Opinião

Viver com Fibromialgia

A Fibromialgia é uma síndrome reumática caraterizada por dor músculo-esquelética generalizada, com presença de pontos dolorosos em regiões específicas e por um cansaço extremo, com perturbações de sono, perturbações cognitivas, entre outros sintomas.

A Fibromialgia está associada a uma maior sensibilidade do indivíduo perante um estímulo doloroso, podendo envolver músculos, tendões e ligamentos não envolvendo no entanto as articulações tal como acontece com outras doenças reumáticas, sendo ela não causa deformação.

Esta síndrome afeta homens, mulheres e crianças de todas as etnias, idades, estatutos, estimando-se que afeta cerca de 2% a 5% da população adulta, dependendo dos países, em que 80% a 90% são mulheres entre os 20 e os 50 anos. Foi reconhecida pela OMS, em 1990 e em 1992 foi considerada como uma doença do foro reumatológico.

Em Portugal estima-se que afeta 2% a 4% da população, com predomínio nas mulheres acima dos 40 anos, sendo que em outros estudos estima-se uma prevalência de 3,6% de casos de fibromialgia, podendo muitos outros não estar diagnosticados, pois muitos doentes vivem com indeterminação de diagnóstico durante muito tempo.

Esta indeterminação de diagnóstico está relacionada com a ausência da identificação da sua causam, mesmo que possam existir vários fatores que podem propiciar o aparecimento desta síndrome, como por exemplo a desregulação do sistema nervoso central, o stress, algumas doenças imunológicas e endócrinas e um trauma físico ou psicológico. De igual modo, não existem exames laboratoriais, radiológicos ou outros que confirmem ou excluam a presença da Fibromialgia, pelo que essa carência de sinais objetivos e a ausência de específicos exames auxiliares de diagnóstico tornam as queixas dos doentes, muito subjetivas, mesmo que sejam fundamentais para o diagnóstico.

Assim, os critérios atuais de diagnóstico são a presença com duração superior a 3 meses de dor difusa pelo corpo e, pelo menos, mais 2 dos 4 sintomas seguintes: fadiga, alterações do sono, perturbações emocionais, dores de cabeça. É importante excluir outras doenças que aparentam a mesma sintomatologia como lesões musculares, alterações do sistema imunológico, problemas hormonais e doenças reumáticas.

A sua consideração como uma síndrome deve-se à quantidade de diversos sintomas que por si só não parecem estar relacionados e assim sendo os sintomas da Fibromialgia são: a dor músculo-esquelética generalizada, difusa, sem causa conhecida e que varia de intensidade, podendo ser acompanhada por formigueiros, parestesias; a fadiga extrema, com maior intensidade de manhã, que não melhora com o repouso, não estando associada a qualquer atividade desgastante energeticamente, porém muitas vezes entendida como uma enorme cansaço mental, existindo a falta de força e vontade para a realização das tarefas e para participar na vida social.

Outros sintomas desta síndrome são as alterações do sono, tal como a existência de um sono não-reparador, caraterizado por insónias ou a diminuição da sua qualidade; a rigidez muscular, mais intensa ao acordar ou quando o doente está muito tempo na mesma posição; as perturbações cognitivas, como a falta de memória, dificuldades de concentração e confusão mental; a hipersensibilidade química, como a cheiros, ruídos, lutes intensas, medicação, alimentação; a intolerância às diferenças de temperatura sejam elas relacionadas com o frio ou o calor; a secura das mucosas; alterações gastrointestinais; a disfunção temporão-mandibular; alterações de humor e poderá existir uma relação significativa com o aparecimento de depressão, relacionada com o ciclo vicioso da dor crónica.

O tratamento pode ser farmacológico recorrendo a analgésicos, relaxantes musculares e antidepressivos, ansiolíticos, estimulantes, anticonvulsivantes, terapêutica tópica, como cremes e pomadas. A nível não farmacológico recomenda-se a prática de exercício físico aeróbio (Ex: Caminhada, hidroterapia, dança, etc.), sempre adaptado à condição do doente; a massagem de relaxamento; regularização do sono, com adoção de novos hábitos de higiene do sono; yoga, pilates e shiatsu e osteopatia, sendo que existe um nível de tolerância diferente para cada doente, ou seja, cada doente tem que avaliar qual a atividade adequada para si, que lhe cause conforto, diminua a dor e proporcione relaxamento; a psicoterapia, com a terapia cognitivo-comportamental.

O efeito, destes tratamentos, difere de doente para doente, dada a singularidade de sintomas que cada um dos doentes tem, mas sendo transversal a todos a importância do apoio da família, dos amigos, dos colegas de trabalho e da comunidade médica e outros profissionais de saúde, visto que os doentes com Fibromialgia vivenciam a incompreensão, pelo desconhecimento e falta de informação sobre a doença e as suas repercussões, o que deve ser monitorizado por uma equipe multiprofissional, para evitar o isolamento social, a culpabilização e a vitimização associados ao doente com fibromialgia.

Como é Viver com Fibromialgia?

Viver com Fibromialgia é um desafio diário para cada doente, pois não há uma evolução contínua dos sintomas, sendo que variam diariamente de intensidade e gravidade, sendo que por essa razão o doente vive em constante stress, o que afeta o ciclo da dor e consequentemente os restantes sintomas, tornando-se o ciclo vicioso do da vida de uma doente com esta síndrome.

Algumas das principais queixas dos doentes, encontradas em diversos estudos, projetos e relatórios são a incompreensão que sentem quer na consulta médica (dado a dificuldade de diagnóstico e o reconhecimento da doença como crónica, real e não do foro psicológico, como foi considerada durante muitos anos) quer no âmbito das suas relações humanas, nos seus diversos contextos, levando ao isolamento, a perturbações emocionais e de igual modo, o não reconhecimento como doente crónico (a Fibromialgia não tem cura, sendo uma doença crónica), que interfere com a sua saúde e o seu dia-a-dia; a frustração relacionada com o efeito não imediato dos tratamentos quer farmacológicos quer não farmacológicos, que pode levar ao abandono dos mesmos, ao sedentarismo e consequente agravamento de sintomas e a culpabilização por não poder fazer o que fazia antes, por não conseguir cumprir tarefas das mais simples às mais complexas.

No sentido de poder viver o melhor possível com a Fibromialgia, o doente precisa de se responsabilizar pela sua saúde, cumprindo os planos terapêuticos e as orientações médicas, ou de outros profissionais de saúde, conversando com as pessoas que o rodeiam, transformando-se num veículo de informação, sensibilização e consciencialização, contribuindo, desse modo, para a diminuição dos estereótipos, do preconceito social associados à doença, pois havendo mais informação haverá mais aceitação e compreensão da Fibromialgia e das suas repercussões no dia-a-dia do doente.

Outra forma de o doente se sentir mais apoiado é procurar uma associação de doentes com Fibromialgia que tenha grupos de apoio, que partilhe informações, promova atividades, fazendo com que não se sinta sozinho, pois estará a partilhar a sua vivência com aqueles que têm a mesma condição, os mesmos desafios. As associações de doentes têm um papel muito importante na ida de um doente, pois lutam pelos seus direitos, informam, apoiam, criam sinergias que são vitais para viver o melhor possível e de um modo saudável, com esta condição de saúde.

Em Portugal, existe a nível nacional a associação Myos – Associação Nacional Contra a Fibromialgia e Síndrome de Fadiga Crónica, com sede em Lisboa e que além de realizar diversas atividades lúdicas, participa em projetos e estudos de investigação com benefícios para todos os doentes com Fibromialgia, sensibiliza e consciencializa a sociedade civil sobre a doença e os desafios do doente no seu dia-a-dia. Atualmente, a Myos oferece apoio presencial e/ou telefónico às 2ªs, 4ªs e 6ªs feiras, das 14h às 18h, além de partilhar várias informações pertinentes na sua página do Facebook Myos.

É possível (viver com Fibromialgia de um modo mais saudável, a vários níveis, passando pela aceitação da condição, responsabilizando-se pelos novos hábitos de saúde, procurando o apoio necessário, para que não se sinta sozinho e possa informar os seus pares e para que possa gerir, saudavelmente, as suas emoções, com confiança, amor-próprio, autoestima e esperança.

Ricardo Fonseca
Enfermeiro e doente com Fibromialgia, Presidente da Direção Nacional da Myos

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