Entrevistas

Sandra Felgueiras: “Não há simpatia como a do norte”

Cresceu a respirar politica, mas, na escola primária já fazia perguntas incómodas. Ser jornalista seria inevitável. E porque existe jornalismo que marca a diferença, reportagens que salvam vidas, histórias que marcam vidas, Sandra Felgueiras é uma dessas profissionais. É a cara do Sexta às 9, um programa semanal de jornalismo de investigação da televisão pública. Conheça nesta entrevista os desafios, dificuldades, histórias, mensagens diretas de alguém que sente o jornalismo como missão e que não esconde o carinho pelas gentes do Norte.

Agência de Informação Norte – Ser jornalista foi sempre um sonho de menina?
Sandra Felgueiras – Recordo-me de ser muito pequena e já dizer que o meu sonho era contar histórias. Na escola primária queria sempre escrever composições, fazer entrevistas, deliciava-me a ler. Nunca fui tímida. Sempre fiz perguntas incómodas. Nunca pedi licença para perguntar. Interpretei que o “não ” estava garantido mas a oportunidade de tentar nunca me poderia ser vedada.
Ser jornalista seria inevitável.

Já se questionou alguma vez se não tivesse existido o 25 de Abril se teria sido Jornalista?
Jornalismo sem liberdade é uma falácia, mas houve quem o fizesse de forma muito corajosa antes do 25 de abril. Considero-me corajosa q.b.. Acho que não seria o momento histórico nem o regime político que me condicionariam. Era capaz de ter experimentado o Tarrafal.

Começa a trabalhar na SIC em politica. Foi o destino?
No Expresso foi o destino; na SIC não. Foi apenas o momento. Estávamos nas segundas eleições de António Guterres. Só se respirava política no país e eu estagiava precisamente naqueles meses. Mas adorei. E sim, marcou o meu percurso!

É o rosto do programa ‘Sexta às 9’, da RTP 1. Sente que é uma aposta ganha do canal público?
É uma aposta mais do que ganha e é um orgulho consegui-lo! O Sexta às 9 já se tornou um programa incontornável. Respeitado. Corajoso. Eventualmente temido. Acima de tudo porque toda a equipa tem dado provas de independência, rigor e um extraordinário apego apenas à verdade. É isto que faz o bom jornalismo. E isto hoje marca a diferença! Aproveito para agradecer a toda a equipa e a todos os que dentro da RTP nos ajudam a tornar este projeto uma realidade semanalmente. São muitos. Cada vez mais.

O programa «Hoje» foi também uma aposta ganha…
Tenho muita pena que o ” Hoje” tenha terminado e considero que a RTP perdeu muito.
Foi um noticiário revolucionário.
Seguramente já ninguém se lembra, mas até 2010 em Portugal não se apresentavam noticiários em pé nem muito menos em interação com ledwalls, os chamados ecrãs interativos.
O Hoje chegava a ter 400 mil telespectadores na RTP2. Tinha convidados que não iam a mais nenhum programa como o Daniel Bessa e o Vitor Bento. Marcava a agenda. Gerava notícia. Foi uma enorme frustração. Terminou faz agora precisamente 4 anos.

Relativamente ao trabalho de investigação que a Sandra e a sua equipa fazem no programa “Sexta às 9”, quais são os critérios para a escolha dos temas tratados no programa?
No Sexta às 9 escolhemos os temas pela actualidade, mas também acolhemos muitas das inúmeras denúncias que nos fazem chegar. Entendo que a interatividade que geramos no programa é uma mais valia que nos diferencia. Os telespectadores sentem que são ouvidos. Percebem que podem contribuir para a agenda mediática. Que esta não pertence só a alguns. E é assim que quebramos também muitos dos poderes instituídos.

Que casos mais a marcaram neste programa?
Sou uma mulher de sentimentos fortes. Vivo os problemas dos outros. Sinto o jornalismo como missão. Nunca mais me esquecerei da Madeleine McCann como nunca mais deixarei de pensar no Leandro Lopes Monteiro.

Sente-se “condenada” pela justiça ou por alguma entidade por investigar determinados casos?
Costumo dizer que só se deixa pressionar quem é pressionável. Em relação às condenações penso precisamente o mesmo. Só a minha consciência me condena. E quando isso acontece – não nego que já tenha acontecido – sou sempre a primeira a reparar o erro. A humildade é uma das minhas maiores virtudes. Nunca hesitei em pedir desculpa assim que senti o apelo para o fazer.

Da sua experiência como é que a Justiça em Portugal lida com os seus próprios erros?
Já assumi diversas vezes que a justiça tem muita dificuldade em comunicar. E quando comunica raramente o faz bem. Os agentes da justiça ainda não entenderam que não é na opacidade mas na transparência que geram justiça.

Mas acha que os ignora?
Os contínuos atropelos aos direitos fundamentais dos cidadãos sem que se percebam os reais fundamentos para a prisão de A, B ou C; os sistemáticos furos ao segredo de justiça em processos-chave; o triângulo perigoso montado com alguns jornalistas, e só alguns, são a face mais negra da nossa democracia. Ainda hoje! Sobretudo hoje!

Acompanhou um caso de alguém que foi condenado injustamente. Pela investigação que fez na altura de que forma este “condenado” pode um dia ser compensado por um erro da Justiça?
Dificilmente o Leandro Lopes Monteiro será ressarcido do erro monstruoso que cometeram com ele. O Estado destrói vidas e nunca as recupera. É verdadeiramente perturbador que o Estado possa agir de forma tão cruel. Tão criminosa. Como fazer mal a uma criança indefesa. Como era o Leandro. Tinha 16 anos quando foi injustamente preso. Mesmo que lhe paguem uma indemnização. Mesmo assim, alguém lhe cura o que tem gravado na alma?

Que obstáculos teve que enfrentar e vencer para fazer determinadas investigações?
As investigações vencem-se pelo cansaço. Quero com isto dizer que este trabalho dá mesmo muito trabalho. Não é para todos porque nem todos os jornalistas conseguem andar semanas ou até meses atrás da mesma história. Aprofundando. Com paciência, dedicação e muitos revezes. O jornalismo de investigação só estaria ameaçado se não houvesse jornalistas com vocação para o fazer. Mas há! Profissionais com muita qualidade. Mal remunerados para o nível de responsabilidade e riscos que correm mas… andam aí!

Existem jornalistas que têm cada vez mais actividades paralelas. Uns editam livros, outros são professores, cronistas. Alguma destas vertentes estrajornalisticas alguma vez a fascinou?
Nunca me senti fascinada por escrever livros ou outra qualquer atividade relacionada com o que faço, mas tenho o maior respeito pelos colegas que o fazem e nunca digo que não o farei. Ninguém sabe o dia de amanhã.

A rádio faz parte do seu curriculum profissional?
Fiz rádio quando tinha 12 e até aos meus 18 anos, altura em que vim para Lisboa estudar. Comecei com a minha mãe num programa infantil que ela tinha criado na rádio local de Felgueiras. Mais tarde, já apenas com um amigo, fiz um programa de música alternativa chamado “A ferro e fogo”. Foi uma experiência extraordinária mas nada teve a ver com jornalismo. Foi apenas a parte lúdica que me moveu.

Como foi o seu primeiro direto na televisão?
O meu primeiro direto foi há 16 anos nesta altura do ano. Mandaram-me fazer o ponto de situação do trânsito na ponte 25 de abril. Recordo-me do José Rodrigues dos Santos gozar comigo porque o local do direto era “Coina”. E ele, minutos antes só para me ver nervosa, dizia: vê lá se eu me engano e ficas com essa marca para a vida! Nunca mais me esqueci. E ele não se enganou!

Hoje, mais do que nunca, os programas de televisão marcam também território na rede social. Hoje já não temos uma televisão fechada?
A televisão tem de se adaptar rapidamente às mudanças de comportamento. Hoje em dia o consumo de informação acontece ao minuto, via internet e redes sociais. Já ninguém fica à espera do noticiário da noite para saber o que aconteceu no país e no mundo. Acredito que o futuro está na complementaridade de recursos em que a televisão será apenas mais um. Acessível também a partir da internet de onde é cada vez mais vista. A maioria já não vê televisão à hora certa. Escolhe o que quer ver, quando quer ver. É preciso redireccionar a escolha de conteúdos para acompanhar esta revolução. Porque é mesmo de uma revolução que se trata.

Qual é a força do jornalismo regional? Entende tratar-se de um motor de desenvolvimento da comunidade e da sua massa criativa?
O jornalismo regional é fundamental essencialmente fora dos grandes centros urbanos. Acima de tudo porque aproxima os cidadãos dos centros de decisão. Valoriza os problemas das pessoas. Ajuda a pressionar dando visibilidade ao que vai acontecendo.

A maternidade mudou muito a sua vida?
A maternidade fez-me aprender a relativizar os problemas. A por tudo em perspectiva. Acrescentou-me outra maturidade. Outra vontade de conjugar a vida pessoal com a profissional. Ainda sou workaholic mas já não prejudico ninguém que amo por causa do trabalho. Ou pelo menos não prejudico tanto. Sinto-me uma pessoa melhor!

Estamos a entrar em 2017. Quais são os rituais no final de cada ano?
Não tenho rituais no fim de ano. Gosto de estar com as pessoas de quem mais gosto. Não importa onde. Importa como. Prezo muito o amor. Não sou nada sem amor nem sem aqueles que amo.

Qual é o seu maior desejo para 2017?
Desejo sinceramente que 2017 seja um ano de soluções para o mundo. Não é possível que a comunidade internacional continue a assistir, sem mais, a esta guerra interminável que mata diariamente inocentes na Síria e coloca a Europa numa situação de fragilidade imensa. Por cá, espero que haja responsabilidade política para gerir o país como todos nós precisamos. Com seriedade e bom senso.

Como é a Sandra Felgueiras fora da televisão?
Sou a pessoa mais genuína que podem conhecer. O maior elogio que me podem dar é dizer que não mudei nada desde a adolescência. Aqui estou entre os meus melhores amigos, meus eternos companheiros. Estiveram e estão sempre comigo. Mesmo vivendo à distância.

Gosta de viajar?
Viajar sempre me abriu perspectivas. Foi s estudar em Barcelona que me tornei verdadeiramente rebelde. Curiosa. Corajosa. Capaz de confiar nos meus instintos. Transmito essa coragem e crença no nosso valor à minha filha todos os dias!

Leva a sua filha?
Viajamos muito as duas. Ela com 3 anos já esteve nos Emirados, Omã, Cuba, Inglaterra e França.

O Norte continua a ter um sabor especial na sua vida?
Continuo a passar uns dias por ano na praia onde os meus pais mantêm uma casa de férias: Labruge, em Vila do Conde. A minha filha Sara ama as pocinhas. Mesmo de água gelada! (risos) E eu adoro reviver a alegria única que sentia em cada verão que ali passei. Os melhores anos da minha vida!
Com muito respeito pelas pessoas do sul que me acolhem há 20 anos não posso deixar de admitir que o norte é o norte! Não há simpatia como a do norte. Gente pura como a do norte. Gente que sente como eu sinto tudo: sempre com o coração na boca!

www.airinformacao.pt

Fotos: DR

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