comunicação social foi, sem dúvida, um passo importante para aprofundar esse interesse, pois ajudou-me a entender o impacto das palavras, o que é valioso em qualquer tipo de escrita.

Mais tarde fez mestrado em psicologia ligada à área infantil. Porquê?
O mestrado surgiu como uma extensão natural da consciencialização acerca do impacto que as histórias podem ter no desenvolvimento das crianças. Acredito que elas têm um papel fundamental na formação emocional, cognitiva e social dos mais pequenos, e a psicologia infantil ofereceu-me uma compreensão mais profunda das fases do desenvolvimento e das necessidades emocionais das crianças. Pude perceber melhor como elas pensam, sentem e interagem com o mundo ao seu redor, o que me permitiu ajustar a minha escrita para ser mais sensível às suas emoções e desafios, criando histórias que não só entretenham, mas que possam contribuir para o bem-estar e desenvolvimento emocional das crianças.

Mas o jornalismo deixou de ser uma paixão?
O jornalismo continua a ser uma área que admiro pela capacidade de comunicar e informar, mas a literatura permite-me mergulhar no mundo emocional e imaginativo…

“Estou muito entusiasmada com o lançamento de um novo livro em breve”

O que mais a preocupa como autora e pedagoga?
A responsabilidade de influenciar positivamente as crianças é algo que levo muito a sério. Procuro sempre que as minhas histórias transmitam valores essenciais, como a empatia e o respeito, que promovam o pensamento crítico e a capacidade de refletir e questionar.

As crianças têm curiosidade nas histórias que lhes conta?
Sim, a sua capacidade de querer descobrir o que acontece a seguir é desafiante. Elas estão sempre atentas aos detalhes, fazem perguntas espontâneas e envolvem-se de forma intensa nas histórias, como se estivessem a viver a narrativa com os personagens.

De que é que mais gosta nestas visitas?
O que mais gosto nestas visitas a escolas é a energia contagiante das crianças. Cada encontro é uma oportunidade única de sentir a magia da literatura a ganhar vida diante de mim. Estes momentos de partilha com as crianças não só alimentam a minha paixão pela escrita, como também me relembram da importância de criar histórias que, além de entreter, possam provocar a reflexão e estimular a criatividade.

Vai lançar um novo livro em breve?
Sim, estou muito entusiasmada com o lançamento de um novo livro! Ele está a ser cuidadosamente preparado, com muito carinho e dedicação. Em cada novo projeto, há sempre uma sensação de novidade, uma oportunidade de explorar novos temas, novos personagens e, acima de tudo, de continuar a cativar e a inspirar as crianças. Embora ainda não possa revelar todos os detalhes, posso adiantar que será um livro que promete provocar reflexões. Estou ansiosa para partilhar este novo capítulo com todos, e ver como as crianças o vão receber!

Vila Nova de Gaia tem sabido reconhecer a escritora?
Ao longo destes anos, tenho tido o privilégio de ser reconhecida pelas instituições de ensino e outros parceiros culturais, não só de Vila Nova de Gaia, mas também de outras cidades, quando me convidam a apresentar as minhas histórias. A participação em eventos e iniciativas culturais, como feiras de livros e apresentações, tem sido uma oportunidade para compartilhar os meus livros com os leitores.

Foto: DR

 

 

 

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